Especialistas e alunos divergem sobre efetividade de colégios militarizados

Projeto do governo de delegar à Polícia Militar a esponsabilidade de gerenciar disciplina em colégios não é consenso. Alunos reclamam de exigências, como o corte de cabelo, mas especialistas defendem o modelo adotado em quatro centros de ensino

PM faz continência no Centro Educional 3 de Sobradinho: rotina dos estudantes alterada desde a implementação da gestão compartilhada (foto: Minervino Junior/CB/D.A Press )

Cabelos curtos para os meninos e presos em coque para as meninas. Brincos e adereços apenas para as garotas e com a ressalva de que devem ser discretos. Uniforme, disciplina, regras, padronização e amor à Pátria e aos símbolos do país. Além disso, segurança. Essas são as promessas do GDF para as quatro escolas públicas do DF inseridas no projeto de gestão compartilhada, que coloca a Polícia Militar na coordenação da disciplina dos colégios, em vigor desde segunda-feira. A proposta, porém, não é unanimidade. Especialistas, alunos e parlamentares divergem sobre a efetividade da medida e dos métodos aplicados.

Do lado favorável à “militarização” de escolas públicas, um dos argumentos é de que a presença da PM se justifica pela falta de segurança de alunos e de professores e pela necessidade de ações mais rígidas e eficazes para resolver problemas de disciplina. Quem discorda da medida, no entanto, destaca a padronização como estratégia de imposição com poder para minar a identidade de cada aluno e contesta a efetividade da adoção da doutrina militar na qualidade do ensino.

Doutor e professor da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília (UnB), Francisco Thiago Silva é morador de Ceilândia e conhece de perto a realidade de um dos colégios escolhidos para o projeto piloto do governo. Para ele, a militarização não é capaz de resolver os problemas educacionais e cria um ambiente artificial de segurança.

A militarização do ensino, para o professor, não é capaz de resolver um problema central nas escolas públicas situadas em regiões carentes: a falta de estrutura familiar. “Eles não têm como controlar e mudar isso, e é uma das questões mais sérias. A falta de alimentação, as dificuldades da família, as questões materiais, tudo isso desemboca na escola”, argumenta. O especialista vê também o risco de precarização dos professores com a entrada de profissionais sem formação específica para a educação nos colégios.

Um dos pontos mais graves, para o especialista, é o risco de que a padronização provoque um retrocesso nas políticas afirmativas e de diversidade. “Quando você enxerga uma escola dessa forma, deixa padronizada, com os alunos acuados. Então, sai do processo educacional e passa para o processo punitivo. Com isso, toda a política para diversidade pode se perder”, analisa.

Formação cívica

O doutor em sociologia pela UnB Antônio Flávio Testa avalia a iniciativa por outro viés. Para ele, a militarização do ensino é um grande acerto e pode contribuir para a melhoria da educação brasileira.

“Traz para os alunos a formação cívica, uma educação que eles nem sempre recebem. Escolas assim são muito necessárias, principalmente nesse momento, em que o Brasil precisa rever o projeto pedagógico”, acredita.

“Se o GDF tiver condições de ampliar esse modelo, será relevante, principalmente nas áreas mais carentes. Temos exemplos com bom resultado em Goiás, no Entorno”, alega.

No estado vizinho, há 60 escolas com participação da PM na gestão. A medida, para o sociólogo, também contribui para a segurança pública.

“Você diminui o risco de crianças serem capturadas pelo crime organizado. Elas começam a conviver com outros valores, criam uma outra lógica, que pode ser muito eficaz”, explica Testa.

Para o professor da UnB e doutor em sociologia pela Universidade de Erlangen-Nuremberga (Alemanha) Lúcio de Brito Castelo Branco, o modelo militarizado é uma “resposta à anarquia e à diluição da ordem que tomou conta das escolas”.

“A escola é um espaço que deve transmitir a disciplina. A educação é a domesticação de instintos. Se não há autoridade, não há avanço”, defende.

Sob avaliação

O modelo de gestão compartilhada foi implementado em quatro escolas do DF: Centro Educacional (CED) 1 da Estrutural; CED 3 de Sobradinho; CED 308 de Recanto das Emas; e CED 7 de Ceilândia. Para realizar a escolha dos colégios que receberiam o projeto, o governo levou em consideração o Índice de Desenvolvimento de Educação Básica (Ideb), o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) e o Mapa da Violência.

Vulneráveis

Confira índices de violência de 2018 nas cidades onde ficam as escolas da gestão compartilhada:
Ceilândia

  • 8.073 crimes contra o patrimônio
  • 87 assassinatos

Estrutural

  • 847 crimes contra o patrimônio
  • 19 assassinatos

Sobradinho

  • 1.142 crimes contra o patrimônio
  • 13 assassinatos

Recanto das Emas

  • 2.394 crimes contra o patrimônio
  • 21 assassinatos

Fonte: Secretaria de Segurança Pública

Jovens criticam padronização


Gabriel, Ana Beatriz e Beatriz mostram estilo e questionam mudanças nas vestimentas
(foto: Minervino Junior/CB/D.A Press)

Em frente ao Centro Educacional 7, em Ceilândia, a abertura dos portões no turno vespertino ocorre rigorosamente às 13h. Quem chega antes, precisa aguardar do lado de fora. Meninos e meninas vestem camisetas de times de futebol ou com estampa de filmes. Eles ainda não receberam as camisetas brancas que devem ser usadas até a distribuição das fardas, prevista para maio.

Os adolescentes investem nos estilos de moda. É uma forma de revelar as identidades diversas, contam. Exibem brincos chamativos, colares, pulseiras. Há meninas de dreads e de cabelos afro, meninos com madeixas descoloridas e topetes altos. As exigências no visual devem ser cobradas depois de um período de adaptação.

“É difícil chegar à escola e ver, de repente, que tudo mudou. Vamos ter de usar saias e eu, como muitas meninas, não nos sentimos confortáveis assim”, diz Beatriz de Sousa, 14 anos.

Mesmo com o incômodo, ela acredita em melhorias e espera que o novo modelo ajude no desejo de se tornar policial. Ela e os amigos Ana Beatriz Lucena, 14, e Gabriel Emídio, 14, acreditam na melhoria disciplinar da escola, mas não deixam de questionar.

“O que o cabelo e a roupa têm a ver com essa mudança?”, pergunta Gabriel.

“O que tem de mudar é o nosso comportamento, a nossa perspectiva. Ninguém aqui é igual. Por que não ter liberdade?”, reflete Ana Beatriz.

Repeito à Pátria

A rotina dos alunos de escolas sob a gestão compartilhada também mudou. Após a implementação do modelo, os estudantes passaram a cantar o Hino Nacional diariamente. No período matutino, durante o hasteamento da Bandeira Nacional; no vespertino, no arriamento. Para isso, organizam-se em filas que devem ter o mesmo tamanho e ficam “em posição de descanso”, com as mãos para trás. Ao explicar a dinâmica, os policiais afirmam que a medida visa despertar o respeito à Pátria.

No CED 3 de Sobradinho, que abriu uma turma do 1º ano do ensino médio para atender à demanda após o anúncio da militarização, as mudanças começam a ganhar destaque. Quando professores faltam e não deixam tarefas designadas, policiais monitores assumem as turmas e lecionam disciplinas da cultura cívico-militar, como ordem unida.
Entre os alunos, a presença deles, mesmo com armas e cassetetes, é aceita, assim como a padronização dos uniformes.

“Ninguém vai ficar se achando ou diminuindo os outros, porque estaremos todos parecidos”, acredita Gabriel Fiuza.

O menino, de 14 anos, pretende ser PM e acredita que a gestão compartilhada pode ajudá-lo a alcançar o sonho.

“Vai fazer de mim uma pessoa melhor e mais responsável”, completa.

Como em Ceilândia, no entanto, há ressalvas quanto à restrição a adereços e penteados.

“A escola não pode se meter em algo tão pessoal. É como se, aqui, fossemos um personagem. Queremos ser quem somos dentro e fora da escola”, argumenta Sabrina Lopes, 13, que sonha seguir a carreira de médica ou de advogada.

Informações do Jornal Correio Braziliense