A Câmara Legislativa realizou audiência pública nesta quinta-feira (28) para discutir a infestação de carrapatos-estrela no DF. A iniciativa do debate foi do deputado Ricardo Vale (PT), que cobrou uma política clara para evitar que “doenças vindas de carrapatos não cheguem no DF.” A audiência colheu ainda contribuições ao projeto de Lei nº 616/2023, de autoria do próprio Vale, que lista uma série de medidas de manejo das capivaras e controle populacional.
Em seu pronunciamento, o parlamentar reforçou que o problema “não são as capivaras, e sim os carrapatos”, sendo inviável tomar atitudes que penalizem os bichos. “A gente escuta algumas autoridades do Governo dizendo que a quantidade populacional de capivaras é a mesma e pessoas dizendo que as capivaras estão invadindo a área urbana, indo nos clubes, atravessando pistas. Precisamos tranquilizar a população sobre isso.”
Capivara e Febre
O pesquisador e autor do livro “Capivara”, José Roberto Moreira, disse que em estudo solicitado pela Secretaria do meio ambiente do DF, “não houve constatação de febre maculosa na Capital”. A pesquisa, que durou um ano e foi realizada na beira do Lago Paranoá, investigou capivaras e carrapatos.
José também acrescentou que a febre maculosa se encontra em maior número de infecções perto da Mata Atlântica. Além disso, a bactéria que causa a doença também é letal para os hospedeiros que morrem antes de infectar um ser humano, “que por sua vez só faleceria se fosse infectado por muitos carrapatos.”
Outro ponto apresentado por José é referente a proposta de controle da população de capivaras. Para ele, esse controle não é útil já que não causaria efeitos de diminuição de proliferação mesmo com processos de castração.
“Se removermos uma parte da população de animais, a gente deixa disponível para os animais que ficam muito mais alimento, parceiros e recursos do ambiente o que causa um aumento populacional das capivaras. Uma possível solução seria vasectomia ou laqueadura, mas a castração não é o caminho pois outra capivara macho dominaria o grupo e continuaria a prole.”
A secretária executiva de Estado do meio ambiente e proteção animal do Distrito Federal (SEMA-DF), Luiza Helena Rocha da Silva, concordou com José e acrescentou que o assunto só ganhou força devido à mídia dada aos casos de Campinas (SP). Para ela, que é bióloga e veterinária, o controle das capivaras é complicado pois é difícil manejá-las.
“Lá em São Paulo, por exemplo, fizeram castração em algumas áreas e isso dividiu um grupo de capivaras, formando dois grupos com fêmeas e novos machos se cruzando. A laqueadura e a vasectomia são uma opção, mas na minha visão as capivaras estão protegendo o DF de ter casos de febre maculosa. Se tirarmos, virão animais de outros locais, como do Goiás, que já teve casos da febre.”
Ana Paula Vasconcelos, advogada da Comissão de Direito Animal da OAB-DF, disse que o assunto é de extrema relevância para sociedade e principalmente para os animais. Para ela, a sociedade é quem invadiu o espaço dos bichos com a orla do Lago sendo ocupada desordenadamente durante anos.
“Não podemos ‘vilanizar’ as capivaras e temos que achar uma solução pensando no bem-estar delas. Eu vejo que a situação das capivaras traz comoção, porque atinge uma população de alta renda por isso causa tanto incômodo. Se conseguirmos um método mirabolante para exterminar as capivaras, nós teremos um desequilíbrio ambiental muito grande e teremos outros problemas maiores.”
Morgana Maria Arcanjo, Dra. em Ecologia, argumentou contra a atual preocupação da febre maculosa citando que, durante 30 anos de profissão, observou em época de seca no DF um aumento do número de carrapatos. Ela também afirmou que há muitos animais que podem ser hospedeiros do carrapato, como cavalos e cachorros, e que as próprias capivaras já têm controle da população, mediante disponibilização de espaço e alimento.
“Por causa dessa histeria, nós tivemos 119 solicitações de teste para febre maculosa aqui no DF e destas 62 já tinham sido investigadas e negadas. Eu tenho pesquisado por uma solução viável, como adoção de remédios carrapaticidas, mas digo que confiem na ciência.”
Reclamações
O advogado e engenheiro florestal, Newton Lins, afirmou que desde que o DF começou a ser formado, houve perda das zonas de amortecimento dos habitats naturais dos bichos do Cerrado. Para ele, o Governo tem grande responsabilidade em não ter um órgão de Meio Ambiente, como o Instituto Brasília Ambiental, competente para lidar rapidamente com esses assuntos.
“O Governo do Distrito Federal não pode mais usar os órgãos de ambientação como cartórios apenas para as questões imobiliárias. Precisamos fortalecer áreas científicas para que nós estejamos preparados se aparecer a febre maculosa e evitar a morte de pessoas. Não estamos discutindo a presença do carrapato ou da febre maculosa, mas de um desequilíbrio ecológico.”
Para Luís Gonzaga da Silva Filho, representante do sindicato dos clubes do DF, houve um aumento das capivaras no DF desde a década de 60. Luiz também afirmou que a falta de informação faz com que se tenha ataques de capivaras nas náuticas e espaços abertos e indagou como ficará a situação dos clubes com a presença desses animais.
“Nós somos urbanos e não devemos prejudicar o meio ambiente, não devemos eliminar animais. Mas será que somos obrigados a conviver com a fauna silvestre dentro do nosso espaço urbano? e se fossem onças e outros animais agressivos ou peçonhentos? Será que nós deveríamos ter essa condescendência mesmo correndo riscos de vida?”
Governo
Em resposta às questões levantadas durante a audiência, o subsecretário de vigilância e saúde do DF, Divino Valério, acrescenta que com a globalização e advento da internet, houve celeridade de comunicação na mídia e até falsas informações e pseudos informações, o que causa histerismo.
“Para vocês terem uma ideia, quando tem rumores de determinado agravo antes mesmo que a saúde comece a fazer o processo de investigação de campo já divulgam até resultado e já nos acusam inclusive de omissão.” O subsecretário também citou que um dos principais desafios que a saúde tem é a incompatibilidade do que se tem nas leis com os processos biológicos, o que causa um “delay de resposta”.
“Nós temos que concentrar esforços e aprimorar a legislação para darmos respostas em tempo hábil. Nós da Secretaria de Saúde temos protocolo de resposta para 69 agravos, porém só podemos adotar qualquer protocolo de resposta uma vez que um caso seja confirmado aqui do DF.”
O presidente do Instituto Brasília Ambiental (IBRAM-DF), Rôney Nemer, conclui que com as informações rápidas na internet, é complicado agir e falar sobre assuntos. Para ele, a pauta não deveria ser das capivaras, mas sim dos carrapatos.
“Éguas, cavalos, cães, gatos e roedores também são hospedeiros, então achar que é só a capivara que transporta o carrapato-estrela é insano, pois daqui a pouco nós vamos ter gente fazendo tiro ao alvo. O que eu sempre falo é, cuidado com seus animais, por exemplo, cachorros tem que andar em guias para não ter risco de passar em locais com o carrapato.”
Por fim, Rôney também acrescentou que o número de capivaras pode ter aumentado devido à pandemia de COVID-19, que afastou a população de zonas ambientais e fez com que as capivaras fossem para tais áreas. Além disso, acrescentou que qualquer movimentação para com esses animais deve ser pautada por órgãos ambientais e com estudos.
Fonte: Agência CLDF