O Brasil é o país com o maior número de espécies de plantas nativas, diversidade que há muito tempo desperta o interesse de pesquisadores do mundo inteiro.
Uma das maiores referências para os botânicos ainda hoje é o naturalista bávaro do século 19, Carl Friedrich Philipp von Martius, editor da Flora Brasiliensis. Até o início de 2021, a coleção de 40 volumes era a única obra que reunia informações sobre as espécies de plantas conhecidas no país.
“Por muito tempo foi a maior flora de um país já pesquisada no planeta. Então é uma obra bastante significativa na nossa história para o conhecimento da biodiversidade”, avalia Rafaela Forzza, coordenadora do programa Reflora, sediado no Jardim Botânico do Rio de Janeiro. Com a colaboração de 60 botânicos, a coleção da Flora Brasiliensis registrou cerca de 22 mil plantas encontradas no Brasil e suas fronteiras.
Martius e o zoólogo bávaro Johann Baptist von Spix viajaram para o Brasil de carona na comitiva que trouxe a futura Imperatriz Leopoldina, em 1817, conta a historiadora e professora da Universidade de São Paulo (USP), Karen Macknow Lisboa. Eles percorreram cerca de 10 mil quilômetros no território nacional, do Rio de Janeiro a Belém do Pará, de onde navegaram pela Bacia do Amazonas.
A viagem dos naturalistas também é objeto de estudo dos historiadores Pablo Diener e Maria de Fátima Costa, da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT). Eles lembram que no percurso, cheio de desafios e provações, Spix e Martius coletaram e catalogaram informações sobre plantas, animais, artefatos indígenas e inclusive registraram canções que fazem parte da trilha desta edição do Caminhos da Reportagem.
O programa de hoje vai mostrar também o programa Reflora, que promove o repatriamento digital das amostras de plantas levadas pelos naturalistas estrangeiros para seus países de origem. A iniciativa conta com a colaboração de 12 herbários internacionais e 70 brasileiros. “Não é um repatriamento físico, é a digitalização dessas amostras em alta qualidade para a disponibilização na web”, explica Rafaela Forzza.
Como resultado do Reflora, foi lançada este ano a plataforma online Flora do Brasil, que reúne informações atualizadas sobre as cerca de 47 mil espécies nativas de plantas, algas e fungos conhecidas atualmente.
As pesquisas ganharam recursos tecnológicos com o passar dos anos, e as descobertas nunca cessam. “A gente catalogou, nesses últimos cinco anos e meio, por volta de 2.100 novas espécies de plantas, algas e fungos para o território brasileiro. Isso significa que, a cada dia, os cientistas descrevem uma espécie nova para a ciência”, afirma Rafaela.
Enquanto participou do projeto, o biólogo Ricardo Couto registrou três novas espécies de Dioscoreas, popularmente conhecidas como “cará”, na Região Sudeste, e “inhame” em outras partes do país. Ele diz que apesar de o Brasil abrigar o maior número de espécies de Dioscoreas, cerca de 150 no total, apenas o “cará-roxo da Amazônia” é consumido de forma sistemática. As outras duas espécies comercializadas são de origem asiática e africana.
Além da falta de informações sobre as propriedades nutritivas dessas plantas, o biólogo avalia que a produção de medicamentos também perde com a falta de pesquisas. Foi a partir dos estudos com as Dioscoreas que os cientistas desenvolveram a pílula anticoncepcional nos anos 60.
As expedições contemporâneas em busca da flora brasileira mostram como a nossa diversidade ainda precisa ser estudada. “Muitas plantas correm o risco de ser extintas, antes mesmo que a gente possa conhecê-las”, alerta Couto.
O programa Caminhos da Reportagem vai ao ar neste domingo (2), às 20h, na TV Brasil.