O vice-presidente Hamilton Mourão interrompeu seu período de silêncio e, em entrevista ao Estado, disse que o presidente Jair Bolsonaro decidiu “tratar pessoalmente” da comunicação. E que ele, Mourão, “está cuidando” do seu “quadrado”. Alvejado pela ala ideológica do governo, que o acusou de tentar ofuscar o presidente, o vice deixou de dar entrevistas diárias sobre os diversos assuntos da República.
Ao jornal, o general afirmou que “antes reclamavam que ele (Bolsonaro) não falava com a imprensa e agora, reclamam do que ele fala”. Sobre as críticas ao tom adotado pelo presidente em declarações recentes, Mourão contemporizou. “Não espere que ele vá tecer comparações pensando em grandes mestres da filosofia. Ele vai se expressar com a linguagem dele, usando sujeito, verbo e predicado”, declarou o vice-presidente.
O sr. está calado e o presidente falando muito.
Eu não estou calado. Eu estou apenas cuidando do meu quadrado. O presidente está falando porque tomou para si a comunicação, assumiu o protagonismo. É uma estratégia que ele traçou.
Como o sr. avalia o tom dessa comunicação?
Reclamavam que ele não falava, que fugia da imprensa. Agora que ele está falando, o pessoal reclama também? Ele tem procurado a imprensa. Ele tem expressado a opinião dele sobre diferentes assuntos e está cuidando pessoalmente da comunicação. É uma estratégia que ele traçou.
A forma como fala, usando até palavras chulas, palavrões, tem motivado críticas. O sr. acha que o presidente tem exagerado?
É a natureza do presidente Bolsonaro. O presidente é um cara simples e direto. Não adianta esperar que ele vá tecer comparações pensando em grandes mestres da filosofia. Não. Ele não vai fazer isso. Ele vai se expressar com a linguagem dele, usando sujeito, verbo e predicado. Podem não ser as melhores palavras, mas é o jeito dele.
O deputado Marco Feliciano (Podemos-SP) disse que o sr. ficou mais calado depois que ele apresentou um pedido de impeachment contra o sr. E que isso também teria levado o sr. a se alinhar com o presidente Bolsonaro. Vai respondê-lo?
Não respondo a ele. É tudo tão fora do contexto que eu não respondo.
O deputado sugere que houve um desentendimento anterior (entre Mourão e o presidente)?
Nunca houve qualquer desentendimento.
Houve interferência indevida do presidente Bolsonaro na Polícia Federal e na Receita Federal?
O presidente tem uma visão hierarquizada, que é uma visão que nós, militares, temos. Ele julga que determinadas alterações devem ser feitas. Ele sugeriu um nome para a Polícia Federal do Rio. A PF não concordou com esse nome, trouxe outro nome, eles se acertaram e tudo bem. Sem ruídos.
Mas isso foi um problema para o ministro da Justiça, Sérgio Moro. Ele está prestigiado?
O ministro Sérgio Moro é um quadro emblemático do nosso governo. Ele é um cara que veio para o governo pela bagagem que tem. É um homem respeitado no País. Aliás, respeitadíssimo, não é? E é obvio que ele tem o respeito do presidente.
O governo está com problema de caixa. Talvez as Forças Armadas tenham de antecipar a dispensa de recrutas do Exército. O presidente e o vice são militares. Não era para ser diferente?
Não há como ser diferente. Este é o dilema da economia: canhão ou manteiga. Então, no momento em que a arrecadação está baixa, a atividade econômica está fraca, todos são afetados. Não é só um problema interno do Brasil, é um problema do mundo inteiro. A visão do ministro Paulo Guedes (Economia) é de que, a partir de setembro, conseguirá captar recursos dos bancos públicos. Isso levará ao desbloqueio de parte dos recursos que está contingenciada. Tenho certeza de que a educação será priorizada. Pode ser que as Forças Armadas também o sejam.
Os militares costumam dizer que o governo de Fernando Henrique Cardoso foi o pior para as Força Armadas. Agora temos um governo oriundo da área militar.
O Brasil passava por um momento de ajuste fiscal, tinha de ter um equilíbrio entre receita e despesa. Já se tinha aumentado os impostos até onde podia, tinham criado a CPMF, inclusive. Ele não queria contrair dívida. Eu sofri, eu era comandante de unidade. Ao passar o governo para o Lula, FHC entregou as finanças públicas totalmente equilibradas, inclusive com superávit. Ao mesmo tempo, entrou o boom das commodities.
Não é um contrassenso deixar as Forças Armadas à míngua?
Não é deixar à míngua. Todo o País está vivendo essa situação. O dilema de qualquer economia é o canhão ou manteiga. Ou nós vamos botar dinheiro na saúde, na educação, na infraestrutura, ou nós vamos ter as Forças Armadas mais poderosas do mundo e a turma passando fome. E esta opção não é a melhor. As Forças Armadas têm de ter o que é justo e necessário.
O que o sr. chama de “justo e necessário” é uma cota de contribuição das Forças Armadas? O sr. vê comprometimento da função institucional das Forças Armadas com esse corte?
É óbvio que, a partir do momento em que você tem uma perda em um orçamento que já é deficitário, isso reduz a operacionalidade das Forças. Os pilotos vão voar menos.
Isso o preocupa?
Hoje, não. Isso preocuparia caso perdurasse por dois anos, três anos, quatro anos. Aí, sim, você vai reduzindo a capacidade operacional. Se for questão de um ano só, não vejo problema.
Sobre a lei de abuso de autoridade recém-aprovada na Câmara. Há a necessidade de veto?
Há artigos completamente desnecessários. A questão das algemas, por exemplo. Isso tem de ser definido na hora, no momento da prisão. Também há a questão do critério subjetivo do juiz (na decretação de prisões preventivas). São artigos que eu acho que poderiam ser vetados. Mas o presidente está discutindo isso aí.
O sr. acha que o nome do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) para a embaixada nos Estados Unidos passará no Senado?
O presidente vem costurando esse assunto. O Eduardo está circulando pelo Senado, conversando com os senadores, procurando se apresentar. Quando chegar a hora de ele ser sabatinado, ele poderá ter um bom grau, pode tirar 8 e “passar direto”.
E se Donald Trump não conseguir a reeleição?
Não há problema. O Eduardo não será embaixador perante um governo, mas perante os Estados Unidos.
O presidente sinalizou que pode não indicar mais o filho. Ele ainda não tem os votos para conseguir ser aprovado. O sr. o aconselharia a retirar a indicação de Eduardo Bolsonaro?
A decisão é do presidente. Eu acompanho 100% o que ele decidir.
No caso do projeto da Previdência dos militares, há quem defenda a inclusão dos policiais militares no texto. Isso é viável?
A PM não quer os 35 anos de serviço. Portanto, isso é outra discussão.
O procurador-geral da República já está escolhido? O sr. sugeriu algum nome?
A escolha está nas mãos do presidente. Acho que ele não decidiu ainda. Não tenho indicação nenhuma.
Hoje (terça-feira, 20) vimos um sequestro de um ônibus no Rio, que acabou com a morte do sequestrador e os passageiros salvos. Como o sr. viu essa operação?
A ação foi bem feita. A PM tomou a decisão que tinha de tomar. Salvou a vida das pessoas.
Informações do Jornal O Estado de São Paulo/Estadão