O audiovisual pode ser uma forma de reaproximar as comunidades da tradição de transmitir as histórias pela fala e conversas, avalia o cineasta Ariel Ortega. Guarani da região de São Miguel das Missões (RS), ele contou a respeito das suas experiências com audiovisual dentro das comunidades indígenas em seminário promovido esta semana pelo Museu de Arte de São Paulo (Masp).
“A nossa cosmologia, a nossa cultura é passada oralmente. Com as escolas, com toda a influência da cultural ocidental já não se faz muito isso de sentar ao redor do fogo”, conta sobre como essa tradição foi perdendo força ao longo dos anos. No entanto, ao fazer seu primeiro filme, em 2007, Ortega disse que pode usar o cinema para atualizar essa vivência de diálogo dentro da comunidade.
Nessa produção, o coletivo de indígenas passava o dia fazendo imagens do dia a dia na aldeia. “A gente pega a câmera e sai filmando e caçando histórias”, diz. Ao final do dia, eles convidavam a comunidade para assistir o material e discutir quais temas deveriam ser abordados. “A gente assiste com os jovens, com os idosos. A aldeia vai participando e nós vamos elaborando o roteiro do que a aldeia quer que a gente conte a partir desse material”, acrescenta.
Desde então, Ortega já lançou cinco filmes – Duas Aldeias, Uma Caminhada; As bicicletas de Nhanderu (2011); Desterro Guarani (2011); Tava, a casa de pedra (2012) e No caminho com Mario (2014). Atualmente, está finalizando seu primeiro longa de ficção – Canuto.
Quebra de estereótipos
O cinema também se mostrou, segundo o cineasta, uma ferramenta importante para melhorar a compreensão dos não-indígenas a respeito das comunidades tradicionais. “Infelizmente, no Brasil, a população em geral tem pouco conhecimento dos povos indígenas, não sabe que são tantas línguas e etnias. O cinema é muito importante, porque a gente conta a nossa história”, enfatiza.
Um impacto que Ortega relata ter percebido até mesmo no município onde está a aldeia, que tem um passado fortemente ligado aos indígenas por ter se originado em uma antiga missão jesuíta. “Isso mudou muito no município principalmente. A dignidade, a valorização cultural [aumentaram]. Muda o olhar do estereótipo que o indígena tem que ser seminu, usar cocar, arco e flecha”, ressalta.
Para o cineasta, essa dificuldade de uma parte da população em enxergar como os povos indígenas se mantém em sintonia com as evoluções tecnológicas e sociais é um dos preconceitos que os filmes ajudam a combater. “A minha cosmovisão da realidade, o meu sentimento continua sendo indígena. Até hoje a sociedade brasileira não enxerga isso, o indígena tem que estar congelado no passado, seminu”, critica.