É no Palácio da Polícia, localizado no centro de São Paulo, que funciona o Centro de Comunicações da Polícia Civil (Cepol). É para lá que Geraldo, Humberto e Terezinha, policiais cegos, e Francisco, que tem a visão de um olho comprometida, vão todos os dias para atender a população, através do número 197, no Polícia Civil Informações (PCI).
“Aqui, atendemos a uma diversidade enorme de ocorrências”, explica Humberto Saraiva, que já dedicou 35 dos seus 66 anos à polícia. Formado em letras, antes de decidir se tornar agente de telecomunicações, ele lecionava e trabalhava na área da saúde. “Conversamos com muitas pessoas em situações de vulnerabilidade e, muitas vezes, além da orientação, elas precisam ser ouvidas”, conta.
O serviço 197 da Polícia Civil presta um atendimento humanizado, voltado a dar orientações gerais a pessoas que de algum modo precisam de ajuda. “O intuito é auxiliar quem necessita de apoio na área policial como, por exemplo, saber qual a delegacia mais próxima. No entanto, vamos muito além disso. A gente faz um trabalho de cunho social, pois temos a sensibilidade de ouvir e acalmar as pessoas que ligam desesperadas precisando de alguma orientação”, enfatiza Geraldo, de 65, também agente de telecomunicações, com 31 anos de carreira.
Ambos ingressaram na polícia entre o final da década de 80 e o início da de 90, com uma prova feita em braile. Com a tecnologia da época, que hoje pode ser considerada por alguns ultrapassada, desempenhavam um excelente trabalho na corporação. Humberto atuou de forma exemplar nas chamadas cabines, que prestam apoio às viaturas durante as ocorrências. Toda vez que era acionado, ele usava um dispositivo chamado reglete para anotar em braile informações passadas pelos colegas policiais que estavam na rua.
“A viatura chamava e eu pegava a reglete, colocava um papel, a pulsão, que é tipo um estilete, e escrevia o que o colega passava via rádio”, explica ele, sendo logo em seguida elogiado por Geraldo. “As anotações precisam ser feitas rapidamente e de forma correta, e nisso ele era excelente. Uma informação errada pode fazer um grande estrago. Um rádio transmissor na mão, às vezes, é mais importante que uma arma”, destaca o amigo.
Antes de entrar na polícia, Geraldo se formou em direito e, além de advogar, também trabalhava na saúde. A carreira tomou outro rumo, porém, após perceber que na polícia ele poderia colocar em prática conhecimentos de uma área pela qual era apaixonado. “Eu era muito fanático por radioamadorismo”, conta. Ele e os colegas ainda dominavam a datilografia, “requisito fundamental para ingressar na carreira”.
Os dois policiais acompanharam na prática a evolução da tecnologia e, segundo o doutor Maurício Correali, delegado titular do Cepol, possuem um repertório vasto na área das telecomunicações. “Eles têm um conhecimento fundamental para manter a comunicação em caso de alguma crise. Se não conseguirmos mais nos comunicar por telefone ou mensagens, por exemplo, eles entram em uma frequência de rádio e falam por código morse”, explica.
Hoje, no 197, a bagagem que carregam é valiosa e reconhecida. “Aqui eles estão em condição de igualdade com todos. Com as adaptações de acessibilidade, eles circulam em qualquer posição no âmbito das telecomunicações, estão plenos e aptos”, destaca o delegado.
O setor, que passou por uma ampla reforma e foi recentemente reinaugurado, possui indicações nas portas em braile e faixas guias. “Agora eu não erro mais as portas”, brinca Humberto, sorrindo. “Isso é uma prova inequívoca da humanidade, do acolhimento e do reconhecimento do nosso trabalho”, relata Geraldo, que compartilha o mesmo sentimento com o colega. “Nunca tive nenhum problema de falta de apoio, de colaboração”, completa Humberto.
Francisco, que já estava no 197 quando Humberto, Geraldo e Terezinha chegaram, foi o responsável por ensinar o serviço. “Eles tiveram muita facilidade para conversar, orientar e acolher nas ligações. Somos procurados por pessoas que estão fragilizadas, e eles as atendem de maneira excelente. Eles são o 197”, define o auxiliar de papiloscopista, que, devido a um deslocamento de retina, perdeu a visão de um dos olhos.
O PCI adota a metodologia desenvolvida na especialização de Comunicação Pública Governamental, da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (USP).