Um crime violento, em uma das regiões mais movimentadas de Brasília, fez explodir a sensação de insegurança entre os moradores do Distrito Federal. A analista terceirizada do Ministério da Cultura e pós-graduanda da Universidade de Brasília Maria Vanessa Veiga Esteves, de 55 anos, foi covardemente assassinada, com uma facada nas costas, durante um assalto na porta do bloco onde morava, na 408 Norte. O latrocínio chocou os brasilienses pela brutalidade e frieza dos bandidos, e também porque a dupla que abordou Vanessa na noite da última terça-feira (8/8) estava em liberdade, mesmo sendo reincidente em roubos violentos.
A mineira, que escolheu viver em Brasília por achar a capital da República uma cidade tranquila, agiu de acordo com as orientações das autoridades de Segurança Pública em todo o mundo: entregou a bolsa e não reagiu à ação dos ladrões. Ainda assim, foi esfaqueada, o que deixou especialistas e policiais do DF perplexos. “Foi um crime covarde, cruel, bárbaro e hediondo. Não havia a menor necessidade de matar a vítima”, lamenta o titular da 2ª Delegacia de Polícia do DF, Laércio Rosseto, responsável pela investigação.
Os dois autores desse latrocínio eram velhos conhecidos da polícia do Distrito Federal. Alecsandro de Lima Dias, de 26 anos, cumpria prisão domiciliar e tinha passagens por recepção e dois assaltos. Seu comparsa, de 15 anos, também coleciona atos infracionais, inclusive roubos. Segundo as investigações, eles queriam trocar os objetos da vítima por drogas.
“A morte dessa senhora é um grito de alerta porque ocorreu no Plano Piloto, onde não é habitual esse tipo de crime, com incidência maior nas periferias. O caso é emblemático e mostra que a curva de violência parece ter saído do lugar no Plano“. George Felipe de Lima Dantas, consultor em segurança pública
Mas o caso de Maria Vanessa não é isolado. Entrou para a triste lista dos recentes crimes bárbaros registrados nas cidades do DF. Também tombou por mãos criminosas o comerciante Clodoaldo Alencar, atingido por um tiro dentro de sua loja de motos, em Sobradinho, no última dia 3. Em 21 de julho, o vigilante Carlos Carvalho Pereira foi alvejado por bandidos que invadiram seu local de trabalho, no Ginásio de Esportes da Candangolândia. Ele estava desarmado. O taxista José Soares Brandão e a professora Raquel Costa Miranda reforçam a estatística e a dor de inúmeros familiares e amigos.
Livres e reincidentes
Há outra característica comum entre essas ocorrências: o fato de boa parte dos autores já responder por outros crimes violentos, mas permanecer livre até matar uma vítima. Uma situação que aumenta o terror da população e desanima as autoridades policiais. O chefe da Comunicação da Polícia Militar do Distrito Federal, major Michello Bueno, por exemplo, apreendeu o adolescente de 15 anos que esfaqueou a servidora do Ministério da Cultura no dia 28 de julho. O garoto foi flagrado pelo militar em uma tentativa de roubo a pedestres na 306 Norte.
É uma situação que causa um retrabalho para polícia. Temos que estar constantemente capturando os mesmos criminosos. E só prendemos em flagrante. Mas no outro dia esse indivíduo está nas ruas. É chato para os policiais porque têm casos de crimes graves e eles continuam soltos. Acaba que somos cobrados pela população, que não entende o porquê dessas pessoas não estarem presas” Major Michello Bueno, chefe da Comunicação da PMDF
Os números levantados pela Secretaria de Segurança e da Paz Social apontam que, de janeiro a julho deste ano, 20 brasilienses morreram vítimas de latrocínio. No mesmo período de 2016, foram 28 ocorrências. A incidência de homicídios para a mesma época é de 270 contra 334 registros no ano passado. Na comparação com julho de 2016, as tentativas de homicídio cresceram 35%: foram 81 ocorrências neste ano contra 60 no ano passado.
Em 50% dos casos de latrocínio registrados em 2017 foram utilizadas armas de fogo. O segundo instrumento preferido dos bandidos são as armas brancas, opção em 28% das incidências. Objetos contundentes (11%), violência física (6%) e perfurocortante (5%) fecham a materialização dos roubos seguidos de morte.
Prevenção e ambiente
Especialistas ouvidos pelo Metrópoles apontam que a prevenção ao crime e o ambiente influenciam diretamente nas ocorrências. O professor e consultor em segurança pública George Felipe de Lima Dantas vê na tecnologia uma ferramenta para evitar esses atos.
“O investimento na tecnologia é melhor do que a reação para algo que já aconteceu. Efetivos são poupados e podem operar em menor número quando deixam de fazer patrulhamentos aleatórios para conter o fenômeno da violência quando ele ainda está em formação”, explica.
Esse tipo de contenção de crimes é chamado de policiamento preditivo. Ele é recorrente e aplicado com sucesso em cidades dos Estados Unidos, como Los Angeles. A Polícia Militar do Distrito Federal conta com uma Central de Inteligência, enquanto a Secretaria de Segurança Pública (SSP) dispõe de um setor voltado apenas para o suporte às chamadas operações de inteligência. Ele é gerido por Marcelo Ottoni Durante, subsecretário de Gestão da Informação (SGI).
“A Asa Norte não tinha um latrocínio há quatro anos. E, na Asa Sul, tivemos um em fevereiro. Esses casos acontecem de forma esporádica. O que tentamos é prevenir onde eles mais ocorrem, assim como os casos de roubo, que podem vir a gerar o latrocínio. Nosso foco é no roubo e no recolhimento de armas nas ruas”, detalha Marcelo Durante.
Estudioso em ambientes do crime, major da PMDF e pesquisador de prevenção criminal da Universidade de Brasília (UnB), Isângelo Senna avalia que o ambiente onde ocorreu o assassinato de Maria Vanessa Veiga era seguro. Mas considera que algo deu errado – e isso deve ser levado em consideração para conter a violência nas ruas do Distrito Federal.
“A quadra em questão tem as características de prevenção criminal: apartamentos baixos, sem cerca, com boa visibilidade, pilotis, árvores podadas. Elementos que eram para inibir [a violência] e falharam. O que fica é a certeza da impunidade, nada mais inibe” Isângelo Senna, PM e pesquisador de prevenção criminal da UnB.
Suporte psicológico
Para além de números, estatísticas e estratégias está a dor irreparável das famílias das vítimas de homicídios e latrocínios no Distrito Federal. O conforto de amigos e familiares, aliado ao trabalho e à assistência psicológica, ajuda os parentes de quem partiu a seguir em frente. O sofrimento, no entanto, é apenas amenizado. Jamais cessa.
O assassinato de Jéssica Leite, na EQNL de Taguatinga, ocorreu quando a moça cursava o penúltimo ano da faculdade de jornalismo. Um homem e uma mulher se aproximaram da jovem e lhe cravaram uma faca no peito, que atingiu o coração da moça. Ela concluiria a graduação agora. “Acabou toda uma vida de sonhos, o curso que ela amava. Não poderei ver a sua formatura”, consterna-se Mônica Santos.
Segundo o psicólogo Thiago Petra, o suporte às famílias que perderam alguém de forma violenta deve ocorrer em duas etapas. Primeiramente, as pessoas próximas devem se fazer presentes, formando um ambiente agradável, seguro e afetuoso. Depois entra o trabalho de um ou mais profissionais.
O trabalho da psicologia ajudará a pessoa a dar sentido e significado ao episódio, sendo esse momento delicado e de grande importância, pois a pessoa precisará reinventar a maneira de ver e sentir a vida, podendo, então, se transformar ou se cronificar (tornar-se crônico)“
Fonte: Site Metrópoles – Texto de Ian Ferraz