André Costa: 'Sabíamos que os ataques dos bandidos no Ceará aconteceriam'

Em entrevista ao Correio, o secretário de Segurança Pública destaca a importância do apoio do governo federal para combater a violência

"O que está havendo aqui pode acontecer em todo o Brasil. Ou os estados agem ou teremos sempre esse cenário de facções que se desenvolvem nos presídios e altos índices de criminalidade" (foto: Reprodução/Facebook)
No cargo desde janeiro de 2017, o policial federal André Costa, 40 anos, secretário da Segurança Pública do Ceará, enfrenta o maior desafio de sua gestão: a onda de ataques a prédios públicos, agências bancárias e ônibus urbanos, entre outros alvos, que já dura quase um mês. Os atentados começaram após mudanças no sistema penitenciário, que ele chama de “corte de regalias”.
Apesar de a dificuldade do estado em debelar a violência, Costa nega despreparo ou falhas no serviço de inteligência. Segundo ele, desde meados de dezembro, as forças de segurança monitoram os planos das facções organizadas. “Não existe inteligência que consiga evitar 100% de ações criminosas”, pondera.
Em entrevista ao Correio, o secretário destaca a importância do apoio do governo federal para combater a violência. Para ele, somente a união dos estados, sob a coordenação da União, pode frear a ação das facções — apenas no Ceará, dois grupos nacionais e um regional comandam o crime. No entanto, ele descarta qualquer tipo de intervenção, como a que ocorreu no Rio de Janeiro. “O que os estados precisam não é de uma intervenção, mas sim, de uma coordenação”, explica.

O governo conseguirá cessar os ataques?

Nossa reação foi forte. Fizemos prisões e apreensões. Os presos estão passando por procedimentos de segurança nos centros penitenciários, como revistas, apreensões de tevês, celulares, ventiladores, e outros objetos. A comida também mudou. Hoje, eles têm acesso ao que é fornecido pelo  Estado. Suspendemos a entrada de comida trazida por familiares.

O alto volume de policiais em férias atrapalhou a reação do estado?

No começo do ano, cerca de 8% do efetivo estava em férias. Muitos voltaram espontaneamente, outros foram convocados posteriormente. Hoje temos 29 mil agentes de segurança pública no estado e contamos com outros reforços como a Força Nacional, policiais da Bahia e também do Piauí.

Porque cadeias foram fechadas?

O fechamento das cadeias do interior ocorreu por que algumas o próprio  sistema penitenciário considerou que não tinha condições adequadas de funcionamento e segurança. Os presos foram redistribuídos em presídios melhores.

Como esse cenário atualmente?

Os presos estão passando por procedimentos de segurança dentro do centro penitenciário, como revistas, apreensões de tevês, centenas de celulares, ventiladores, entre outro objetos. A comida também mudou. Hoje, eles têm acesso ao que é fornecido pelo estado. São cinco refeições e está suspensa a entrada de comida trazida por familiares.

Então, havia regalias nos presídios do Ceará?

Hoje, é aplicada a lei e não há regalias. A mudança causou essa reação. Os interesses das facções foram feridos. Já notamos uma redução dos ataques, mas continuamos com a mesma estrutura de segurança nas ruas.

O estado estava preparado para reagir? O serviço de inteligência da polícia não falhou?

Em dezembro, foi roubada uma grande carga de explosivos. Isso nos deixou em alerta. Mas antes mesmo de atuarmos, as facções iniciaram os ataques. A fama do novo secretário do Sistema Penitenciário, Luiz Mauro, foi suficiente para amedrontar os presos. Sabíamos que isso aconteceria e vínhamos nos preparando. Um exemplo disso é que a única morte nesses casos foi um fato isolado.

Então, há quase um mês, as forças de segurança sabiam dos riscos?

Exatamente. Na verdade, tínhamos certeza de que os ataques em algum momento aconteceriam. A mudança seria acompanhada de alguma reação.

Isso não mostra que a inteligência da polícia falhou?

Não existe inteligência que consiga evitar 100% de ações criminosas. Diversas ações da inteligência, como apreensão de explosivos e prisão de envolvidos, permitiram que evitássemos mais ataques. O que está havendo aqui pode acontecer em todo o Brasil. Ou os estados agem ou teremos sempre esse cenário de facções que se desenvolvem nos presídios e altos índices de criminalidade.

Foram mais de duas semanas de ataques. Isso não demonstra a fragilidade do estado?

Fizemos o que era possível. As ações precisavam acontecer e o estado não vai recuar. A população apoia as ações do estado.

Um colapso como o ocorrido em Alcaçuz, em que uma carnificina aconteceu, pode atingir o Ceará?

O que está acontecendo aqui, pode acontecer em todo o Brasil. Ou os estados agem ou teremos sempre um cenário que facções se desenvolvem nos presídios. Com isso, teremos ações nas ruas que não terão efeito e teremos eternamente altos índices de criminalidade. No Ceará, reconhecemos que elas existem e sabemos dos efeitos que tem na sociedade.

O Ceará sempre esteve entre os estados mais violentos do país.

O estado vem reduzindo, ano a ano, o número de homicídios. Investimentos em tecnologia, contratações e aquisições de equipamentos para diminuir a violência. No ano passado, caiu 16% o número de homicídios, 40% o de latrocínios, e diminuiu o roubo de cargas, bancos e veículos.

Sem a ajuda da Força Nacional seria possível controlar esses ataques? O governo perdeu a capacidade de atuar?

Toda ajuda foi importante. Todos foram importantes para superar esse momento de dificuldade. A Força Nacional atua em alguns momentos para fortalecer ações pontuais. Segurança é um trabalho conjugado. A Força Nacional não veio pela nossa incapacidade.

O senhor está no cargo há dois anos. Conter essa crise foi o maior desafio?

Sempre temos muitos desafios diariamente, mas essa foi uma situação bastante difícil.

O governo cearense pretende pedir ajuda ao governo federal? Vocês têm conversado, com o ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro?

Muitas das dificuldades dos estados na questão da segurança decorrem da falta da integração nacional de bases de dados criminais, da inteligência. Nenhum estado sozinho tem capacidade de resolver esse desafio. Ainda mais com o crime organizado nacionalizado. É preciso juntar estados e a União.

O Ceará precisa de uma intervenção federal, como houve no Rio de Janeiro?

O que os estados precisam não é de uma intervenção, mas de uma coordenação. O governo federal deve assumir suas responsabilidades e coordenar as ações em todo país. É isso que esperamos do atual governo e do ministro Sérgio Moro. Recebemos muito apoio neste período.

O sistema penitenciário é uma bomba de alto risco?

O sistema penitenciário durante décadas ficou esquecido. Assim, nasceram as facções. Todos os crimes estão interligados, e o tráfico de drogas o mais importante, já que traz dinheiro e poder para as facções.

Os turistas precisam ter medo de visitar o estado?

Temos um policiamento específico para as áreas turísticas. O turista não precisa ter medo. Não temos mortes de turistas há alguns anos e casos de roubos estão diminuindo.
Fonte: Correio Braziliense