ENTREVISTA
O Governo do Distrito Federal (GDF) tem sido pioneiro na adoção de medidas para combater a pandemia provocada pelo novo coronavírus (Covid-19) no Brasil – ações que têm como base estudos e dados locais e internacionais. Na capital, a Companhia de Planejamento do Distrito Federal (Codeplan) tem atuado na junção dessas informações para alimentar e nortear as medidas do Executivo.
“O governador acertou com a antecipação das medidas de isolamento. Elas têm surtido efeito, e vejam que hoje, felizmente, não temos o mesmo quadro de infecções de outras cidades, em que os casos se multiplicaram em poucos dias”, afirma o presidente da Codeplan, Jean Lima, em entrevista à Agência Brasília.
Ele destaca que o governo monitora o fluxo de pessoas no transporte coletivo e nas ruas, a atuação das unidades de saúde e os impactos sociais e econômicos – além de trabalhar com projeções de casos futuros para adquirir insumos e equipamentos de saúde.
Confira, abaixo, os principais trechos da entrevista.
Como a Codeplan tem contribuído no combate ao novo coronavírus (Covid-19)?
A Codeplan tem desempenhado um papel agregador de reunir os dados das pesquisas já desenvolvidas no âmbito socioeconômico com as informações de diversas áreas do governo – dados da Saúde, Segurança Pública, Mobilidade e Social. Com esse cruzamento de informações, a gente consegue apresentar cenários para que o governador possa tomar decisões e até mesmo propor políticas de enfrentamento ao vírus.
O Distrito Federal foi uma das primeiras unidades da federação a adotar medidas de prevenção contra a Covid-19. Com que tipo de dados vocês contribuíram para tomar decisões?
A Pesquisa de Amostra Domiciliar (PAD) foi uma das ferramentas que utilizamos. Ela funciona como um censo do Distrito Federal. Com ela, conseguimos mapear todo o território por faixa etária, sexo e região administrativa, e isso nos ajuda a entender as questões demográficas do DF: onde temos mais idosos, que estão no grupo de risco; qual o nível de acesso da população à internet, o que possibilita a ampliação de medidas como o teletrabalho e as aulas virtuais. Podemos ver também como está a questão do transporte público, quem utiliza, quem não. Ou seja, temos uma radiografia detalhada de todo o DF.
A partir dela, vimos a necessidade de ampliar as informações do Entorno. Então, o governador Ibaneis Rocha nos demandou para que, neste ano, a gente faça também a Pesquisa de Amostra Domiciliar dos Municípios da área metropolitana do DF. Ela é muito importante para entendermos o fluxo de pessoas na área metropolitana. A gente estima que 200 mil pessoas dessa área metropolitana trabalham no DF. Então, é importante monitorarmos esse fluxo de pessoas, a rede de atendimento da saúde, a rede de atendimento da educação, do transporte público e demais serviços.
Outra pesquisa importante para termos como termômetro num momento como esse é a Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED). Somos o único estado da federação que realiza esse levantamento. Com ele a gente consegue mapear os setores econômicos, a questão dos informais e profissionais autônomos, um dos mais afetados pela pandemia da Covid-19. Com esses cenários, podemos oferecer informações suficientes para que o governo tome medidas paliativas.
Então, antes de qualquer medida de contenção à pandemia, o governo está analisando todos esses dados?
O governador tem uma inteligência e feeling que conta muito, mas suas decisões são tomadas sempre com uma base científica. Ele verifica pesquisas, compara dados, quer conhecer os números. Utiliza protocolos internacionais de sucesso, como os de Singapura, Hong Kong e Japão. Ele quer tomar decisões sempre com embasamento em pesquisas, dados, e é isso que ele tem nos pedido sempre. Seja na Codeplan, seja nas secretarias, seja na Casa Civil, ele quer o maior número de informações e estudos para ajudá-lo na tomada de decisão.
Uma das maiores preocupações da população é com os reflexos do isolamento social na economia. Como o governo está monitorando essa questão?
Sim, estamos acompanhando tudo isso, apesar de a situação ser ainda muito nova do ponto de vista estatístico. Como eu disse, a PED é uma pesquisa mensal, e a gente retomou agora com a nova metodologia, que abrange inclusive o mercado do trabalho na área metropolitana. Com isso, vamos conseguir monitorar melhor e de maneira mais ampla os segmentos da economia mais afetados. Poderemos, inclusive, avaliar o impacto das medidas de isolamento social por segmento de atividade econômica.
Estamos falando de menos de 20 dias, desde o decreto de pandemia internacional. Então, a base de informações é de meses anteriores?
Boa parte das estatísticas que estamos utilizando é de pesquisas que realizamos antes da pandemia. Mas, com elas, é possível trabalharmos com projeções do ponto de vista estatístico. Ou seja, não refletem a realidade, porque não é possível mensurar a situação assim tão rapidamente, mas são dados atualizados que nos ajudam a projetar um futuro próximo. Por exemplo, o último dado que a gente tem do Caged, que é o Cadastro Geral dos Empregos Formais, é de fevereiro. É um dado recente, que em março atualiza. Com ele, a gente consegue mapear pelo setor de serviços o número estimado de empregados por área, tanto os formais quanto os informais. Isso é importante para nortear o governo a implementar ações para esse setor.
Dentro desse panorama, dá para saber quais são os segmentos mais afetados hoje? O governo já pensa em algo para socorrer essas atividades?
Temos uma peculiaridade em Brasília, que é o peso do serviço público na nossa economia. Isso nos dá uma boa retaguarda, já que metade da atividade econômica se concentra nele. A outra metade &
eacute; justamente a dos trabalhadores informais e autônomos. Esses, sim, são os mais atingidos, porque os negócios estão fechados e os serviços estão sendo suspensos. Há também uma preocupação do governo com a população de baixa renda, que está no Cadastro Único, algo em torno de 98 mil famílias. Boa parte deles, com o fechamento de escolas, tem dificuldade em alimentar os filhos. Todo esse levantamento foi feito, e o governo tem implementado medidas para arrefecer esse impacto. As secretarias de Economia e Desenvolvimento Social, juntamente com o Banco de Brasília [BRB], também estão estudando alternativas para isso. Nós, da Codeplan, não tomamos nenhuma decisão. Evidentemente que a gente subsidia as decisões dos gestores, mas não gera nenhuma política pública. A gente levanta as informações para subsidiar as decisões dos gestores.
É como um raio-X da realidade de cada setor? Vocês apresentam os dados, e as propostas de governo são encaminhadas depois?
Isto. O gestor se baseia nos dados que a gente consegue levantar. Às vezes, a própria secretaria tem as informações, e a gente apenas reorganiza e acaba alertando, com números, a necessidade de tomada de decisões preventivas. A dinâmica de todos no governo, em período de pandemia, de crise, não permite, às vezes, que as pessoas parem para lidar com esses dados. Então, a Codeplan entra trabalhando os dados para que, com informações consolidadas, as pastas possam tomar as melhores decisões.
“A dinâmica de todos no governo, em período de pandemia, de crise, não permite, às vezes, que as pessoas parem para lidar com esses dados. Então, a Codeplan entra trabalhando os dados para que, com informações consolidadas, as pastas possam tomar as melhores decisões”
Como está sendo a troca de estudos, dados e levantamentos entre os governos de estado e federal?
Temos parceria com o Ipea [Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada] e o IBGE [Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística]. Existe a Associação Nacional das Instituições de Pesquisa e Estatística do Brasil [Anipes], da qual a Codeplan faz parte; temos contato com o Instituto Mauro Borges [IMB], de Goiás, e com a Fundação João Pinheiro [FJP], em Minas Gerais. São alguns institutos que estão atuantes nesse processo de pandemia e fazendo esse trabalho de tentar subsidiar as decisões dos gestores, mas ainda não há uma ação muito bem articulada. A gente precisa se articular melhor para formular políticas públicas nesse momento de crise.
Como a atual gestão tem tratado a questão da pesquisa e ciência? Tem dado importância?
Sim, o governo valoriza isso, o que é muito bom para a população. O governador Ibaneis Rocha tomou, inclusive, a iniciativa de fortalecer a atuação da Codeplan. Existe um projeto de lei, em discussão na Câmara Legislativa do DF [CLDF], para que a Codeplan se transforme em um instituto de pesquisa. Seria uma iniciativa que, em 60 anos, não tivemos no DF. Uma decisão que institucionaliza uma autarquia responsável por todos os estudos demográficos e também socioeconômicos. Com isso, continuaremos a monitorar, por exemplo, o mercado de trabalho. O fato de a Codeplan estar no gabinete coordenado pela Casa Civil sobre a Covid-19 mostra que o governador precisa desse respaldo e acredita nessa atuação, acredita nos dados científicos, na produção de ciência para a gestão pública.
Com o impacto causado pelo novo coronavírus, já é possível ter uma projeção do Produto Interno Bruto [PIB] de Brasília?
Ainda não dá para fazer essa projeção agora. O cenário ainda é muito imprevisível; precisamos esperar mais um pouco para perceber como será essa retomada econômica.
Com os dados coletados até agora, já temos um perfil das vítimas do novo coronavírus?
Cruzando os dados internacionais da doença com aqueles produzidos pela Secretaria de Segurança Pública e a Secretaria de Saúde, já podemos traçar esse perfil. Quase 60% dos infectados são homens, e boa parte tem acima de 40 anos. É um perfil que a gente percebe nos mais de 300 casos confirmados no Distrito Federal. Agora, o que estamos tentando fazer é uma projeção, juntamente com a Vigilância Epidemiológica, dos possíveis infectados na capital para os próximos 15, 30, 60 e 90 dias. Mas isso só será possível agora, ao completarmos o segundo ciclo. Ou seja, desde a suspeita do primeiro caso, que foi em 5 de março, para hoje, já são 28 dias. Agora, a gente quase fecha um ciclo no ponto de vista estatístico e tem mais confiabilidade para fazer essa projeção, com a estimativa de quantos infectados e casos confirmados a partir dos dados que já temos. Nos próximos dias, vamos pegar firme nesses estudos para apresentar as conclusões em breve.
Ao restringir as pessoas na rua, o que o governo quis evitar?
Com base em experiências internacionais, o Brasil trabalha com um dado estimado de percentual de população – assintomáticos e sintomáticos -, além de um perfil de letalidade, que aumenta a partir dos 40 anos, sendo que a população mais vulnerável é, sem sombra de dúvida, a dos idosos acima de 60 anos. No Distrito Federal, sabemos, por meio de pesquisas demográficas regionalizadas, que temos em torno de 300 mil idosos. Deste total, um terço mora sozinho ou com outro idoso; e os outros dois terços dividem moradia com adultos e crianças. Ou seja, são mais de 200 mil idosos expostos a vetores [de transmissão] que circulam e levam para casa o vírus. Isso poderia impactar negativamente na saúde pública. Por isso, a decisão do governador de conter o fluxo dessas pessoas. Observe que entre os idosos também é maior o nível de letalidade.
“São mais de 200 mil idosos expostos a vetores que circulam e levam para casa o vírus. Isso poderia impactar negativamente na saúde pública. Por isso, a decisão do governador de conter o fluxo dessas pessoas”
O que vocês conseguiram ver desses assintomáticos? Que tipo de informações?
Os assintomáticos têm de todas as idades, sendo mais comuns entre as crianças e jovens. Para chegar a esses dados
, tomamos por base estatística a Europa e a Ásia. Infelizmente, não é um dado que ainda tem base na América e nem na África. Então, se calcula uma métrica estatística para embasar qual o perfil do assintomático e qual é o do sintomático. A partir daí, a gente adapta ao padrão demográfico do DF. Ou seja, temos um cálculo estatístico por idade e conseguimos ter ideia do percentual de pessoas sintomáticas e assintomáticas por idade e por sexo, mas esse é um dado meramente estatístico. É uma projeção. É para termos apenas uma ideia de qual é a nossa realidade. Por isso, é muito importante [adotar] as medidas de isolamento, porque não temos como identificar todos os assintomáticos, que, apesar de não apresentarem sintomas, podem transmitir a doença. O ideal seria ter testes para todos, porque saberíamos quem tem e quem não tem o vírus. Mas, como isso não é possível – não foi possível em lugar nenhum do mundo -, as medidas de isolamento são importantes para o controle da transmissão do vírus.
“O ideal seria ter testes para todos, porque saberíamos quem tem e quem não tem o vírus. Mas, como isso não é possível – não foi possível em lugar nenhum do mundo -, as medidas de isolamento são importantes para o controle da transmissão do vírus”
As pessoas falam muito da curva de infecção. O que é essa medida, e como mantê-la abaixo do nível esperado?
O governo optou por utilizar padrões de orientações e os protocolos de Singapura, um dos locais que conseguiram um melhor controle do vírus. Quando dizemos que estamos dentro do controle da curva, significa que estamos no limite das ações de Singapura, nem para mais, nem para menos. E, nesse contexto, o governador acertou com a antecipação das medidas de isolamento. Elas têm surtido efeito, e vejam que hoje, felizmente, não temos o mesmo quadro de infecções de outras cidades em que o quadro se multiplicou em poucos dias. O controle da curva é justamente isso: ir medindo dia a dia o número de casos e relacionando essas informações com o fluxo de pessoas, o funcionamento dos estabelecimentos, a dinâmica das cidades.
E como está essa avaliação no DF?
A gente tem uma concentração inicial de infectados na região do Plano Piloto. Já nas regiões mais populosas, como Ceilândia, Samambaia e Taguatinga, temos um número reduzido de casos. Só nessas cidades temos mais de 1,5 milhão de pessoas, então o que a gente verifica é que temos hoje uma concentração de infecção regionalizada. Isso é importante para mapear os locais e, a partir das decisões de isolamento, não permitir a pulverização de casos de infectados. E isso é muito importante para evitarmos que a população se contamine toda ao mesmo tempo, porque aí colapsaria o sistema de saúde.
Como está sendo o acompanhamento dos locais com maior fluxo de população?
Estamos utilizando os dados da bilhetagem do Banco de Brasília e as informações dos contratos de ônibus e de operação do metrô da Secretaria de Mobilidade. Por meio do número de viagens, a gente segue monitorando diariamente o transporte público, desde o dia 5 de março. O segundo dado é a informação das câmeras de monitoramento do Departamento de Estradas de Rodagem do DF [DER/DF], que consegue identificar o fluxo de veículos nas principais vias do DF. A partir desses cálculos, a gente transporta tudo para uma tabela, na qual o governador pode ter a dimensão do fluxo de pessoas na cidade. Do dia 5 ao dia 23 de março, por exemplo, a gente observa uma diminuição de 78% do número de passageiros no transporte público, considerando ônibus e metrô. O fluxo de carros também caiu em torno de 50%. Uma queda significativa e importante. Outro monitoramento feito pela Casa Civil é por meio de um convênio com empresas de telefonia celular. A gente consegue identificar, por meio dos sinais de aparelhos telefônicos, o fluxo de deslocamento da população.