A suspeita de irregularidades na contratação de um grupo de empresas privadas consorciadas pelo governo de Minas Gerais, em 2009, levou a Polícia Civil mineira a cumprir, hoje (16), a 13 mandados de busca e apreensão em endereços residenciais e comerciais ligados a empresários, servidores e ex-gestores públicos.
Os mandados judiciais foram cumpridos em duas cidades de Minas Gerais (Belo Horizonte e Nova Lima) e três municípios paulistas (São Paulo, Jaguariúna e Barueri). Batizada de Ergastulum, em alusão aos antigos edifícios romanos onde escravos considerados perigosos eram acorrentados e punidos, a operação é o resultado de investigações que apuram fraudes na licitação que resultou na contratação, em 2009, do consórcio Gestores Prisionais Associados (GPA) para a construção das cinco unidades do complexo penitenciário público-privado de Ribeirão das Neves, na região metropolitana de Belo Horizonte – e das quais, até hoje, apenas três foram entregues.
Segundo o chefe da Divisão Especializada de Combate à Corrupção, Investigação a Fraudes e Crimes Contra a Ordem Tributária, delegado Domiciano Monteiro, os alvos da operação também são investigados por peculato (subtração ou desvio, mediante abuso de confiança, de dinheiro público), condescendência criminosa e organização criminosa. A suspeita é que a ação ilícita dos envolvidos tenha causado um prejuízo de mais de R$ 100 milhões aos cofres públicos estaduais.
Formado por cinco empresas, o consórcio foi criado para implantar e administrar a “primeira iniciativa brasileira em modelo de parceria público-privada (PPP) no sistema prisional” brasileiro. À época da assinatura do contrato, o estado era governado pelo hoje deputado federal Aécio Neves (PSDB). A primeira unidade, no entanto, foi inaugurada em 2014, durante a gestão do hoje senador Antonio Anastasia (PSDB).
Das cinco unidades previstas para serem entregues até 2013, apenas três estão em funcionamento – a última delas foi entregue em junho de 2014. De acordo com Monteiro, após sucessivos aditivos contratuais, o próprio governo estadual acabou por admitir, em 2018 (quando o estado era administrado por Fernando Pimentel (PT)) a inclusão de uma cláusula contratual que não só excluiu o prazo para conclusão das obras, como eximiu a empresa de quaisquer sanções por atrasos nos cronogramas anteriormente acordados.
“O contrato inicial foi celebrado em 2009, por aproximadamente R$ 2,1 bilhões [montante não corrigido para valores atuais], mas vários termos aditivos foram sendo assinados ao longo do tempo”, disse Monteiro a jornalistas, esta manhã. O delegado explicou que o último termo aditivo ao contrato inicial foi assinado em 2018, após o governo estadual e o GPA travarem uma disputa judicial.
“Quando surgiram os primeiros indícios de irregularidades nestes contratos, em 2015, o então secretário de Defesa Social determinou que os pagamentos ao consórcio fossem suspensos. Isto culminou em uma ação judicial [que resultou em] um acordo judicial, seguido pela assinatura de um novo termo aditivo”, detalhou o delegado, afirmando que “cláusulas extremamente lesivas ao estado” continuaram inclusas no novo termo aditivo, firmado perante à Justiça.
“Foi incluída, por exemplo, uma cláusula de prazo indeterminado para a entrega [pelo consórcio] das unidades 4 e 5 [do complexo prisional. E desde a assinatura do acordo, nada mais foi feito. Além disso, no acordo judicial e no termo aditivo, o estado inseriu uma cláusula vinculando que, a partir daí, a entrega das unidades restantes deveria ocorrer quando a concessionária obtivesse um financiamento. Mesmo o contrato inicial prevendo que, caso fosse necessário financiamento, a obrigação seria do consórcio”, acrescentou o delegado, afirmando que, ao longo das investigações, foram reunidos indícios que sugerem que os sucessivos termos aditivos beneficiaram o consórcio inclusive com a majoração de valores a serem pagos por serviços já previstos no contrato inicial.
“Dentre as possíveis irregularidades estão o pagamento, pelo estado, de itens que já eram contemplados no contrato inicial, de 2009, a exemplo de um circuito fechado de televisão, no valor de R$ 10 milhões. A obrigação do consórcio pela instalação, manutenção e modernização de todo o circuito já constava do contrato inicial, por toda a vigência deste primeiro contrato, de quase 30 anos. Mesmo assim, em virtude de um pedido de recomposição de equilíbrio econômico-financeiro, o estado acabou pagando [a mais] por estes itens”, sustenta o delegado.
Os nomes ou cargos dos principais investigados não foram divulgados. A Agência Brasil entrou em contato com a secretaria estadual de Justiça e Segurança Pública, com o Departamento Penitenciário de Minas Gerais e com o consórcio GPA, mas ainda não recebeu nenhum retorno.