Para aqueles que ainda não compreenderam a proposta do Policiamento Inteligente irei fazer mais uma explanação. O policiamento inteligente está divido em três fases. A primeira delas é a fase da conscientização, nessa fase trabalhamos uma ideologia e uma filosofia. Aqui o objetivo é a seleção de voluntários para o projeto, pessoas que acreditam que é possível. A segunda fase é a metodológica, nela planejamos a curto, médio e longo prazo. Posteriormente desenvolvemos métodos de mobilização interna e externa, fazendo lobby onde for necessário, objetivando no futuro a implementação das ações, para posteriormente começarmos a desenvolver planejamentos orientados para o problema, criando ações individuais, qualificação profissional, e coletivas, a última por meio de políticas públicas, voltadas para sanar determinados problemas que já foram identificados na segunda fase. Tudo isso quebrando pré-conceitos por meio de conceitos, o que em nossa concepção irá gerar um novo conhecimento, ou seja, um novo paradigma dentro do sistema de segurança pública, consequentemente a mudança cultural em nosso meio.

Por isso, o trabalho é feito de forma sistematizada e lenta. A visão está contida em três grandes pilares, administrativo, educacional e policial. Em nossa visão a Administração deve migrar do hibrido que temos hoje (patrimonialista/burocrático) para o modelo gerencial, o que está dentro do conceito de gestão pública contemporânea, que busca a eficiência, eficácia e efetividade da polícia, já o modelo educacional, que hoje é o modelo tradicional, adotado pela escola superior de guerra, em nossa concepção, deve ser substituído por um modelo mais crítico, adequado a uma sociedade crítica, ou seja, fundamentado na pedagogia da libertação, e por  último, na questão de polícia, sugerimos uma migração do modelo francês, para um modelo brasileiro de polícia, alicerçado na filosofia de polícia comunitária, mais próximo do modelo inglês.

Para tal, necessitamos compreender como a cultura é formada. Precisamos entender a visão de nossa corporação, em sua gênese, nossas metas, nossas crenças, nossos valores e nossas suposições pessoais sobre como as coisas devem ser. A cultura pode ser pensada como a aprendizagem acumulada e compartilhada por determinado grupo, cobrindo os elementos comportamentais, emocionais e cognitivos do funcionamento psicológico de seus membros. Dada tal estabilidade e histórico compartilhado, a necessidade humana por estabilidade, consistência e significado levará os vários elementos compartilhados a formar padrões que, finalmente, podem-se denominar cultura.

Precisamos compreender que a cultura de um grupo pode ser definida como um padrão de suposições básicas compartilhadas, que foi aprendido por um grupo à medida que solucionava seus problemas de adaptação externa e de integração interna. Fico imaginando a viagem feita por nossos antecessores do Rio de Janeiro para a nova capital, quantos problemas tiveram que ser solucionados? O quanto precisaram se adaptar? Só isso já tornou a nossa polícia completamente diferente de nossa genitora. Esse padrão de comportamento tem funcionado bem o suficiente para ser considerado válido e, por conseguinte, para ser ensinado aos novos membros como o modo correto de perceber, pensar e sentir-se em relação a esses problemas.

Tenho criando muitos incômodos mentais, pois tenho agido diretamente nas crenças, nos valores e nas suposições de um grupo. É preciso compreender que, a cultura de um grupo é o resultado de sua aprendizagem acumulada, sendo assim, como descrever e catalogar o conteúdo dessa aprendizagem? Para Edgar Schein, no livro: Cultura Organizacional e Liderança:

“Quaisquer grupos e teorias organizacionais distinguem importantes conjuntos de problemas com que todos os grupos, não importam seus tamanhos, devem lidar:

1)    Sobrevivência, crescimento e adaptação em seu ambiente;

2)    Interação interna, que permite o funcionamento diário e a capacidade de adaptar-se e aprender.”

Para ele, ambas as áreas de funcionamento do grupo refletirão o contexto cultural mais amplo em que o grupo existe, e do qual são derivadas suposições básicas mais amplas e profundas sobre a natureza da realidade, tempo, espaço, natureza humana e relacionamentos humanos.

Quando um grupo forma sua cultura, os elementos dessa cultura serão transmitidos às novas gerações de membros do grupo. Estudar o que se ensina aos novos membros de um grupo é uma forma de descobrir alguns elementos de uma cultura, entretanto, por esse meio, podem-se aprender apenas superficialmente os aspectos dessa cultura, é fato, que muito do que representa o âmago de uma cultura não será revelado nas regras de comportamento ensinadas aos novatos, talvez por isso, ao sair da academia os mais antigos tendem a nos dizer que a prática é bem diferente da “teoria”. Essas regras serão reveladas a esses membros à medida que ganharem status permanente e receberem permissão de entrar nos círculos mais íntimos do grupo onde os segredos são compartilhados. São nesses círculos onde estão os níveis mais profundos de uma instituição. Para se atingir esses níveis mais profundos, deve-se tentar entender as percepções e sentimentos que surgem em situações críticas e observar e entrevistar os membros regulares ou os “veteranos” para obter um senso correto das suposições compartilhadas de nível mais profundo. Talvez isso explique porque as associações são representadas pelos mais “antigos” e “experientes”, o que faz com que o pensamento “predominante” seja perpetuado em nosso meio. Como disse uma vez, aqueles que mais pregam a “desmilitarização” ou “unificação” são aqueles que mais perpetuam o status quo em nosso meio, pois sempre usam a mesma “lógica” dentro do sistema, precisamos aprender que para recebermos coisas novas, devemos necessariamente fazer coisas novas!