O segredo para atingirmos a eficiência, a eficácia e a efetividade nas ações de policiamento poderia ser resumido na “expressão matemática”:
PLANEJAMENTO + PROFISSIONALIZAÇÃO DO PROCESSO + INVESTIMENTO NA BASE = MUDANÇA CULTURAL

Acreditando nessa “matemática” continuo fazendo minha parte. Hoje apresento um texto escrito em conjunto com o Sargento João Pinto, 3º BPM. Uma experiência fantástica ao unir o conhecimento acadêmico e a vivência de um profissional prestes a ir para a “reserva”.
O Policiamento Comunitário na perspectiva do paradigma da Segurança cidadã.
Aderivaldo Cardoso e João Pinto de Carvalho
O debate envolvendo o tema Segurança Pública está ganhando força na sociedade como um todo, em virtude de um novo paradigma. O conceito de paradigma, na visão de Kunhn (2003), é entendido como visões de mundo compartilhadas, que influenciam a forma de pensar determinado grupo, em determinada época. Não há como negar sua influência nas políticas públicas de segurança pública. Segundo Freire (2009), podemos delinear três importantes paradigmas na área de segurança pública, são eles: da Segurança Nacional, da Segurança Pública e da Segurança Cidadã. Eles influenciaram a atuação estatal e a percepção da sociedade nas últimas cinco décadas.

O conceito de Segurança Nacional foi adotado no Brasil durante o período que corresponde à Ditadura Militar (1964-1985) e, nessa perspectiva, eram priorizadas a defesa do Estado e a ordem política social. É importante ressaltar que este processo iniciou-se pela tomada do poder pelas Forças Armadas e pela instauração de um regime no qual o Presidente da República detinha uma grande soma de poderes. Tal período foi caracterizado por supressão de direitos constitucionais, censura, perseguição política e repressão a qualquer manifestação contrária ao regime militar, tanto interna quanto externamente (Cf. Freire, 2009). Frisa-se aqui que a maioria dos alunos do Curso de Altos Estudos e Aperfeiçoamento de Praças foram formados nesse antigo paradigma.


Resumidamente, a Ditadura representou uma brusca e violenta ruptura do princípio segundo o qual todo poder emana do povo e em seu nome é exercido. Percebe-se, assim, que a perspectiva da Segurança Nacional era fundada na lógica de supremacia inquestionável do interesse nacional, definido pela elite no poder, e pela justificativa do uso da força sem medidas em quaisquer condições necessárias à preservação da ordem. Essa base conceitual para atuação do Estado na área de Segurança no período estava fundamentada na Doutrina de Segurança Nacional de Desenvolvimento, formulada pela Escola Superior de Guerra (Cf. Oliveira, 1976). Esta doutrina via o cidadão como potencial inimigo e foi repassada aos agentes de segurança pública por meio das Secretarias de Segurança comandadas por Generais ou Coronéis do Exército.

Com o fim da Ditadura no Brasil, promulgou-se a Constituição de 1988. Esta cria um novo paradigma, pois ela define claramente as atribuições das Forças Armadas, artigo 142, e dos Órgãos de Segurança Pública, artigo 144. Esse artigo estabelece que a Segurança Pública é dever do Estado, direito e responsabilidade de todos. Ela passa a ser exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio. É visível a mudança de paradigma, pois deixamos de “coibir” o cidadão e passamos a “protegê-lo”, assim os órgãos policiais iniciam sua profissionalização tendo como pilar a proteção da vida e do patrimônio. A maior preocupação na primeira década da redemocratização é diferenciar os papéis institucionais das polícias e do Exército.
Essa discussão torna-se importante, pois existe uma grande distinção entre Segurança Pública e Segurança Nacional: a primeira é voltada para à manifestação da violência no âmbito interno do país e, a segunda, refere-se a ameaças externas à soberania nacional e defesa do território (Cf. Freire, 2009) Ainda hoje, nos cursos de formação e aperfeiçoamento da Polícia Militar do Distrito Federal percebe-se uma confusão entre os dois paradigmas, principalmente entre aqueles que defendem uma posição retrograda durante a formação dos novos policiais. Isso é facilmente percebido ao visitar as Escolas de Formação e os métodos de ensino aplicados.

Podemos afirmar que o paradigma da Segurança Pública desloca o papel da prevenção e controle da violência das Forças Armadas para as Instituições policiais (Cf. Freire, 2009). Nesse sentido, cabe prioritariamente aos Órgãos policiais a responsabilidade pelo controle e prevenção da violência. No entanto, dois fatores ainda influenciam e potencializam as dificuldades dentro do sistema. A formação policial deficitária e as dificuldades de adaptação as novas propostas dentro do Estado de Democrático de Direito, seja na área de formação ou aperfeiçoamento.
O último paradigma a ser tratado nesse trabalho é o da Segurança Cidadã. Segundo Freire (2009) ele surge na América Latina, a partir da segunda metade da década de 90, e tem como princípio a implementação integrada de políticas setoriais no nível local.  O termo Segurança Cidadã começa a ser aplicado na Colômbia, em 1995 (Cf. Freire 2009) e, seguindo o êxito alcançado naquela localidade na prevenção e controle da criminalidade, este passa a ser adotado então por outros países da região. O conceito parte da natureza multicausal da violência, pois várias são as sua influências, não sendo apenas algo de responsabilidade da polícia, mas de toda comunidade.

Sendo assim, defende-se a atuação tanto no espectro do controle como na esfera da prevenção, por meio de políticas públicas integradas no âmbito local. Dessa forma, uma política pública de Segurança Cidadã envolve várias dimensões, reconhecendo a multicausalidade da violência e a heterogeneidade de suas manifestações. É importante ressaltar que uma intervenção baseada nesse conceito tem necessariamente de envolver as várias instituições públicas e a sociedade civil na implementação de ações planejadas a partir dos problemas identificados como prioritários para a diminuição dos índices de violência e delinqüência em um território, englobando iniciativas em diversas áreas, tais como educação, saúde, lazer, esporte, cultura, cidadania, dentre outras.

No Distrito Federal (DF) foi implantado um projeto de Postos Comunitários de Segurança (PCS), dentro do paradigma de Segurança Cidadã, visando a obtenção de melhores resultados no combate a criminalidade. Segundo Cardoso (2009) uma das vantagens é o “espalhamento” territorial dos postos, pois o Estado faz-se presente em lugares onde pouco esteve. O projeto tinha como objetivo criar 300 (trezentos) PCS em todo DF, em quatro anos, e sua bandeira principal era o discurso do policiamento comunitário como solução para os problemas. No final dos quatro anos apenas 110 postos foram disponibilizados à população e várias são as queixas, basta abrirmos os jornais para nos depararmos com algumas delas. As mais comuns vão desde a falta de efetivo, para o policiamento ostensivo, até a omissão dos policiais que atuam nos postos em ocorrências nas imediações dos PCS.

A principal reclamação da população é relacionada a falta de efetivo e eficácia do policiamento. Em regra, os policiais não podem ausentar-se dos postos, por falta de meios, “engessando” o sistema de segurança pública. Percebe-se a ausência de envolvimento de outras instituições pública nos debates sobre o tema e a sociedade civil ainda é tímida em sua atuação na implementação de ações planejadas a partir dos problemas identificados como prioritários para a diminuição dos índices de violência e delinqüência em um território. As ações, tímidas, englobando iniciativas nas áreas de educação, saúde, lazer, esporte, cultura, cidadania, dentre outras, são resultados de ações individuais de alguns “gestores de postos”, e não da Instituição policial. Para Cardoso, não temos policiamento comunitário no DF, mas policiais comunitários. Sendo assim, ainda estamos distantes da realidade da Segurança Cidadã.

A Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF) permaneceu oito anos sem formar novos policiais, sendo assim, podemos afirmar que dentro da Corporação temos basicamente dois grupos: aqueles formados durante a Ditadura, dentro do paradigma da Segurança Nacional e aqueles formados na redemocratização, dentro do paradigma da Segurança Pública. Verifica-se por parte da instituição policial uma maior preocupação com as ações de policiamento, mais visíveis para a sociedade, do que com a capacitação de seus membros “de linha de frente”, dentro do novo conceito, por isso a mudança torna-se lenta em nosso meio. Há que se ressaltar uma tentativa de capacitação dos “mais antigos” por meio de iniciativas como a possibilidade de cursar o nível superior em Segurança Pública e alguns cursos de atualização dentro da Corporação, mas nota-se que em sua maioria esses cursos ainda estão presos ao passado.
Conclui-se, assim, que apesar da perspectiva da Segurança Cidadã, aliada ao policiamento comunitário, está presente no Brasil de forma conceitual, sua aplicação no DF ainda deixa a desejar. Ainda é necessária uma difusão do conceito e sua absorção pelos agentes de segurança pública, bem como o empoderamento e participação dos cidadãos na gestão local das políticas de segurança cidadã. Não há dúvida, que a difusão é naturalmente lenta, pois esbarra muitas vezes em visões de mundo arraigadas nas instituições policiais. É preciso priorizar os indivíduos antes de suas ações.
REFERÊNCIAS
CARDOSO, Aderivaldo. Policiamento Inteligente: Uma análise dos Postos Comunitários de Segurança Pública no Distrito Federal. Brasília, 2009.
FREIRE, Moema Dutra. Paradigmas de Segurança no Brasil: da Ditadura aos nossos dias. Aurora, ano III, número 5. Dezembro de 2009.
KUHN, Thomas. (2003). A estrutra das revoluções científicas. Beatriz Vianna Boeira e Nelson Boeira (trad.). 3ª edição, São Paulo, Perspectiva.
OLIVEIRA, Eliézer. As Forças Armadas: política e ideologia no Brasil (1964-1969). Petrópolis: Vozes, 1976.
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Artigo Paradigma da Segurança cidadã e o policiamento comunitário