Um estudo realizado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) indica que o Rio Paraopeba vem se recuperando dos impactos causados pelo rompimento da barragem da mineradora Vale que ocorreu em janeiro do ano passado, em Brumadinho (MG). A pesquisa identificou uma redução progressiva na concentração de parâmetros variados como alumínio dissolvido, antimônio total, cobre dissolvido, ferro dissolvido, manganês total e zinco total.

O rompimento da barragem causou 270 mortes e liberou no ambiente 11,7 milhões de metros cúbicos de rejeitos. Parte desse volume alcançou o Rio Paraopeba. Desde então, a captação direta no trecho mais poluído está proibida pelo Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam), órgão vinculado ao governo de Minas Gerais.

Encomendado pela própria Vale e divulgado ontem (5), o estudo foi conduzido por pesquisadores do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia (Coppe/UFRJ). Foram analisadas amostras de água coletada em quatro momentos distintos: abril de 2019, maio de 2019, agosto de 2019 e março de 2020.

Em nenhuma delas, houve superação dos limites estabelecidos pela legislação para as concentrações de bário total, berílio total, boro total, cádmio total, chumbo total, cobalto total, cromo total, lítio total, níquel total, urânio total e vanádio total. Também foram constatados parâmetros adequados para arsênio total, mercúrio total, prata total e selênio total.

Por outro lado, em abril e maio de 2019, algumas amostras apontaram concentrações acima dos limites legais para alumínio dissolvido, antimônio total, zinco total, ferro dissolvido e cobre total. Porém, na coleta mais recente realizada em março de 2020, houve redução significativa do número de pontos do Rio Paraopeba em que algum destes elementos apareceu com parâmetros inadequados.

O estudo sinaliza que, no período chuvoso, a suspensão de sedimentos localizados no fundo do rio pode causar o aumento da concentração de alguns metais. É o caso, por exemplo, do manganês. Na coleta de março de 2020, amostras de 23 pontos estavam acima do limite previsto pela legislação. Nas coletas anteriores, de abril, maio e agosto de 2019, o número de pontos nesta situação foi, respectivamente, 19, 13 e 7.

“Este resultado indica uma redução na concentração de manganês total no período de amostragem no período de seca e aumento no período chuvoso. Cabe ressaltar que o manganês dissolvido apresentou valores muito menores, inclusive na amostra concentrada por osmose inversa. Este resultado é uma clara indicação que no período chuvoso há ressuspensão de material depositado no leito do rio”, registra o estudo.

Essa interferência das chuvas na qualidade da água vem sendo destacada recorrentemente também em relatórios do Igam. Em maio, o órgão divulgou um caderno com os resultados de um ano de análise, contado a partir do dia em que ocorreu a tragédia. O documento destaca que, no período chuvoso entre o final de 2019 e início de 2020,  pluma de rejeitos foi remexida e trazida de volta à superfície. Na ocasião, diversos parâmetros permaneciam elevados.

“Os resultados de alumínio dissolvido no mês de maio apresentaram violações em algumas estações localizadas nos trechos 1 a 4 do Rio Paraopeba. Os resultados apresentaram valores até 1,6 vezes acima do limite legal”, apontou o Igam na ocasião.

O estudo da UFRJ também avaliou os valores de turbidez, que superaram os limites legais na coleta de março. Associada à qualidade das águas superficiais, a turbidez tende a aumentar quando chove e há suspensão de sedimentos no leito do rio. Fazendo a ressalva em relação ao impacto da chuvas, os pesquisadores concluem que, nos períodos de seca, os dados indicam a recuperação das condições adequadas para um rio classe 2. Segundo classificação do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), rios classe 2 são capazes de oferecer água que possa ser tratada e, em seguida, usada no consumo humano.

“No período de seca, realmente temos uma situação de normalidade do rio. No período de chuva, há ressuspensão de materiais depositados não só relacionados ao rejeito, mas também relacionados a outros tipos de contribuição externa, como as atividades agropecuária e os resíduos urbanos. O estudo mostra que, após tratamento adequado, é possível alcançar os limites de potabilidade da água prescritos em portaria do Ministério da Saúde e, assim, ela pode ser utilizada. Mesmo no período chuvoso, é possível deixar essa água própria pra consumo, o que dependeria da eficiência do processo de tratamento”, diz Fabiana Valéria da Fonseca, pesquisadora da Escola de Química da UFRJ que integrou o estudo.

Segundo ela, em alguns pontos do rio, as amostras indicaram que a água já alcançou padrão de qualidade exatamente igual ou até melhor do que antes da tragédia. “Há uma preocupação muito grande da comunidade e o que a gente observa é uma progressiva melhora. Então é um estudo que deixa a população mais segura de que é possível recuperar o rio”, acrescenta.

Solo

Além da qualidade da água, o estudo da UFRJ também avaliou amostras do solo dentro da barragem que se rompeu e em áreas adjacentes. Os pesquisadores verificaram através de análises físicas e químicas se, nos períodos de chuva, o arraste de sedimentos poderia gerar nova contaminação no Rio Paraopeba.

Para tanto, identificaram três grupos de materiais presentes no rejeito que vazou: areias, argilas e minério de ferro, este último com predomínio de hematita e presença de magnetita e goethita, além de baixos teores de óxidos de alumínio, de manganês e de outros metais. As análise apontaram que a ação da água da chuva só dissolve uma fração de minerais presentes no rejeito, gerando assim concentrações menores ou semelhantes às que já são encontradas no Rio Paraopeba. A conclusão é de que o impacto físico ao meio ambiente preocupa mais do que impacto químico.

“Considerando a alta resistência química do minério, esta fração não apresenta risco de contaminação química de águas, apesar de representar grande dano físico ao meio ambiente, especialmente na região de Brumadinho e região metropolitana de Belo Horizonte”, aponta o estudo. Os pesquisadores sugerem análises mais aprofundadas com amostras de pescado e de produtos agropecuários da área atingida.

Captação proibida

Por enquanto, a captação direta de água no trecho do rio mais poluído pelos rejeitos de mineração continua proibida pelo Igam. Furar poços artesianos para captação subterrânea é uma alternativa autorizada pelos órgãos ambientais para quem está a mais de 100 metros da margem, mas nem sempre é bem sucedida. A situação vem impactando pescadores, agricultores e ribeirinhos. Muitos estão com suas atividades paralisadas. Outros estão contando com o auxílio de caminhões pipa, mas o serviço nem sempre atende às necessidades.

“Existem muitos relatos de fornecimento de água intermitente, o que aumentou no período de pandemia. O número de reclamações tem surpreendido. Todos os meses, apresentamos à Vale pedidos de água para pessoas que relatam desabastecimento ou abastecimento insatisfatório. Não é só falta de água, mas também entrega de água de má qualidade”, conta Luiz Otávio Ribas, coordenador institucional da Associação Estadual de Defesa Ambiental e Social (Aedas), entidade escolhida pelos próprios atingidos de Brumadinho para assessorá-los.

O Igam não estipula previsão para liberação da captação no Rio Paraopeba. Desde a tragédia, o órgão vem monitorando a qualidade da água. Uma preocupação que aparece em seus relatórios está relacionada com as substâncias que podem ter sido arrastadas para o rio pela força da onda de lama. Boletim de setembro de 2019, por exemplo, revelou que níveis de chumbo e mercúrio se elevaram logo após a tragédia, embora esses metais não fizessem parte da composição do rejeito.

“O mercúrio total, que não tinha sido detectado historicamente na bacia do Rio Paraopeba, passou a ser identificado em valores também acima do permitido pela legislação logo após o rompimento da barragem. A presença desses contaminantes está associada ao arraste de materiais que se misturaram à lama durante a passagem da frente de rejeito”, apontou o boletim na época.

Soluções

 

A cidade de Brumadinho ainda se recupera um ano após a tragédia
A cidade de Brumadinho ainda se recupera um ano após a tragédia

A cidade de Brumadinho ainda se recupera um ano após a tragédia – Divulgação Vale/Direitos Reservados

Para intensificar atividades vinculadas à constatação, reparação ou compensação dos danos, o Igam e outros órgãos ambientais do governo mineiro costuraram um acordo com a Vale para contratação temporária de 40 profissionais. A Vale também dá andamento a algumas ações como o programa Marco Zero, que prevê a reconstituição das condições originais do Ribeirão Ferro-Carvão e a revegetação das matas ciliares com plantas nativas da região, além da recuperação do Rio Paraopeba.

Mas alguns problemas não puderam esperar pelo restabelecimento da qualidade da água. Soluções precisaram ser construídas para afastar riscos de desabastecimento da região metropolitana de Belo Horizonte. Isso porque a tragédia impactou o pleno funcionamento do Sistema Paraopeba, operado pela Companhia de Saneamento de Minas Gerais (Copasa), estatal vinculada ao governo mineiro responsável pelo fornecimento de água para a maioria dos municípios do estado.

Negociações entre a Vale, o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) e o Ministério Público Federal (MPF) levaram a um acordo para a construção de um novo ponto de captação de água no Rio Paraopeba, em local antes do ponto contaminado pelos rejeitos. O assunto também esteve em pauta esse ano. Em maio, a Justiça acatou pedido do MPMG e determinou que a mineradora adotasse medidas para recuperar o Rio das Velhas, como forma de evitar uma possível crise hídrica decorrente da poluição do Rio Paraopeba.

A bacia do Rio das Velhas é outra fonte de captação da região metropolitana e acabou sendo mais exigida após a tragédia. A sobrecarga, segundo o MPMG, compromete a qualidade das águas, o que demanda ações compensatórias voltadas para a recuperação de nascentes degradadas e a recuperação de áreas de preservação permanente.

Um problema particular enfrentou Pará de Minas. A cidade de 93 mil habitantes entregou, em 2015, seus serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário para a concessionária Águas do Brasil. Uma vez que não está entre os municípios atendidos pela estatal Copasa, precisou negociar com a mineradora um acordo bilateral, que levou à inauguração em julho de uma nova captação de água no Rio Pará.