Dê uma olhada no quadro abaixo que relaciona os mandatários da Presidência da República, do Ministério da Justiça e da Polícia Federal, entre 1985 e julho de 2019. Bem, a gestão da PF ocorre por meio de arranjos entre grupos divergentes que se revezavam na chefia ao longo dos mandatos presidenciais.
Ainda que a PF-profissão, PF-instituição pública e PF-organização policial não falem a mesma língua, observa-se uma forte coesão em torno de sua autoproteção e de seus interesses corporativos. Nestes últimos 34 anos, o cargo de chefe da PF foi mais estável do que o de ministro da Justiça. Tivemos 30 ministros e 15 chefes da PF. O custo político de trocar um ministro tem sido mais baixo do que o de tirar o chefe da PF.
Assim, um ministro da Justiça (e agora também da Segurança) que queira durar no cargo deve fazer alianças com setores da PF e não tentar exercer o seu mando. Deve atuar mais como um animador de auditório, um “coach” ou um promoter do que como dirigente. Afinal, arrumar uma treta com a PF é dar um passo rumo à queda.
Enquanto não se delimitar o mandato policial no Brasil e, por sua vez, os instrumentos de sua governabilidade, os ministros seguirão fingindo que mandam e a PF fingindo que obedece. Sempre a um passo de uma quebra de acordos provisórios, diante da fabricação continuada de uma grave crise.
Fernando Henrique Cardoso preferiu politizar em excesso a relação com a PF, impedindo que ministros e chefias esquentassem no cargo: nomeou 10 ministros e 6 chefes. Cadeiras dançaram, menos a dele.
Lula preferiu gastar muito dinheiro na profissionalização da PF, articular seu apoio sindical e dar estabilidade à chefia em troca de lealdade pessoal: nomeou apenas 3 ministros e 2 chefes. Cadeiras não dançaram, menos ainda a dele.
Dilma, sem muito dinheiro para gastar com a profissionalização e pouca habilidade para negociação sindical, apostou suas fichas republicanas na despolitização e na delicada institucionalidade da PF: teve 1 ministro efetivo (e outros dois que não duraram 2 meses) e 1 único chefe. As cadeiras foram pregadas no chão, faltando pregos para a dela, que foi ficando bamba e partiu de vez com a sua destituição.
Uma última curiosidade extraída do quadro abaixo:
Collor herdou Romeu Tuma como chefe-geral da PF cujo mandato foi de 7 anos completos. Dilma manteve Leandro Dallelo na chefia da PF por quase 7 anos. Os dois presidentes, que sustentaram seus chefes por mais tempo encastelados no cargo, foram destituídos. Esta coincidência reaviva uma lição histórica: a espada não pode ela própria definir a extensão e profundidade de seu corte. Quando entregue somente a si mesma ela pode ameaçar cortar a língua do verbo da política (qualquer uma) e rasgar a letra da lei (toda ela), instaurando um governo de exceção Policial e judicial às regras do jogo democrático!
O problema é de mandonismo corporativista demais e governabilidade de menos. Independência político-partidária e blindagem de apropriações particularistas dos meios de força policiais não correspondem a autonomização predatória que ambiciona situar a espada como um poder exterior e acima do Executivo e ao Judiciário.
*Jacqueline Muniz é professora do Departamento de Segurança Pública – Instituto de Estudos Comparados em Administração de Conflitos (InEAC) da Universidade Federal Fluminense (UFF).
Informações do Site Brasil de Fato