Em sessão solene realizada nesta quarta-feira (11), a Câmara Legislativa comemorou o Dia do Cerrado, celebrado em 11 de setembro, e os 9 anos da Encíclica Laudato Sí, carta escrita pelo Papa Francisco em que o pontífice alerta para a necessidade de se combater degradação ambiental. A cerimônia, proposta pelo deputado João Cardoso (Avante), reuniu especialistas que discutiram a importância do bioma e as ameaças que vem sofrendo.

João Cardoso, que atuou como auditor fiscal de controle ambiental por 32 anos, falou de sua preocupação com a proliferação de queimadas que vêm assolando o ecossistema nas últimas semanas. Conforme o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), desde agosto, a Floresta Nacional de Brasília teve quase a metade de sua área queimada. Já a Chapada dos Veadeiros teve 40% de seu território atingido pelo fogo, segundo o parlamentar.

Além da destruição do bioma, com o extermínio das espécies de plantas e animais nativos, o distrital salientou a poluição nas cidades como reflexos negativos das queimadas. O deputado pontuou que a destruição está sendo causada pela ação direta e intencional do homem e argumentou que a conscientização é uma das ferramentas para se quebrar o ciclo vicioso das queimadas. “Infelizmente, o fogo é colocado pelo ser humano. Fala-se sobre investigar se o fogo é criminoso ou não. É criminoso, sim. Não tenho dúvida”, lamentou.

Outro ponto destacado foi a necessidade de ações objetivas para a preservação dos recursos hídricos do cerrado. O bioma abriga as nascentes das principais bacias hidrográficas do Brasil, como a do Rio São Francisco, Rio Tocantins e Rio Paraná. Sua vegetação peculiar, com raízes profundas, ajuda a infiltrar a água no solo, recarregando os aquíferos e garantindo o fluxo dos rios, que abastecem não só a região, mas também outras áreas do país.

“Precisamos trabalhar políticas públicas para que nossas águas não deixem de existir e para que a nossa biodiversidade também sobreviva. Só vamos conseguir isso por meio da educação ambiental, da fiscalização e da conscientização com relação à preservação”, explicou o parlamentar. “A encíclica nos mostra que a destruição da natureza é uma agressão contra Deus e contra o ser humano”, afirmou, referindo-se ao documento do Papa Francisco.
 

Especialistas demonstram preocupação

Para o cientista social Ivo Poleto, a tendência da substituição do bioma cerrado pela monocultura que vem se intensificando com a expansão do agronegócio pode ter relação direta com o aumento da temperatura média, dentre outras consequências negativas ao meio ambiente. “Se não fizermos mudanças profundas no modo de agir e no modo de ser, poderemos ser afetados e ter a vida ameaçada com mais incêndios, fumaça, falda de água ou enchentes”, opinou.

Representando o Instituto Brasília Ambiental (Ibram), Danyella Shayene pontuou que o órgão tem criado programas ligados à fiscalização, ao manejo do fogo e à educação ambiental como forma de resposta às ameaças contra o bioma. “Temos como missão o desenvolvimento e a conservação”, declarou. 
 

A preservação do Rio Melchior, que divide as regiões administrativas de Ceilândia e Samambaia, foi um dos temas de destaque da homenagem, com faixas de protesto na galeria do plenário. “No dia do cerrado, acho que não temos muito o que comemorar. Despejam esgoto ali [nos rios], o ecossistema está sendo degradado, com risco de desaparecer”, lamentou o ambientalista e fundador do Projeto SOS Ribeirão Sobradinho professor Raimundo.

Um dos participantes do debate foi o artista plástico Carlos Alvarez, que produz obras que refletem a riqueza da fauna do cerrado. Algumas de suas obras ficaram expostas no plenário durante a solenidade. O artista lembrou que o cerrado é a savana mais rica do planeta, representando 5% da biodiversidade mundial, com mais de 12 mil espécies de planta dentre as 55 mil existentes no Brasil e cerca de 900 tipos de aves nativas. 
 

“Por esses dados, dá para se ter uma ideia da importância do bioma. Com a crise hídrica, ele se torna ainda mais relevante para a segurança alimentar e energética. Sem água, não vai ter energia, não vai ter plantação nem agronegócio”, argumentou Alvarez.

O pesquisador da Embrapa Cerrados José Felipe Ribeiro comentou sobre a importância da pesquisa científica como norteadora de políticas públicas ligadas à preservação ambiental. Para ele, ciência e política não devem andar apartadas, independentemente do posicionamento ideológico dos gestores que ocupam os cargos.

Ribeiro cobrou que os debates sobre preservação do cerrado sejam mais amplos e que atinjam, inclusive, a parte da população contrária às ideias ambientalistas. “Se há alguma coisa a se comemorar, é que hoje temos o conhecimento para fazer com que o cerrado seja bem utilizado. Porém, ele está sendo mal utilizado”, pontuou.
 

A Encíclica Laudato Sí

‘Laudato Si’ é uma encíclica do Papa Francisco, publicada em 2015, que trata da responsabilidade humana em relação ao meio ambiente e à criação. O título vem do cântico de São Francisco de Assis, significando “Louvado Sejas”, e a encíclica convoca à reflexão sobre os danos ambientais causados pela ação humana, como a poluição, a perda da biodiversidade e o aquecimento global.

O documento enfatiza a interconexão entre a crise ecológica e a crise social, chamando atenção para os mais pobres, que são os mais afetados pelos problemas ambientais. Papa Francisco convida tanto indivíduos quanto governos a adotarem uma nova atitude, buscando uma economia mais sustentável, o respeito à natureza e a justiça social. A encíclica apela à cooperação internacional e à responsabilidade coletiva para cuidar da “Casa Comum”, como se refere ao planeta.

 

 

O padre João Poul Hansen falou da importância do documento e do empenho da igreja católica na luta bom um meio ambiente equilibrado e protegido. O eclesiástico destacou, inclusive, que o tema da campanha da fraternidade de 2025 será “Fraternidade e ecologia integral”, o que simboliza um empenho eclesiástico em prol da causa.

O religioso falou sobre a visão do Papa Francisco acerca do uso correto da propriedade privada atrelado à preservação ambiental. Para ele, recai sobre o dono de qualquer propriedade, em especial as localizadas em área rural, uma obrigação social de preservação como uma orientação divina. “Há uma destinação universal dos bens. Sobre toda propriedade privada recai uma hipoteca social, ninguém pode fazer o que quiser de sua propriedade privada se aquilo que ele quer fazer prejudica o todo, a sociedade”, afirmou.

Padre Poul argumentou ainda que a falta de preservação do meio ambiente tem com o reflexos os desastres climáticos, que vitimam principalmente as populações mais pobres. O sacerdote menciona casos de desmoronamento de encostas

enchentes e secas na Amazônia, que afetam majoritariamente regiões mais carentes. Para ele, é preciso um processo de conscientização dos mais ricos, uma vez que suas ações são determinantes para os impactos ambientais de forma geral. “Que aproveitemos este momento para influenciar a consciência ecológica”, defendeu.

A cerimônia contou ainda com a presença do responsável pela gestão de água e resíduos sólidos da Secretaria de meio Ambiente do GDF, Glauco Amorim. O evento teve transmissão ao vivo pela TV Câmara Distrital (canal 9.3) e pelo YouTube da CLDF

Fonte: Agência CLDF