Há 100 anos, nascia Maria Clara Machado. Autora de clássicos da dramaturgia, Maria Clara transformou o teatro infantil brasileiro: “A Clara veio com uma estrutura dramática como se fosse uma peça pra adulto. Como se fosse um Moliére. Eram peças mais curtas, mas que tinham a apresentação dos personagens, tinham resolução de conflito. Ela não diminuía a percepção, a sensibilidade de criança”, destaca Cacá Mourthé, sobrinha da dramaturga e atual diretora de O Tablado.

Em 1951, Maria Clara fundou O Tablado junto a um grupo de artistas e intelectuais do Rio de Janeiro. Com a montagem de peças para adultos no início e, posteriormente, peças infantis, nos anos 1960, Maria Clara se espalhou pelo Brasil. “Ela é a referência. Não há outras expectativas que possam competir com Maria Clara”, explica Cláudia de Arruda Campos, autora do livro “Artistas Brasileiros – Maria Clara Machado”.

Louise Cardoso entrou ainda adolescente para O Tablado. Lá, foi aluna, atuou em diversas peças e se tornou uma das professoras da escola. A atriz lembra da primeira impressão que teve no dia em que conheceu Maria Clara Machado: “Ela já tinha 50 anos, mas tinha um jeito muito juvenil, muito jovem.” E completa: “O Tablado era uma efervescência. Era ebulição e essa ebulição me pegou.”

Maria Clara Machado e Louise Cardoso.

Maria Clara Machado e Louise Cardoso. – Acervo/O Tablado

Histórias

Louise ainda tem na memória o momento em que foi chamada para o primeiro papel: “Eu estava tomando chá das 17h – o chá que tinha que tomar, que eu aprendi a tomar – e ela falou, ‘Louise você quer fazer A Menina e o Vento, o papel da Tia Adelaide?’. A atriz conta que ficou desconcertada: “Atuar numa peça de Maria Clara Machado era um sonho.”

Na década de 1980, a compositora, cantora e educadora musical, Bia Bedran, chegou a entrevistar Maria Clara para o programa que comandava na antiga TVE do Rio: “Eu ainda lembro do cheiro do camarim. Eu não tinha entrevistado nunca Maria Clara na vida. Foi a primeira vez que eu cheguei perto dela e pude, como artista, estar nesse papel de entrevistar uma pessoa que, para mim, era uma espécie de ídolo.” E complementa: “O que eu acho lindo é essa eternidade de O Tablado. É incrível.”

Uma década depois, O Tablado ainda pulsava. Foi nos anos 1990 que a atriz Miriam Freeland entrou para o grupo: “Aquilo era muito potente, aquela troca. Eram muitos jovens juntos. O Tablado era um celeiro, era uma paixão mesmo.”  Miriam atuou em diversas peças da dramaturga, como A Coruja Sofia e Pluft, o Fantasminha. Para ela, “todo mundo que passou por O Tablado fez daquilo sua casa. O espírito do lugar era o espírito de amadores, de amar aquilo e cuidar daquilo, daquela casa, daquele espaço. A Clara sempre deixou isso muito claro.”

Miriam Freeland, atriz.

Miriam Freeland, atriz. – Divulgação/TV Brasil

Entrevistas

A produção do Caminhos da Reportagem resgatou duas entrevistas históricas concedidas por Maria Clara à TVE do Rio de Janeiro. Uma do ano de 1977, para o programa Os Mágicos e outra, de 1984, para Os Astros – ocasião em que a autora relata a inscrição para um concurso de peças:

“O Rapto das Cebolinhas foi o que me fez ser escritora. Escrevi em 20 dias, levei, ganhei. No ano seguinte, escrevi A Bruxinha que era Boa. Ganhei também.” Durante a entrevista, Maria Clara conta que, por orientação de seu pai – o escritor Aníbal Machado –, deixou de inscrever para o concurso o que seria, posteriormente, seu maior sucesso: Pluft, o Fantasminha. Criada em 1955, a peça acabou ganhando projeção internacional, foi traduzida para diversos idiomas e encenada nos Estados Unidos e na Europa. 

Pluft, o Fantasminha, de 1974

Pluft, o Fantasminha, de 1974 – Acervo/O Tablado

Alguns anos depois, Maria Clara nos presenteou com O Cavalinho Azul. A obra foi adaptada para o cinema e, em 2001, recebeu música e libreto do compositor, arranjador e autor teatral, Tim Rescala, que diz: “O que é interessante é o fato de voltar a obra dela. Assim como vez ou outra a gente volta a Bach, a gente volta a Pixinguinha, a gente deve sempre voltar a Maria Clara Machado”.

Para Miguel Vellinho, doutor em artes cênicas da UniRio, O Cavalinho Azul é uma obra quase sensorial, “porque já tem ali uma construção, está ali, colocadas as árias, os duetos. Não são diálogos, são duetos. São tercetos. Só estava faltando chegar as músicas ali.”

Em 2000, Maria Clara Machado se despediu dos palcos com a peça Jonas e a Baleia, escrita por ela e pela sobrinha Cacá Mourthé. Um ano depois, em 30 de abril, a autora de clássicos do mundo infantil nos deixou.

Fica técnica

Roteiro e edição de texto: Luciana Góes

Edição de imagem: Eric Gusmão

Produção executiva: Elisabete Pinto

Imagens: Eusébio Gomes, Gilson Machado e Luís Araújo 

Auxiliar técnico: Carlos Júnior e Felipe Messina