Em depoimento à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Pandemia do Senado nesta quarta-feira (1º), o motoboy Ivanildo Gonçalves da Silva, funcionário da empresa de logística VTCLog, disse que chegou a sacar mais de R$ 400 mil na “boca do caixa”, em uma das retiradas de dinheiro.

As ordens para que fizesse saques, segundo ele, eram dadas sempre por uma funcionária, do setor financeiro da VTCLog, identificada pelo depoente como Zenaide. “O financeiro da empresa [Zenaide] me passava os cheques para fazer os saques e aí eu executava”, disse.

Aos senadores, o motoboy relatou que “quase todo dia” sacava dinheiro e pagava boletos, mas que ultimamente “quase não estava tendo” essas faturas para pagar. “Era boleto de combustível que eu me lembro em mente e, ao mesmo tempo, tinha fatura de cartão de pessoal da família [donos da empresa] que eu pagava. Esse era o meu papel”, acrescentou. Ivanildo negou ter entregue dinheiro vivo na mão de outras pessoas ou ter feito transferências entre contas. Ele acrescentou que as “sobras” de dinheiro dos saques eram entregues a Zenaide.

Considerado uma testemunha importante, Ivanildo despertou interesse da comissão após o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) identificar uma movimentação atípica da VTCLog no valor de R$ 117 milhões, nos últimos dois anos. Desse total, o motoboy foi responsável por movimentar R$ 4,7 milhões.

Diante da declaração de Ivanildo hoje, senadores estranharam o volume de dinheiro sacado. “A empresa [geralmente] liga para o gerente do banco e manda dizer que vai sacar valor tal no dia tal. Tem que ser 24 horas, 48 horas antes. O valor de R$ 430 mil não é entregue na frente de todo mundo. É entregue numa sala para que, quem queira assaltar, não veja o senhor pegando esse dinheiro todo”, observou o presidente do colegiado, o senador Omar Aziz (PSD-AM).

Outra informação trazida pelo motoboy aos senadores é a de que ele esteve várias vezes no Ministério da Saúde. “Quando eu prestava serviço de entregar fatura, eu andava constantemente no Ministério da Saúde”, disse Ivanildo. “Eu não conhecia ninguém. Eu ia a salas para entregar faturas, de setores em setores”, afirmou. A VCTLog presta serviço para o Ministério da Saúde.

O motoboy disse ainda que certa vez também esteve no ministério para entregar um pendrive, no quarto andar. Segundo a CPI, é nesse piso que funciona o Departamento de Logística da pasta. “Eu lembro que eu entreguei para uma senhora, uma moça lá”, disse sem detalhar a data.

A CPI investiga se Roberto Ferreira Dias, que até junho deste ano era ex-diretor de Logística do ministério, teria recebido algum tipo de vantagem indevida. Dias, que nega as acusações, virou alvo da comissão depois que foi acusado de ter pedido propina de US$ 1 por dose de vacina contra a covid-19. Por causa disso, o relator do colegiado, senador Renan Calheiros (MDB-AL), perguntou se o motoboy pagou boletos de Dias. “Eu não estou lembrado de ter pagado boleto nenhum dele”, declarou Ivanildo Gonçalves. “Nunca ouvi falar e nunca estive com ele”, acrescentou.

Apesar da negativa, a CPI obteve imagens do circuito interno de uma agência do banco Bradesco, em Brasília, onde o motoboy aparece nos mesmos dias e horários que teriam sido pagos boletos em favor de Roberto Dias.

FIB Bank

O depoimento de Ivanildo de hoje substituiu o de Marcos Tolentino, acusado de ser sócio oculto da FIB Bank. Apesar de não constar do Banco Central como uma instituição financeira, a empresa foi garantidora do contrato firmado entre a Precisa Medicamentos e o governo federal na compra da vacina indiana Covaxin, cancelado depois de entrar na mira da CPI.

Tolentino justificou a ausência por estar internado no Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo, devido a um “mal-estar”. Segundo o relator da comissão, senador Renan Calheiros (MDB-AL), sem o depoimento de Tolentino, o relatório final dos trabalhos, com entrega previsto para o fim de setembro, não será divulgado.

Amparado por um habeas corpus concedido pelo ministro Nunes Marques, do Supremo Tribunal Federal (STF), Ivanildo não prestou o compromisso de dizer a verdade e se recusou a entregar seu celular à CPI para checagem de informações durante o depoimento.

Investigados

Logo no início da reunião de hoje, o relator do colegiado informou que decidiu incluir mais nove nomes à lista de investigados pelo colegiado. Entre eles estão o ministro da Previdência e Trabalho, Onyx Lorenzoni (DEM-RS), e o deputado Osmar Terra (MDB-RS).

Na prática, nessa condição, o colegiado passa a tratá-los como suspeitos: Cristiano Carvalho, que se apresenta como representante de vendas no Brasil da empresa americana Davati; Emanuella Medrades, diretora da Precisa Medicamentos; tenente-coronel Hélcio Bruno de Almeida, que teria intermediado encontro entre o secretário-executivo do Ministério da Saúde, coronel Elcio Franco, e negociantes de vacinas; Luciano Hang, empresário e acusado de pertencer ao chamado “gabinete paralelo” que teria aconselhado o presidente Jair Bolsonaro sobre a pandemia; Luiz Paulo Dominghetti Pereira, cabo da Polícia Militar que negociou a venda de 400 milhões de doses da vacina AstraZeneca, dizendo representar a empresa americana Davati; coronel Marcelo Bento Pires, ex-assessor do Ministério da Saúde acusado de pressionar pela compra da vacina indiana Covaxin; Regina Célia Silva Oliveira, servidora do Ministério da Saúde citada como responsável por fiscalizar a importação da Covaxin; Onyx Lorenzoni, atual ministro da Cidadania; Osmar Terra, deputado federal (MDB-RS), que também seria integrante do “gabinete paralelo”.