Hoje apresento o quinto e último capítulo da pesquisa realizada no DF, durante aproximadamente um ano. Ele discorre sobre as vantagens e desvantagens dos postos, os obstáculos a serem superados e a visão dos policiais nesse processo.
O auge do trabalho foi pouco discutido devido o prazo de entrega, mas posteriormente entrarei mais a fundo nesse tema. Ele discorre sobre a finalidade do posto.

O POSTO COMUNITÁRIO DE SEGURANÇA (PCS) É UM LUGAR DE REFERÊNCIA OU PERMANÊNCIA?

Para o policial, se é um local de permanência, como ele atua?
Esse policial atende as ocorrências próximas ao posto?

São pontos essenciais para o sucesso do projeto…

CAPÍTULO V
Policiamento Comunitário e os Postos Comunitários de Segurança

Nesse estudo é importante salientar novamente as quatro normas básicas, que poderíamos denominar “alicerce” do policiamento comunitário. Refletindo um pouco mais sobre elas, observa-se que todos os departamentos de polícia, em outros países, onde esse tipo de policiamento foi levado a sério, eles agiram ao invés de apenas falar sobre policiamento comunitário, todas as regras foram seguidas.
Nesse sentido substancial, o policiamento comunitário está bastante vivo ao redor do mundo e parece que vem crescendo rapidamente. Ao examinar a experiência em quatro continentes, encontramos quatro áreas de mudança pragmática no policiamento, que tiveram lugar, consistentemente, sob a bandeira do policiamento comunitário. Em outras palavras, quando os departamentos de polícia agem – ao invés de apenas falar sobre o policiamento comunitário -, tendem a seguir quatro normas: 1. Organizar a prevenção do crime tendo como base a comunidade; 2. Reorientar as atividades de patrulhamento para enfatizar os serviços não-emergenciais; 3. Aumentar a responsabilização das comunidades locais; 4. Descentralizar o comando. (Bayley e Skolnick, 2006:19)

1) Prevenção do crime com base na comunidade

No Distrito Federal, observa-se uma tentativa voltada para esse fim. Os conselhos comunitários de segurança são encontrados na maioria das cidades, sendo uns mais ativos e outros nem tanto. Nesse sentido optamos pela definição abaixo:
É o exercício de uma atividade comunitária, por meio da parceria do governo e da comunidade na identificação, planejamento e avaliação de problemas de segurança pública. Constitui o canal privilegiado para o direcionamento das ações de segurança pública através da mobilização da comunidade, tendo sua participação vista como um exercício de cidadania, na busca de uma vida melhor para todos. (GOUVEIA, BRITO e NASCIMENTO, 2005:31)

Ao analisar reuniões do conselho comunitário na cidade do Riacho Fundo observa-se uma grande reclamação dos moradores em relação ao atendimento do número de emergência da polícia (190). Somam-se ainda reclamações voltadas para os becos escuros da cidade, uso de drogas por parte de jovens e crimes voltados para o patrimônio do tipo furto, roubo e “seqüestro relâmpago”.
As respostas das autoridades policiais seguem um padrão, onde se justificam por meio de “estatísticas” oriundas das polícias. É importante ressaltar que os dados da polícia militar nunca estão em consonância com os da polícia civil, pois muitas das ocorrências da primeira não chegam à delegacia da área ou nas especializadas.
É interessante frisar que três meses após a reunião do conselho de esportes, em conjunto com o conselho comunitário de segurança da cidade algumas mudanças foram colocadas em prática pelo Administrador da cidade. As quadras poliesportivas e a parte central da cidade foram iluminadas. E atualmente toda área que margeia a BR 060, sentido Samambaia para o Núcleo Bandeirante, próxima às passarelas já estão sendo iluminados. Nesses locais ocorriam vários roubos e tentativas de estupro. Com a iluminação a comunidade está se sentindo mais segura, dando a entender que segurança pública não é somente uma questão de polícia.
Durante a pesquisa de campo surgiu uma dúvida ao ouvir os relatos dos policiais. A maioria nunca teve contato com os conselheiros comunitários, chegando ao ponto de muitos nem sequer conhecer o trabalho do conselho existente na cidade. O contato entre os conselheiros deve se restringir somente aos comandantes? Na fala dos entrevistados, percebe-se a necessidade de maior interação com os policiais da base.

“O major falou da existência do conselho, mas nunca vi. Nunca tive contato. Seria importante a visita dos conselheiros de segurança nos postos pra eles verem um pouco da nossa realidade”. (Praça, Riacho Fundo I).

Os policiais reconhecem a necessidade de um referencial na cidade para os assuntos de segurança pública, mas alertam para os problemas gerados no decorrer dessa relação.
“O policiamento comunitário traz benesses, mas também muito malefício. Quando se tem um contato muito próximo com o cidadão fica difícil de fazer cumprir a lei, um exemplo pode ser o trânsito”. (Praça, Núcleo Bandeirante).

É impressionante como a maioria afirma que ocorre interferência externa no comando das unidades. O que aparentemente seria bom, pois reflete uma interação entre os comandantes e a comunidade, mas não é o que se percebe quando os policiais que atuam nos postos comunitários foram ouvidos. A alegação mais comum é a de algumas lideranças falam em nome da comunidade, “manipulando” o comando, principalmente no que se refere ao local onde os postos serão instalados. Para os executores do serviço, eles vêem o projeto como algo meramente eleitoreiro, onde somente alguns “aparecem” e preferem não fazer parte desse “teatro”.
Além das reclamações constantes sobre as interferências observa-se um distanciamento entre o comando e os comandados na maioria das unidades observadas, principalmente os policiais que atuam na linha de frente, no policiamento de rua. Percebe-se também que há um desconhecimento do comando sobre a realidade de suas áreas e a adoção das mesmas ações e práticas em locais e populações distintamente diferenciais, o que exigiria estudo e ação pontuada, de acordo com cada necessidade.
Nesse sentido, de um cobrar e outro justificar por meio de estatísticas, podemos afirmar que até o presente momento não ocorre no âmbito do Distrito Federal uma participação popular, efetiva, no combate a criminalidade e nem tampouco a prevenção do crime com base na ajuda da comunidade, mas pode-se notar uma tentativa tímida de interação entre os órgãos governamentais para solução dar uma resposta a comunidade.

1) Reorientação das atividades de patrulhamento para realizar os serviços não-emergenciais

Esse ponto tem ganhado importância, pois nos últimos vinte anos têm ocorrido verdadeiras oscilações na tentativa de atingir esse objetivo. Nesse período, já existiram rondas em veículos com capacidade para transportar dez policiais, que por problemas de ordem administrativa, foram transferidos para o policiamento a pé e para postos policiais. Posteriormente, nos últimos dez anos, após um projeto local que se baseou na reestruturação da polícia em Nova York, intitulado Tolerância Zero. Os policiais dos postos e do policiamento a pé foram transferidos para viaturas “modernas”, o que diminuiria o tempo de resposta após o crime, dando maior sensação de segurança as vítimas, retornarmos do modelo pró-ativo para reativo.
O projeto de postos policiais não é novo no Distrito Federal e nem no Brasil. Podemos encontrar esse tipo de ação em São Paulo, João Pessoa, Rio Grande do Norte, Curitiba e em vários outros estados.
A diferença entre o projeto atual e o antigo é que no anterior havia uma maior participação da comunidade, pois eram os moradores, normalmente comerciantes, que doavam os postos, motos e bicicletas para o policiamento comunitário e dessa vez os postos são “comprados e cedidos” pelo Governo do Distrito Federal.
Em tese, o modelo aplicado no DF segue o modelo dos Kobans Japoneses, pois são:
Constituídos por uma sala de recepção com um balcão ou uma mesa, telefone, rádio e mapas na parede; uma sala de descanso para o pessoal que trabalha, geralmente com uma televisão, uma pequena cozinha ou mesmo um fogão e um refrigerador. Uma sala de entrevista; uma despensa; um banheiro. (Bayley & Skolnick, 2006:25)

Em conversa com policiais que eram da rua e foram reorientados para os postos observa-se em alguns a revolta e em outros, alívio por estarem em um lugar “mais tranqüilo” e que “não dá tanta dor de cabeça”.
“Fui voluntário para o posto porque a rua tá complicada queria um lugar tranqüilo pra trabalhar antes de ir embora”. (Praça, Riacho Fundo).

Outro ponto que merece atenção são as constantes reclamações de falta de apoio e compreensão por parte dos superiores hierárquicos, além da baixa motivação para atuar no serviço de rua.
“Pedi para trabalhar no posto, por falta de apoio na rua, falta de policiais e falta de compreensão por parte do comando. O posto é mais tranqüilo, comparado a viatura, cansei da violência dos meus companheiros na rua”. (Praça, Riacho Fundo II).

Os trezentos postos para funcionarem, conforme o que está pré-estabelecido, com um efetivo de 16 policiais, uma viatura e motos, necessitariam realocar aproximadamente 4.800 (quatro mil e oitocentos) policiais, o que esbarra na falta de efetivo. Isso dificulta exigir um perfil específico para o policial que trabalha no posto, o que às vezes traz insatisfação para alguns, pois são escolhidos com base na antiguidade e não por suas “habilidades” para o serviço. Além disso, não está havendo uma transição, mas simplesmente uma determinação para a execução do projeto.
Durante todo o trabalho de campo foram realizadas visitas nos postos do Riacho Fundo, Taguatinga, Asa Norte, Lago Sul, Núcleo Bandeirante e Asa Sul. Nesses postos, foi verificado o seguinte:
1) Não havia viaturas;
2) Poucos possuíam rádios e quando possuíam alguns não funcionavam direito;
3) Poucos possuíam telefone;
4) Não havia nenhum ponto de acesso a internet;
5) Nenhum possuía computadores, somente particulares;
6) Nenhum possuía água para consumo dos policiais;
7) Um posto que chamou a atenção, devido a localização, encontra-se no Lago Sul, em frente ao Shopping Gilberto Salomão, onde não havia viatura, telefone, água ou computador. Encontramos apenas um rádio e dois policiais. Merecendo a ressalva, que somente passaram a utilizar dois policiais após o incêndio provocado por vândalos ocorrido na Quadra 38 do Guará, até então ficava no posto apenas um soldado.

“O posto de policiamento comunitário foi instalado na QE 38 no dia 19 de fevereiro e, na mesma madrugada, queimado. A polícia acredita que o incêndio tenha tido relação com prisões de traficantes, mas a perícia, que ficaria pronta em 15 dias, ainda não saiu. O fogo começou às 5h, se espalhou rapidamente e deixou o posto destruído. Os bombeiros levaram 30 minutos para apagar o incêndio”. (DF TV, 2009)

Alguns postos instalados em áreas consideradas “perigosas” foram alvos de ameaças, fato pouco divulgado no meio da tropa para não deixá-la preocupada.
As ameaças e o medo de depredações criam no policial um sentimento de “auto-preservação”, fazendo-o proteger mais a si e ao posto do que ao cidadão. Nesse caso, permanecer no posto torna-se a forma mais segura para isso.
É importante salientar que foi proibido o uso de televisores nos postos para não “distrair” os policiais, o que reforçaria a hipótese dele ser mais um local de referência do que de permanência, o que se torna confuso após a edição da Portaria 651, que aplica aos policiais que atuam nos postos a escala 24×72 horas, nessa escala o policial “permanece” de sete horas da manhã de um dia até as sete horas do outro dia.
Ao ouvir as várias reclamações dos policiais que atuam nos postos, aparentemente, poderia nos parecer reclamações de quem foi retirado das viaturas para atuar nos postos, mas analisando as condições dos postos percebe-se que é bem mais do que isso. É quase um pedido de socorro daqueles que não podem se levantar contra um projeto de governo.
As reclamações estão ocorrendo em todos os postos. A falta de segurança e de condições para se trabalhar é evidente, mas também é clara a reorientação das atividades de policiamento. A polícia saiu das viaturas e entrou definitivamente nos postos.

2) Aumentar a responsabilização das comunidades locais

O que seria esse aumento de responsabilização? Para Bayley e Skolnick (2006) o policiamento comunitário não deve se limitar apenas a ouvir a comunidade com simpatia. Ele deve criar novas oportunidades para esse contato, o que pode gerar fortes críticas parte da comunidade, fato que faz com que as polícias fiquem “temerosas de abrir as comportas da crítica injusta”.
É um desafio quebrar o paradigma de que os profissionais de segurança pública sabem mais que os outros, principalmente no que deve ser feito para proteger a comunidade e proteger a sociedade. O policial e as instituições policiais devem estar preparados para ouvir o que a população tem a dizer, mesmo que isso não seja algo agradável de ouvir. Em resumo:

O policiamento comunitário adota o aumento da participação civil no policiamento. A reciprocidade na comunicação não só é aceita como também encorajada. Sob o policiamento comunitário, o público pode falar sobre prioridades estratégicas, enfoque táticos, e mesmo sobre o comportamento dos policiais enquanto indivíduos, e também ser informado sobre tudo isso. (Bayley & Skolnick, 2005:32)

Sobre a responsabilização, não poderíamos deixar de retornar ao fato citado no primeiro tópico onde relatamos a atuação dos conselhos comunitários de segurança. Observa-se uma necessidade de maior clareza por parte das instituições policiais, desde seu efetivo e viaturas disponíveis até o resultado das operações realizadas, semelhante a um balancete elaborado por uma empresa a cada mês.

3) Descentralização do Comando

Este, sem dúvida, parece ser um dos pontos mais difíceis de serem atingidos em nosso modelo de polícia. Na estrutura militarizada, focada na unidade de comando torna-se difícil falar em descentralização de poder.
Uma das grandes vantagens do policiamento comunitário observadas nesse trabalho é a ocupação geográfica por meio dos postos. É o Estado se fazendo presente onde anteriormente os criminosos ”ditavam as regras”. Para o policiamento comunitário quanto menor a área de atuação, melhor. Atualmente os PCS são distribuídos por áreas, normalmente três ou quatro quadras, comandadas por um gestor, sargento, quem tem como superior um Tenente que comanda outros postos.

O policiamento comunitário utiliza-se da descentralização para ganhar flexibilidade necessária para dar forma às estratégias policiais em certas áreas. A reestruturação dos limites do comando, que constantemente acontecem no policiamento mundial, pode ou não envolver a devolução da autoridade aos comandantes locais. Esse elemento crítico depende da escala de comando, assim como do comprometimento dos administradores policiais superiores. A descentralização do comando é mais do que um exercício de demarcação no mapa. (Bayley & Skolnick, 2005: 33)

Durante a realização da pesquisa de campo, observa-se uma grande insatisfação por parte dos tenentes que não possuem “nenhum poder de decisão” para atuar em suas áreas. Cada área possui características próprias, necessitando de cuidado diferenciado na hora de executar o planejamento, mas muitos reclamam que os comandantes de área prendem-se somente às ordens do comando geral não aceitando “inovações”.
A postura de engessamento por parte dos comandantes de área gera insatisfação por parte dos tenentes que são repassadas aos gestores (sargentos), chegando aos cabos e soldados que são os homens de linha de frente, ou seja, os que mais sofrem as cobranças por parte da comunidade e que se sentem impotentes diante das diversas situações em seu dia a dia. Todos esses problemas podem inviabilizar o entendimento do que seja verdadeiramente a filosofia do policiamento comunitário, o que irá comprometer o projeto.

5.1. Os postos comunitários e a visão dos policiais que atuam na base

Durante as entrevistas realizadas com diversos policiais que atuam em postos no Riacho Fundo I, Riacho Fundo II, Candangolândia, Lago Sul, Asa Norte e Taguatinga alguns pontos merecem destaque.

1) Interferência de lideranças no comando das unidades;
2) Distanciamento entre o comando e os policiais na linha de frente no policiamento de rua;
3) Desconhecimento do comando sobre a realidade de suas áreas;
4) Falta de diálogo entre o comando e a comunidade (algumas lideranças falam pela comunidade, manipulando o comando);
5) Falta de equipamentos necessários para a execução do serviço nos postos, pois poucos possuem telefone, computadores e demais meios mínimos para o trabalho diário.
Esses cinco pontos foram os mais latentes, mas discorreremos sobre outros pontos relevantes durante a pesquisa, principalmente sobre estrutura, obstáculos e anseios dos policiais.

1) Local de Permanência ou referência?

Os atuais postos são feitos de material plástico, que pode ser realocado facilmente, caso seja necessário, também é frágil para suportar tiros e facilmente inflamável, prova disso foi o incêndio ocorrido na cidade do Guará. Essa fragilidade faz com que os policiais se sintam desprotegidos, além disso, outro receio constante é o medo de pichações e punições disciplinares em decorrência disso.
Quando se fala sobre a fragilidade dos postos, logo surge a primeira dúvida: o posto é um lugar de permanência ou de referência dentro da comunidade? Essa definição é relevante, pois é ela que irá definir se o policial sairá para atender uma ocorrência próxima ao posto ou não. Muitos deixam de atender as ocorrências em suas proximidades alegando que não podem sair do local, pois responderiam por abandono de posto, crime tipicamente militar.
O interessante, ao ouvir a fala dos policiais, é que se percebe uma clara divergência entre comandantes e comandados, o que reforça o ponto onde discorremos sobre a falta de diálogo entre ambos. Vejamos o que podemos inferir diante dessas declarações.
“O PCS é uma base comunitária para apoio. O policial comunitário deve estar junto à comunidade. O posto é um local de referência e não um local de permanência. O afastamento do policial para o atendimento de ocorrências é antes de tudo uma atividade que deve ser exercida pelo profissional de segurança pública”. (Oficial, Asa Sul).

É importante salientar que o oficial acima é especialista em policiamento comunitário, conhece a filosofia, o que ainda é minoria na corporação, pois muitos oficiais também não possuem a noção entre a necessidade de se diferenciar a permanência da referência. Contrapondo-se a essa fala temos o pensamento de um praça que reflete o pensamento da grande maioria entrevistada.
“O trabalho para mim é de permanência, minha função aqui é somente atendimento de telefone e contato com o CIADE, qualquer um pode fazer. O ideal seria terceirizar esse serviço contratando vigilantes ou reformados da polícia. O trabalho é cômodo pra mim, mas se olhar a efetividade e eficiência está deixando a desejar”. (Praça, Riacho Fundo I)

Ao serem indagados se atenderiam ocorrências próximas aos postos as opiniões se dividem, principalmente entre aqueles oriundos das viaturas e aqueles que já atuavam nos postos ou nas guardas dos quartéis.
“A prioridade pra mim é a preservação do posto ao invés do cidadão, aqui é só uma vitrine para o Governador. Eu me preocupo em voltar pra casa sem alteração. Todo dia olho em volta do posto pra vê se não picharam”. (Praça, Candangolândia)

“Sim eu atendo, mas somente aquelas bem próximas, de onde eu possa ver o posto, caso contrário peço uma viatura. Normalmente quando preciso sair lanço no livro e informo a CIADE via rádio ou telefone, pra evitar problemas com o FOX depois”. (Praça, Riacho Fundo II)

“Dependendo da distância a gente fecha o posto e vai atender, tem que ter coerência!” (Praças, Riacho Fundo I)

Normalmente, os policiais que responderam não atender as ocorrências nas proximidades dos postos, afirmaram haver uma orientação do comando para que não se afastassem dos postos. Mas, quando questionados sobre o documento que gerou tal orientação, nenhum soube responder.
“Existe uma recomendação do comando para que os policiais não deixem o posto sozinho, a orientação é para utilizarmos o rádio ou ligar 190”. (Praças, Riacho Fundo).

Diante do dilema se é um ponto de referência ou permanência seria importante uma normatização ou uma cartilha que orientasse os policiais e a comunidade nas proximidades sobre a função dos postos e dos policiais que atuam nessas áreas. É importante ressaltar que será difícil para um policial quebrar o paradigma do “abandono de posto”, quando esse passa a trabalhar vinte quatro horas em um recinto onde ele deve “permanecer”.

2) A filosofia de policiamento comunitário

A filosofia de Polícia Comunitária é muito eficiente em comunidades organizadas e cooperativas. No entanto, o que encontramos em nossas comunidades são pessoas que não são solidárias quando o assunto é segurança pública, têm pouca ou nenhuma preocupação com o que acontece em sua comunidade, e não assumem a responsabilidade para a resolução de problemas de segurança pública no seio das comunidades.

“A comunidade é conivente, não participa, porque na maioria das vezes têm parentes ou amigos envolvidos”. (Praça, Lago Sul).

Por outro lado, o policial que trabalha nos PCS´s, não tem motivação para atuar de forma pró-ativa junto à comunidade. As políticas públicas adotadas para implementação do programa de segurança não tem se preocupado com um aspecto fundamental para a resolução dos problemas de segurança pública – o uso do método. Quando se fala de resultados em Polícia Comunitária o que se pretende é aumentar a qualidade de vida da comunidade onde os policiais estão vinculados enquanto policiais comunitários.
Deve-se envolver a comunidade nesse processo, chamá-la a participar das reuniões de planejamento, de definição das metas e de implementação das ações, mas isso passa pela reestruturação do modelo de polícia atual. As polícias estão preparadas para essa mudança? Deve-se apresentar a comunidade o método. Aquele utilizado na Polícia Comunitária para resolução de problemas. Esse método é conhecido como SARA (inglês)/ IARA – iniciais de IDENTIFICAR, ANALISAR, RESPONDER e AVALIAR – que é um ciclo de gestão voltado para a resolução de problemas da área de segurança pública. Esse método quando utilizado em sua plenitude busca focar as causas dos problemas e não os seus efeitos, o que a polícia insiste em continuar fazendo, buscando soluções paliativas para velhos problemas.
Sendo assim, a aproximação da polícia com a comunidade é o primeiro passo. Esse é o desafio, pois nossa história sempre os colocou em lados opostos, sempre em posição de confronto, basicamente como inimigos. A disseminação dos princípios da polícia comunitária é um avanço necessário para que exista a aplicação deles. Mas para que isso ocorra é necessário que exista uma constância de propósitos por parte do Governo, das instituições e de cada profissional de segurança pública para que se possam enraizar estes princípios em uma base sólida para que não se percam nas primeiras dificuldades.
A polícia comunitária exige mudanças, dentre elas, a descentralização. Sair de uma estrutura centralizada, fundada em grandes batalhões, para uma estrutura descentralizada, onde a polícia está próxima da comunidade. Outra mudança necessária é o papel do profissional de segurança pública. Ele deixa de ser o “lixeiro” da comunidade e assume o papel de ombudsman (ouvidor), aquele que será procurado pela comunidade para buscar soluções para os mais diversos problemas, seja um crime, desordem, ou mesmo medo do crime. Mas para que isso ocorra cada um deve assumir o seu papel e cumprir com suas responsabilidades, dando corpo ao preceito constitucional – “Segurança é dever do Estado e responsabilidade de todos”.
A Polícia Comunitária traz para o policial comunitário o empowerment – que possibilita ao profissional de segurança pública ter autonomia para tomar algumas decisões. É neste sentido que há descentralização do poder e a possibilidade de resolver problemas comunitários ou encaminhá-los segundo a sua demanda ainda que não sejam problemas relacionados à segurança pública.
Infelizmente o que se observa nessa pesquisa é que o policial da base, em sua maioria, não interage com a comunidade próxima ao posto. Percebe-se um desconhecimento da área de cobertura do posto, acreditando que sua área de atuação limita-se apenas ao espaço em que sua visão alcança. Poucos conhecem a filosofia do policiamento comunitário e nenhum se mostrou interessado em colocá-la em prática, sempre sustentando a argumentação de que o projeto é meramente eleitoreiro e que as pessoas envolvidas querem apenas aparecer.
Os policiais compreendem que não prestam um bom serviço e que estão limitados, permanecendo somente dentro dos postos, mas alegam falta de segurança e de efetivo para realizarem um bom trabalho.

“Uma mulher tacou pedra no posto porque eu disse que não poderia sair do posto. A comunidade quer vê sua expectativa atendida, se isso não ocorre, ela se revolta”. (Praça, Riacho Fundo II)

3) Perfil do policial comunitário

Percebe-se nesse estudo que existe uma necessidade manifesta de um perfil específico para o policial comunitário, pois no mínimo ele necessita de uma desenvoltura para lidar com o público a sua volta. Podemos ir além afirmando que é necessário que o policial comunitário tenha como um dos seus atributos o carisma, pois ele precisa contagiar aqueles que estão a sua volta. Esse perfil pode ser semelhante aos dos profissionais que atuam no Programa Educacional de Resistência às Drogas (PROERD).
“Não existe na polícia militar um perfil profissiográfico para o policial comunitário. Este perfil deve ser o mesmo do policial militar até porque todas as outras estratégias de policiamento adotadas até os últimos sessenta anos estão contidas na filosofia comunitária.” (Oficial, Asa Sul).

Aparentemente, existe um esforço ainda tímido por parte da Secretaria de Segurança do Distrito Federal para capacitar os policiais que atuarão ou que atuam nos postos. Os cursos realizados por meio da Secretaria de Segurança Pública têm por objetivo capacitar os agentes de segurança, orientados pela filosofia e estratégia organizacional de segurança comunitária. Os pontos mais específicos desse objetivo são:

• Utilizar práticas voltadas para identificar e resolver os problemas da comunidade, minimizando as suas causas, para evitar que se transformem em um problema de segurança pública;
• Aplicar a filosofia de segurança comunitária nas atividades de segurança pública, reconhecendo a importância da proteção à dignidade humana e aos princípios de cidadania e da participação da comunidade nas questões de segurança pública;
• Capacitar o Agente de Segurança Pública para atuar como gestor de Posto Comunitário de Segurança.
• Identificar os aspectos locais para viabilizar o processo de mobilização social;
• Desenvolver habilidades necessárias para facilitar o relacionamento entre os profissionais de segurança pública e a comunidade.

Sendo assim, é necessário que a SSP disponibilize mais cursos nessa área, pois poucos policiais possuem conhecimento sobre a filosofia de policiamento comunitário. Nos postos visitados é notório que somente os oficiais e gestores (sargentos e alguns cabos) possuíam cursos na área. É de suma importância que cabos e soldados conheçam a filosofia comunitária e aplique-a durante seu dia a dia.
“Você é um policial comunitário não só no seu local de trabalho, mas também na sua comunidade. Aprendi isso no Curso que fiz.” (Praça, Lago Sul)

Além disso, é importante que seja traçado um perfil do policial comunitário e que os agentes de segurança pública possam se adequar a ele. A fala do policial acima demonstra que um curso pode transformar quem o faz em um multiplicador da filosofia de policiamento comunitário, fazendo com que outros policiais se interessem por ela e se adequem às suas necessidades.

5.2. Possíveis obstáculos nos PCS´s

O policiamento comunitário é sem dúvida a alternativa mais viável dentro da democracia, pois ele representa uma aproximação entre a população e aqueles que prestam o serviço.
Algumas questões são inevitáveis dentro desse tipo de policiamento, mas com o devido controle ele é uma boa alternativa para os problemas de segurança. É importante frisar que policiamento comunitário não se restringe aos PCS, pois ele é uma das ações para aproximar o policial da comunidade.
O contato entre os agentes de segurança pública e comerciantes não significa “promiscuidade” como freqüentemente foi relatado pelos policiais em suas entrevistas. Para Bayley & Skolnick:

Não há nenhuma evidência de que isso tenha ocorrido nos lugares onde o policiamento comunitário tem sido implantado. Pode-se argumentar, no entanto que – pelo fato de o policiamento comunitário colocar a polícia mais perto das pessoas e ao mesmo tempo descentralizar o policiamento – isso significaria menos controle sobre as atividades diárias dos policiais do policiamento comunitário, o que daria origem às oportunidades para a corrupção. Além disso, como a corrupção é uma atividade essencialmente escondida, se realmente houver, seguramente não vai ser revelada. (2006:104)

Mas para que isso não ocorra é necessário escolher bem aqueles que irão trabalhar mais próximos a comunidade, nesse sentido, voltamos a ressaltar a necessidade de um perfil para se atuar nos PCS.
O policiamento comunitário, ao contrário, tem sido iniciado pelos executivos das forças policiais que ostentam a reputação de serem os profissionais melhores, mais inteligentes e progressistas existentes na administração policial. Eles são conhecidos pelo público como pessoas que não tolerariam corrupção e que, se possível, erradicariam a corrupção de seus departamentos. Eles são caracterizados como adeptos a um clima oposto àquele no qual a corrupção prospera. A partir dessa perspectiva, há pouca ou nenhuma relação entre o policiamento comunitário e a corrupção. (Bayley & Skolnick, 2006:106)

Felizmente a corrupção não é o maior obstáculo dentro do policiamento comunitário e nos PCS. Outros pontos que já foram abordados anteriormente merecem atenção, pois alguns deles estão inseridos nos motivos que desmotivaram os policiais no passado, assim que se iniciou a primeira tentativa de se implantar o policiamento comunitário no Distrito Federal nos anos noventa.
Os pontos mais importantes dessa análise são os possíveis obstáculos na relação entre a polícia e a comunidade. São eles:

1) Interferência das lideranças no comando das unidades (troca de favores);
2) Distanciamento entre o Comando e os policiais na linha de frente no policiamento Comunitário;
3) Desconhecimento do comando sobre a realidade de suas áreas, pois se prendem somente as estatísticas de atendimentos realizados pela PM ou dados da polícia civil.
4) Falta de diálogo entre o comando e a comunidade, ressalvando ainda que algumas “lideranças” falam em nome da comunidade, manipulando o comando, principalmente no que se refere aos locais onde ficarão os postos.

Outro ponto que merece atenção é estrutura atual dos postos. A sua fragilidade coloca em risco a segurança dos policiais? Os equipamentos existentes neles atendem as necessidades?
Nesse estudo, percebe-se uma preocupação excessiva dos policiais com sua própria segurança, nota-se a existência de ameaças que reforçam essa preocupação. Esse fato dificulta a saída do policial para o atendimento de ocorrências. Os obstáculos e problemas encontrados na estrutura dos postos são:
1) Falta de viaturas disponíveis para os postos;
2) Falta de rádios ou mau funcionamento;
3) Falta de telefone;
4) Falta de pontos de acesso a internet;
5) Falta de computadores;
6) Falta de água para consumo dos policiais;
7) Falta de material de limpeza.
8) Falta de segurança nos postos – eles são frágeis, inflamáveis e não oferecem segurança ao policial – alguns já foram alvos de disparos;

É muito comum ouvir dos policiais as expressões: “promiscuidade” e “pedintes” como algo diretamente ligado ao policiamento comunitário. Há que se quebrar esse paradigma, por meio de cursos e aplicando a verdadeira filosofia desse tipo de policiamento.
“Alguns gestores alegam que estão se tornando “pedintes” e que isso está gerando uma “promiscuidade” com a comunidade. Eles dizem que é “uma furada” esse negócio de cadastrar comerciante.” (Praça, Riacho Fundo I)

A “promiscuidade” se refere aos “presentes” e “agrados” que os comerciantes oferecem aos policiais para terem agilidade no atendimento das ocorrências. Ao invés de ligar para o serviço de emergência da PM o comerciante liga diretamente para o policial que aciona seus colegas.
É notória a tentativa dos agentes em se manter afastados do “jogo político” que está sendo o projeto. Percebe-se várias reclamações de que os moradores e comandantes buscam apenas uma promoção política.
É inevitável, no policiamento comunitário, que os moradores mais atuantes dentro de suas comunidades e os comandantes mais presentes em suas áreas não apareçam, pois esse é o objetivo dele. Se todos participassem efetivamente do policiamento não daria margem para que somente alguns sobressaíssem.
Tais preocupações assumem que os serviços policiais serão tão apreciados pelo público, que as forças policiais vão se tornar politicamente, às claras, poderosas, porque estarão proporcionando os serviços que a maior parte das pessoas deseja e prefere. Na medida em que, entretanto, as forças policiais correspondem às preocupações do público, pode-se concluir que dificilmente haverá inconsistência entre o policiamento comunitário e a teoria democrática. (Bayley & Skolnick, 2006:111)

O último obstáculo a ser discutido é a “síndrome da inutilidade”. Os policiais acostumados com o serviço operacional em viaturas se sentem deslocados nos postos, pois não “prendem” mais ninguém. Alegam que se tornaram “simplesmente vigias de posto”, pois estão impossibilitados de realizar qualquer tipo de atendimento em suas proximidades.

O policiamento comunitário faz com que o público se torne um grupo de interesse para a polícia. Uma característica-chave do policiamento comunitário é o remanejamento do pessoal da polícia, de modo a encorajar uma interação regular, rotineira com o público e não apenas emergencial. Isso é realizado através de rondas a pé, patrulhas estacionárias móveis [park-and,walk patrols], e postos policiais fixos. Através desses expedientes, a presença dos policiais se torna mais visível, menos anônima. Os policiais passam a ficar mais próximos da comunidade, de tal modo que podem prever, e provavelmente prevenir, o aparecimento de crime e de problemas de ordem pública. (Bayley & Skolnick, 2006: 110)

Para evitar esse sentimento de inutilidade é necessária uma conscientização do papel que o policial comunitário exerce e sua importância, o que poderia ser feito por meio de uma cartilha educativa que sirva tanto para o policial como para a comunidade.

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CARDOSO, Aderivaldo Martins. Policiamento Comunitário no Distrito Federal: Uma análise dos Postos Comunitários de Segurança / Aderivaldo Martins Cardoso – Brasília, 2009.
67 fl: il.

Trabalho de Conclusão de Curso – (Monografia – Especialização) – Universidade de Brasília, Departamento de Sociologia, 2009.
Orientador: Prof. Dr. Dijaci Oliveiraman