O Correio percorreu quatro cidades do DF (Taguatinga, Samambaia, Águas Claras e Brasília) e conversou com moradores e comerciantes sobre os problemas de segurança enfrentados nos centros de cada uma delas. Medo ou desmotivação para denunciar e falta de policiamento são relatos que se repetem. A sensação de insegurança é um legado de vários governos. Mas as estatísticas criminais da Secretaria de Segurança Pública (SSP-DF) mostram uma queda nos registros de crimes em relação ao ano passado (período de janeiro a setembro): o roubo a comércio, por exemplo, diminuiu 25,5%, e o tráfico de drogas, 0,33%. Contudo, o furto a transeuntes aumentou 9,21%.
Vicente Faleiros, professor do curso de pós-graduação em políticas sociais da Universidade de Brasília (UnB), explica que a percepção da segurança é uma questão de psicologia social complexa, em que as pessoas associam a insegurança com o medo e com a falta de ações ostensivas.
“A impunidade é um dos pontos-chave. Quanto maior for o acesso à Justiça, mais temos uma diminuição da percepção de insegurança”, afirma. “Temos que ter uma polícia educada, formada, e uma Justiça sem impunidade. Não é só botar mais policiais na rua, mas reduzir a impunidade, aumentar a inteligência e a educação.”
Para combater o problema, a SSP-DF informa que “monitora de forma prioritária os principais crimes contra a vida e o patrimônio, traçando um perfil de dia, hora e local em que cada natureza mais acontece”. As informações dão base aos trabalhos das polícias e direcionam políticas de segurança, como a instalação de câmeras.
Dura rotina em Samambaia
Não é preciso andar muito pelo comércio de Samambaia para ouvir relatos de assaltos. A vendedora Márcia Estrela trabalha há 10 anos em uma loja da QS 410 e conta que viu o estabelecimento ser arrombado diversas vezes. O caso mais recente aconteceu há seis meses. “Entraram pelo banheiro dos fundos e levaram mercadoria. Tínhamos alarme e grade, mas isso não impediu nada”, comenta.
Os furtos costumam acontecer à noite. Mas, durante o dia, pedestres são alvo fácil. Márcia conta que o filho dela, um rapaz de 22 anos, caminhava pela QR 404 quando foi abordado por três adolescentes armados. “Ele atravessava a rua, às 16h de um sábado. Um ladrão estava com uma faca, e outro, com um revólver. Levaram o celular novinho que meu sogro tinha dado”, lembra. “Nem fomos registrar ocorrência, porque isso só fica mesmo para estatística. Não pegam os bandidos mesmo.”
Por medo, a família do mestre de obras Gilson Ferreira, 41 anos, trocou Samambaia, onde morou por 12 anos, pelo Riacho Fundo. “Fui assaltado dentro de casa. Eu estava na porta, com o carro aberto e o portão, também. Três homens chegaram armados e botaram todo mundo de refém”, recorda. Apesar de ter registrado ocorrência na 32ª Delegacia de Polícia, Gilson nunca teve resposta sobre as investigações. O caso aconteceu no início de 2018 e motivou a busca por um novo lar.
Segundo a Polícia Militar, o maior problema no enfrentamento aos crimes é a reincidência. “Hoje os criminosos são presos, mas não tardam a voltar às ruas para cometer os mesmos delitos”, afirmou a corporação, por nota oficial. “Apesar dos fatores adversos, a PMDF realiza um duro trabalho no combate à criminalidade, batendo recordes de prisões de foragidos da Justiça e apreensões de arma de fogos, mas necessitamos de mudanças nas leis para que criminosos sejam desencorajados a cometer delitos.”
O assessor-chefe de comunicação da Polícia Civil, Darbas Coutinho, afirma que todas as ocorrências registradas são apuradas. “A pessoa, às vezes, pensa que a ocorrência não ajuda em nada, mas só de detalhar o autor, isso nos ajuda a identificar o criminoso.”
Praça do Relógio perigosa
Entre os milhares de pessoas que circulam pela Praça do Relógio, cartão-postal de Taguatinga, caminham também usuários de drogas, assaltantes e prostitutas. Quem mora perto explica que é preciso estar sempre atento e evitar caminhar pela área durante a noite. A recepcionista Juliana dos Santos, 33 anos, não leva bolsa nem celular quando precisa resolver algo a pé.
De mãos dadas com a filha, Mariana dos Santos, 8 anos, ela reclama do perigo das ruas. “Direto a gente vê policial correndo atrás de bandido. O que mais tem aqui é droga, principalmente de quinta-feira a domingo”, detalha.
Até mesmo quem está só de passagem é alvo dos bandidos. O estudante Richard Levy, 20 anos, mora no Recanto das Emas e estuda no Pistão Sul. No trajeto, precisa mudar de ônibus no centro da cidade e, em uma dessas trocas, foi vítima. “Eu parei para ver o valor de uma capa de celular, e um rapaz me chamou no canto, dizendo que tinha o produto. Quando eu fui, ele apontou uma arma para mim e levou tudo que eu tinha: mochila com notebook, dinheiro e celular”, lamenta.
Em Taguatinga, os roubos a transeuntes entre janeiro e agosto de 2018 caíram 45% em relação a igual período do ano passado, segundo dados da SSP-DF. Enquanto as ocorrências por uso e porte de drogas diminuíram 5,2%, as de tráfico tiveram aumento de 14,5%. Para tentar inibir o crime, a Polícia Militar intensificou, na última semana, o patrulhamento no centro de Taguatinga.
Plano Piloto não fica de fora
A insegurança também assusta os moradores do Plano Piloto. Na região, o número de roubos a pedestres chama a atenção: foram 251 casos só em agosto deste ano, contra 170 ocorrências em julho. O estudante de educação física José Francisco Araújo, 27 anos, morador da 103 Sul, por pouco não entrou para as estatísticas.
“Estava fazendo caminhada com uma amiga, quando três moradores de rua se aproximaram e perguntaram onde eu morava. Percebi que eles queriam me assaltar, então saí correndo, e eles vieram atrás de mim”, relatou. Para ele, o alto número de pessoas em situação de rua na Asa Sul causa medo. Levantamento da Secretaria do Trabalho, Desenvolvimento Social, Mulheres, Igualdade Racial e Direitos Humanos (Sedestmidh) mostra que há, ao menos, 3 mil moradores de rua no Distrito Federal.
O Plano Piloto é um dos pontos com maior incidência. José Francisco relata uma outra situação perigosa pela qual passou. Ele estava na Rodoviária do Plano Piloto esperando por um ônibus com destino à Asa Sul, quando sete homens o renderam. “Estava distraído no momento, escutando música, e os caras chegaram apontando uma faca no meu abdômen. Levaram meu celular e todos os documentos pessoais”, disse.
Na Rodoviária, o medo também é constante. Há duas semanas, Fernanda da Costa, 26 anos, conseguiu um emprego como vendedora em uma loja de roupas no local. Em curto período, presenciou diversos assaltos. “Como temos de ficar do lado de fora para chamar os clientes, vejo pessoas correndo direto, gente falando que foi furtada. Os bandidos assaltam na nossa frente, mas vamos fazer o quê?”, pergunta.
Águas Claras sem delegacia
Em Águas Claras, a falta de serviços públicos é uma reclamação frequente dos moradores. A cidade não tem delegacias. Quem precisa registrar ocorrência tem de se deslocar até Taguatinga. Apesar de os crimes serem mais raros do que em outras regiões administrativas, quem mora e trabalha por lá também teme pela segurança. Condomínios e residências são protegidos por câmeras e cercas elétricas para barrar a entrada de criminosos.
O projetista Aerliton Pereira, 51, mora há 12 anos em um edifício na Avenida das Castanheiras. De acordo com ele, os assaltos na região são comuns. “Certa vez estava em um bar com amigos, era por volta das 23h, quando entrou um bandido lá e levou os celulares de todos”, conta. Ele toma algumas medidas básicas de segurança para se prevenir. “Sempre evito andar pela cidade e ficar mexendo no celular com a cabeça baixa. Acho que isso facilita a ação dos bandidos”, diz.
Para o pesquisador da UnB Vicente Faleiros, o fato de Águas Claras ter menos vias de acesso do que outras cidades favorece os números mais baixos de ocorrências, em relação às demais regiões do DF. “Existe aí mais controle do espaço e mais precaução das pessoas”, afirma. O último balanço criminal divulgado pela SSP-DF mostra que os registros mais comuns na cidade são de furto em veículos, com 357 ocorrências. O número representa 5,2% dos casos em todo o DF. Roubos a transeuntes representam porcentagem ainda menor: 1,14%. Segundo a Assessoria de Comunicação da Polícia Civil, há estudos para a construção de uma delegacia na cidade. Contudo, não informou prazos.
Informações do Jornal Correio Braziliense