A degradação do Rio Melchior, divisa geográfica entre Samambaia e Ceilândia, foi tema de comissão geral da Câmara Legislativa na tarde desta quinta-feira (9). A situação resulta não só do volume de efluentes lançados no corpo d’água, como também do adensamento populacional da região, o que tem aumentado a pressão sobre a qualidade e a quantidade dos recursos hídricos.

Na CLDF, a preocupação com essa situação não é recente e foi alvo de debates nesta e em legislaturas anteriores. O assunto, agora, pode ser objeto de comissão parlamentar de inquérito (CPI) proposta pela deputada Paula Belmonte (Cidadania), quem esteve à frente da comissão geral de hoje. De acordo com a distrital, o requerimento da CPI já conta com a assinatura de 11 parlamentares.

Os impactos da poluição do Melchior extrapolam a comunidade que vive em seus arredores. Isso porque o rio é tributário do Rio Descoberto, cujas águas alimentam o reservatório de Corumbá IV. 

“Hoje, Corumbá não está poluído, mas e daqui a dez anos?”, questionou José Francisco Gonçalves Júnior, professor do Departamento de Ecologia da Universidade de Brasília (UnB). O acadêmico citou estudo realizado pelo professor Henrique Chaves, também da UnB, sobre os recursos hídricos do Distrito Federal, e alertou para a gravidade do cenário: “Daqui a 50 anos, o DF pode ter 50% menos água do que tem hoje, e com pior qualidade”.

Gonçalves Júnior chamou a atenção para a importância do conhecimento produzido nas universidades para a tomada de decisão por parte dos Poderes Públicos. “Ouçam a Academia”, pregou. O professor ilustrou seu argumento com uma situação vivida pessoalmente: “Minha mãe perdeu a casa nesta enchente do Rio Grande do Sul, e ela tinha sido avisada desse risco há a seis anos”. 

Gestão dos recursos hídricos

O Rio Melchior é o único do DF enquadrado como “classe 4”; ou seja, suas águas são destinadas à harmonia paisagística e aos usos menos exigentes, como o lançamento de efluentes. 

“Classe 4 é licença para a poluição”, afirmou Gonçalves Júnior, defendendo o tratamento dos efluentes lançados no corpo d’água “ao máximo”. 

“As empresas que lançam efluentes não estão liberadas para poluir. Todas elas têm licenciamento ambiental”, contrapôs Simone de Moura, representante do Ibram. Ela pediu, ainda, que seja denunciado qualquer despejo irregular.

Gerente do Aterro Sanitário de Brasília, o engenheiro civil Wanderley das Chagas Albuquerque, apontou que o aterro – único em operação no DF – recebe 2,2 mil toneladas de lixo por dia. “Claro que esse lixo vai gerar chorume. Mas o chorume é tratado antes de ser lançado no rio”, garantiu.

Também autorizada a lançar efluentes no Melchior, a Companhia de Saneamento Ambiental do Distrito Federal (Caesb) possui duas estações de tratamento de esgoto que despejam resíduos no rio. Segundo informou a superintendente de Operação e Tratamento de Esgotos, Ana Maria Mota, diariamente são lançados 100 milhões de litros de esgoto tratado. “É um volume muito grande, e o rio tem pouca vazão”, observou.

A superintendente aproveitou para elencar investimentos feitos, nos últimos anos, para aprimorar o processo de tratamento do esgoto e destacou: “ Nacionalmente, a Caesb é referência no tratamento de efluentes”.  

“Temos um passivo com a comunidade do Melchior e precisamos de ter um olhar diferenciado. Temos de fazer mais, é isso que esperamos do Poder Público”, pontuou o coordenador do Grupo de Trabalho do Rio Melchior, Ricardo Minoti.

Degradação ambiental

A comunidade que vive nas proximidades do Melchior se ressente da situação do rio. “Moro na beirada do rio desde menina. A comunidade só cresceu. Era um patrimônio nosso, a gente tomava banho e até bebia água lá”, contou Ana Lúcia Rodrigues dos Santos. 

A moradora acredita, no entanto, que agora as águas do rio estão adoecendo as crianças da localidade, que têm tido, com frequência, diarreia, problemas de pele, entre outros problemas.

 

Esse foi um dos pontos que mais sensibilizou a deputada Paula Belmonte, que vem acompanhando o quadro do Melchior desde 2019, quando ainda era deputada federal. “Sabemos que temos de desaguar os efluentes em algum lugar, mas tem de ser de forma responsável e com tratamento adequado”, insistiu.

O deputado Max Maciel (PSOL) também tem boas recordações do antigo Melchior. Ele lembrou os banhos de cachoeira e contou que as escolas limítrofes usavam água do poço artesiano. “Agora não podem mais, o abastecimento é por caminhão pipa”, afirmou. Signatário da CPI do Melchior, o distrital arrematou: “Assinamos na perspectiva de fazer com que a população possa ter o rio de volta para si”.

O deputado Gabriel Magno (PT) também declarou apoio à CPI e disse considerar o enquadramento do rio como de classe 4 um “salvo conduto para o crime ambiental”. Ressaltando que o Plano Diretor de Ordenamento Territorial (PDOT) passará por atualização, o distrital defendeu: “Precisamos de um PDOT que não se submeta aos interesses da especulação imobiliária e da grilagem de terras. É preciso repensar a ocupação da cidade”.

Além disso, Gabriel Magno argumentou ser preciso prever na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) – cujo projeto deve chegar à CLDF em breve – mais recursos para ações ambientais e prevenção de desastres.

O secretário do Meio Ambiente e Proteção Animal do Distrito Federal, Gutemberg Gomes, também defendeu mais orçamento para a política ambiental. Ele apresentou a temática como um assunto transversal e disse que a secretaria realiza “um esforço diuturno para reduzir os impactos” no meio ambiente.

Também participaram da comissão geral o deputado Fábio Felix (PSOL); representantes da Adasa e da Delegacia do Meio Ambiente, além de moradores na região.

Fonte: Agência CLDF