Apesar da inédita autorização para a lavratura de Termos Circunstanciados — documento com a descrição de ocorrências —, o alto escalão da Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF) não está inteiramente satisfeito. O descontentamento deve-se ao fato de a corporação ainda não deter o poder necessário para encaminhar as informações coletadas em casos de infrações de menor potencial diretamente ao Ministério Público do DF e Territórios (MPDFT) ou à Justiça local — os dados ainda têm de passar pelo crivo da Polícia Civil. Para reverter a situação, o comandante-geral da PMDF, Coronel Marcos Antônio Nunes, pediu um encontro com a presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Laurita Vaz. Até o fechamento desta edição, a data da audiência não estava marcada.
Os termos circunstanciados elencam, além de detalhes da ocorrência, a tipificação formal da infração, os itens qualificadores, entre outros pontos. A ampla discussão da prerrogativa da corporação em emitir o documento chegou ao MPDFT em 2015. À época, a PM provocou a Assessoria de Política Institucional do Ministério Público para conseguir a atribuição.
O desejo da Polícia Militar era de que o corregedor da Justiça do DF e dos Territórios, desembargador Cruz Macedo, acatasse integralmente a recomendação da Câmara de Coordenação e Revisão Criminal do MPDFT, publicada em abril de 2016. De acordo com o documento, policiais militares, policiais rodoviários e agentes do Departamento de Trânsito do DF (Detran) deveriam atuar do início ao fim nos casos que não exigem perícia e culminam em, no máximo, dois anos de prisão. É o caso, por exemplo, de infrações como ameaças e direção sem habilitação, causando perigo de dano.
O provimento do magistrado, publicado na última sexta-feira, entretanto, estabelece que os militares emitam os termos circunstanciados, mas remetam as informações à delegacia circunscricional ou especializada. A ideia é que as informações sejam cadastradas e homologadas por uma autoridade civil, por meio de formulário.
Inconstitucionalidade
A discussão sobre o tema não envolve apenas delegados, agentes da Polícia Civil e militares. No Congresso Nacional, duas Propostas de Emenda à Constituição (PECs) com o mesmo fim, conhecidas como Ciclo Completo de Polícia — PEC 51/13 e PEC 431/14 —, tramitam na Câmara e no Senado Federal. Em Florianópolis, por exemplo, o procedimento vigora. Ademais, está nas mãos do colegiado do STF uma ação direta de inconstitucionalidade (Adin) contrária a um dispositivo da lei de Minas Gerais que confere à PM a possibilidade de lavrar o termo circunstanciado.
A polêmica entre as duas corporações em relação à emissão dos termos circunstanciados ocorre há longa data (veja Memória). Em setembro de 2016, militares lavraram o primeiro documento e inflamaram o embate com a Polícia Civil. Em fevereiro deste ano, um agente civil e um policial militar discutiram durante o registro de ocorrência relativa ao roubo de uma moto. Em meio ao clima tenso, os dois quase se agrediram.
Trâmite
Até a última sexta-feira, ao identificar a prática de infrações de menor potencial, os militares conduziam o suspeito até a delegacia de polícia mais próxima, onde agentes civis lavravam o Termo Circunstanciado. Agora, a PMDF deve registrar os dados da ocorrência diretamente do local onde aconteceu o crime e encaminhá-los à segunda corporação.
O presidente da Associação dos Oficiais na Ativa, coronel Rogério Leão, classificou o novo trâmite como “um ganho das instituições”, mas disse estar preocupado com “a forma em que aconteceu (a autorização)”. “Ainda perdemos em celeridade. O registro dos termos circunstanciados, que equivale a cerca de 80% da demanda, deve acontecer em um ciclo completo. Dessa forma, lucrariam as duas corporações: a Polícia Civil, por poder dedicar-se integralmente aos grandes casos; e a Polícia Militar, por conseguir deixar o efetivo mais tempo na rua e resolver com rapidez pequenas infrações.”
Vice-presidente da Associação dos Praças Policiais e Bombeiros Militares do DF, o sargento Manoel Sansão aprovou o provimento, mas frisou que a PM aguarda independência total em relação aos termos circunstanciados. “Quando não dependermos da Polícia Civil para o registro de pequenas ocorrências, haverá mais agilidade no atendimento”, defendeu.
Já o presidente da Associação dos Delegados de Polícia Civil, Rafael Sampaio, exaltou a decisão, a qual “permite que a PCDF mantenha o controle sobre o cortejo de suspeitos”. “Entendemos que o provimento contemplou as forças, de acordo com os argumentos postos à mesa”, pontuou. Já o presidente da Associação do Sindicato dos Policiais Civis do DF, Rodrigo Franco, o Gaúcho, voltou a defender a competência restrita da Polícia Civil na lavratura. “É nossa atribuição. No entanto, a própria corporação concordou que outros órgãos da segurança pública realizassem os registros”, afirmou.
Em nota, o Comando geral da PMDF informou que a confecção dos termos pela corporação objetiva “facilitar e potencializar o atendimento, além de dar celeridade aos registros”. A Direção Geral da Polícia Civil elogiou a modificação e destacou que “o provimento não autoriza a ação isolada e concorrencial dos órgãos, em violção à s atribuições das corporações”. A Secretaria de Segurança Pública e Paz Social informou que o “assunto ainda será analisado pela pasta”.
Entenda o caso
Embróglio dura dois anos
Há dois anos, a Polícia Militar do DF emitiu ofício à Assessoria de Política Institucional do Ministério Público para adquirir a atribuição da emissão de Termo Circunstanciado. Em 2016, as Câmaras de Coordenação e Revisão Reunidas em Matéria Criminal do Ministério Público do DF e Territórios (MPDFT) acataram o pedido e recomendaram que os promotores recebessem os documentos lavrados pela corporação.
Na decisão que concede provimento, o desembargador Cruz Macedo indicou que as informações remetidas ao TJDFT ou ao MPDFT sejam repassadas à delegacia competente, para que agentes civis realizem o cadastramento, a homologação, ratificação e eventuais aditamentos, por meio de investigações ou exames complementares, no prazo de cinco dias.
A partir de agora, a emissão dos termos ocorrerá por meio do software desenvolvido pelo Departamento de Gestão da Polícia Civil, compartilhado com militares, policiais rodoviários e agentes do Detran.
Memória
Guerra declarada
Em 15 de setembro de 2016, a Polícia Militar do DF lavrou o primeiro Termo Circunstanciado da corporação. O boletim de ocorrência refere-se à fuga de um motociclista em alta velocidade por não portar a Carteira Nacional de Habilitação ou o Certificado de Registro de Licenciamento de Veículo. À época, a PM registrou o delito de direção perigosa por pessoa inabilitada e o condutor assinou o documento, se comprometendo a comparecer em juízo especial.
O episódio inflamou o embate com a Polícia Civil, que emitiu um mensagem de alerta e circulação interna: “Se você for submetido à lavratura de Termo Circunstanciado por qualquer servidor público que não seja um delegado de polícia, denuncie 197, ou compareça à delegacia mais próxima.” A PM rebateu e ressaltou que, “em momento algum, invadiu a missão ou atribuições da Polícia Civil, pois, diferentemente do inquérito policial, que demanda investigação, o termo circunstanciado restringe-se a um boletim formal da ocorrência”.
Fonte: Jornal Correio Braziliense
Os termos circunstanciados elencam, além de detalhes da ocorrência, a tipificação formal da infração, os itens qualificadores, entre outros pontos. A ampla discussão da prerrogativa da corporação em emitir o documento chegou ao MPDFT em 2015. À época, a PM provocou a Assessoria de Política Institucional do Ministério Público para conseguir a atribuição.
O desejo da Polícia Militar era de que o corregedor da Justiça do DF e dos Territórios, desembargador Cruz Macedo, acatasse integralmente a recomendação da Câmara de Coordenação e Revisão Criminal do MPDFT, publicada em abril de 2016. De acordo com o documento, policiais militares, policiais rodoviários e agentes do Departamento de Trânsito do DF (Detran) deveriam atuar do início ao fim nos casos que não exigem perícia e culminam em, no máximo, dois anos de prisão. É o caso, por exemplo, de infrações como ameaças e direção sem habilitação, causando perigo de dano.
O provimento do magistrado, publicado na última sexta-feira, entretanto, estabelece que os militares emitam os termos circunstanciados, mas remetam as informações à delegacia circunscricional ou especializada. A ideia é que as informações sejam cadastradas e homologadas por uma autoridade civil, por meio de formulário.
Inconstitucionalidade
A discussão sobre o tema não envolve apenas delegados, agentes da Polícia Civil e militares. No Congresso Nacional, duas Propostas de Emenda à Constituição (PECs) com o mesmo fim, conhecidas como Ciclo Completo de Polícia — PEC 51/13 e PEC 431/14 —, tramitam na Câmara e no Senado Federal. Em Florianópolis, por exemplo, o procedimento vigora. Ademais, está nas mãos do colegiado do STF uma ação direta de inconstitucionalidade (Adin) contrária a um dispositivo da lei de Minas Gerais que confere à PM a possibilidade de lavrar o termo circunstanciado.
A polêmica entre as duas corporações em relação à emissão dos termos circunstanciados ocorre há longa data (veja Memória). Em setembro de 2016, militares lavraram o primeiro documento e inflamaram o embate com a Polícia Civil. Em fevereiro deste ano, um agente civil e um policial militar discutiram durante o registro de ocorrência relativa ao roubo de uma moto. Em meio ao clima tenso, os dois quase se agrediram.
Trâmite
Até a última sexta-feira, ao identificar a prática de infrações de menor potencial, os militares conduziam o suspeito até a delegacia de polícia mais próxima, onde agentes civis lavravam o Termo Circunstanciado. Agora, a PMDF deve registrar os dados da ocorrência diretamente do local onde aconteceu o crime e encaminhá-los à segunda corporação.
O presidente da Associação dos Oficiais na Ativa, coronel Rogério Leão, classificou o novo trâmite como “um ganho das instituições”, mas disse estar preocupado com “a forma em que aconteceu (a autorização)”. “Ainda perdemos em celeridade. O registro dos termos circunstanciados, que equivale a cerca de 80% da demanda, deve acontecer em um ciclo completo. Dessa forma, lucrariam as duas corporações: a Polícia Civil, por poder dedicar-se integralmente aos grandes casos; e a Polícia Militar, por conseguir deixar o efetivo mais tempo na rua e resolver com rapidez pequenas infrações.”
Vice-presidente da Associação dos Praças Policiais e Bombeiros Militares do DF, o sargento Manoel Sansão aprovou o provimento, mas frisou que a PM aguarda independência total em relação aos termos circunstanciados. “Quando não dependermos da Polícia Civil para o registro de pequenas ocorrências, haverá mais agilidade no atendimento”, defendeu.
Já o presidente da Associação dos Delegados de Polícia Civil, Rafael Sampaio, exaltou a decisão, a qual “permite que a PCDF mantenha o controle sobre o cortejo de suspeitos”. “Entendemos que o provimento contemplou as forças, de acordo com os argumentos postos à mesa”, pontuou. Já o presidente da Associação do Sindicato dos Policiais Civis do DF, Rodrigo Franco, o Gaúcho, voltou a defender a competência restrita da Polícia Civil na lavratura. “É nossa atribuição. No entanto, a própria corporação concordou que outros órgãos da segurança pública realizassem os registros”, afirmou.
Em nota, o Comando geral da PMDF informou que a confecção dos termos pela corporação objetiva “facilitar e potencializar o atendimento, além de dar celeridade aos registros”. A Direção Geral da Polícia Civil elogiou a modificação e destacou que “o provimento não autoriza a ação isolada e concorrencial dos órgãos, em violção à s atribuições das corporações”. A Secretaria de Segurança Pública e Paz Social informou que o “assunto ainda será analisado pela pasta”.
Entenda o caso
Embróglio dura dois anos
Há dois anos, a Polícia Militar do DF emitiu ofício à Assessoria de Política Institucional do Ministério Público para adquirir a atribuição da emissão de Termo Circunstanciado. Em 2016, as Câmaras de Coordenação e Revisão Reunidas em Matéria Criminal do Ministério Público do DF e Territórios (MPDFT) acataram o pedido e recomendaram que os promotores recebessem os documentos lavrados pela corporação.
Na decisão que concede provimento, o desembargador Cruz Macedo indicou que as informações remetidas ao TJDFT ou ao MPDFT sejam repassadas à delegacia competente, para que agentes civis realizem o cadastramento, a homologação, ratificação e eventuais aditamentos, por meio de investigações ou exames complementares, no prazo de cinco dias.
A partir de agora, a emissão dos termos ocorrerá por meio do software desenvolvido pelo Departamento de Gestão da Polícia Civil, compartilhado com militares, policiais rodoviários e agentes do Detran.
Memória
Guerra declarada
Em 15 de setembro de 2016, a Polícia Militar do DF lavrou o primeiro Termo Circunstanciado da corporação. O boletim de ocorrência refere-se à fuga de um motociclista em alta velocidade por não portar a Carteira Nacional de Habilitação ou o Certificado de Registro de Licenciamento de Veículo. À época, a PM registrou o delito de direção perigosa por pessoa inabilitada e o condutor assinou o documento, se comprometendo a comparecer em juízo especial.
O episódio inflamou o embate com a Polícia Civil, que emitiu um mensagem de alerta e circulação interna: “Se você for submetido à lavratura de Termo Circunstanciado por qualquer servidor público que não seja um delegado de polícia, denuncie 197, ou compareça à delegacia mais próxima.” A PM rebateu e ressaltou que, “em momento algum, invadiu a missão ou atribuições da Polícia Civil, pois, diferentemente do inquérito policial, que demanda investigação, o termo circunstanciado restringe-se a um boletim formal da ocorrência”.
Fonte: Jornal Correio Braziliense