Dois anos após os ataques às sedes dos Três Poderes em 8 de janeiro de 2023, o Supremo Tribunal Federal arquivou o inquérito que investigava o governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB), por suposto envolvimento nas invasões. A decisão do ministro Alexandre de Moraes encerra formalmente a apuração, mas abre espaço para uma análise mais ampla sobre os limites do Judiciário e o equilíbrio entre os Poderes.

O caso de Ibaneis foi atípico em diversos aspectos. Diferente de outros investigados, o governador não apenas foi alvo de um inquérito, mas também sofreu um afastamento de mais de dois meses do cargo para o qual havia sido eleito em 2022. A medida, determinada monocraticamente por Moraes, foi justificada pela suposta necessidade de impedir que Ibaneis destruísse provas ou interferisse na investigação sobre possíveis omissões do governo do DF na contenção dos atos golpistas.

O problema central dessa decisão reside na ausência de evidências concretas que justificassem a sanção extrema do afastamento. O relatório final da Procuradoria-Geral da República, assinado por Paulo Gonet, indicou que não havia provas de conivência ou omissão intencional do governador. Pelo contrário, documentos analisados pela PGR mostraram que Ibaneis repudiou os ataques e solicitou auxílio da Força Nacional para a proteção da ordem pública.

Esse desenrolar levanta questionamentos sobre o papel do STF e, em especial, do ministro Moraes. A atuação do Judiciário em momentos de crise institucional é fundamental para a defesa da democracia, mas deve ser pautada por princípios como a imparcialidade, a proporcionalidade das medidas adotadas e o respeito ao devido processo legal. O afastamento de um chefe do Executivo, seja ele um prefeito, governador ou presidente, não pode ocorrer sem um conjunto robusto de evidências que o justifique. Caso contrário, corre-se o risco de minar a segurança jurídica e criar precedentes preocupantes para o equilíbrio entre os Poderes.

Outro aspecto crítico do caso foi a forma como a decisão foi tomada. Moraes determinou o afastamento de Ibaneis sem que houvesse um pedido específico para isso. A ação movida pela Advocacia-Geral da União e pelo então líder do governo no Congresso, Randolfe Rodrigues (à época na Rede), pedia a prisão de todos os envolvidos nos ataques, mas não mencionava diretamente a necessidade de afastamento do governador. Mesmo assim, o ministro justificou sua decisão argumentando que o afastamento era uma medida menos gravosa que a prisão – desconsiderando o fato de que a prisão de Ibaneis sequer havia sido solicitada.

Além disso, a decisão foi tomada de forma monocrática e só depois submetida ao referendo do plenário do STF, em votação virtual. Esse modelo de deliberação levanta debates sobre a transparência e a necessidade de maior colegialidade em decisões que impactam diretamente o equilíbrio institucional do país. O julgamento de uma questão tão sensível deveria ter ocorrido em plenário físico, permitindo debates mais aprofundados entre os ministros.

A defesa da democracia não pode ser feita às custas da violação de garantias fundamentais. O STF tem sido peça-chave na proteção do Estado de Direito contra ameaças institucionais, mas, ao adotar medidas excepcionais sem o devido respaldo probatório, corre o risco de fragilizar sua própria legitimidade. O arquivamento do caso de Ibaneis Rocha deveria servir como um alerta para que decisões futuras sejam tomadas com maior rigor técnico e respeito às garantias constitucionais.

O Brasil ainda enfrenta desafios para consolidar uma democracia sólida e resiliente. Para que essa construção seja bem-sucedida, é essencial que o Judiciário atue com equilíbrio, garantindo a proteção das instituições sem ultrapassar os limites de sua própria competência. O episódio do afastamento de Ibaneis é um lembrete de que a separação entre os Poderes é um princípio fundamental que deve ser preservado, mesmo diante das maiores crises.

** Uma breve análise com base no Editorial da Folha de São Paulo, publicada nesta segunda-feira (10), que esclarece de maneira didática a “farsa” montada para afastar o Governador Ibaneis Rocha do goveno e enfraquecer o poder local.