O Complexo de Favelas da Maré, na zona norte do Rio de Janeiro, tinha ao menos 713 suspeitas de covid-19 que não foram descartadas ou confirmadas por testes até o dia 22 de junho, segundo o boletim “De Olho no Corona!”, divulgado hoje (26) pela organização não-governamental Redes da Maré. O levantamento também aponta que 29 pessoas mortas não tiveram o diagnóstico cravado com relação à doença.
“Observa-se, assim, que a parcela de pessoas sintomáticas na Maré que não tiveram acesso a testagem ou diagnóstico continua em torno de 70%”, avalia a Redes da Maré, que comparou os números levantados com os 75 óbitos e 297 casos confirmados na região até 22 de junho.
O complexo de favelas tem o maior número de casos e de óbitos entre as comunidades da capital fluminense, tanto no o painel de dados da Secretaria Municipal de Saúde (SMS) quanto no Painel Covid-19 nas Favelas, organizado pelo jornal Voz das Comunidades. Com mais de 100 mil habitantes, o complexo de favelas somava até ontem (26) 324 casos confirmados e 78 óbitos.
Quando observados apenas os casos confirmados, a ONG ainda avalia que os números da semana encerrada em 22 de junho apontam aceleração no avanço da doença. “Esses números indicam que o ritmo de expansão da covid-19 na Maré, que havia desacelerado na semana anterior, voltou a aumentar. Entre os dias 08 e 15/06, os casos confirmados aumentaram 7% (de 241 para 258) e os óbitos 3% (de 65 para 67). Já na semana de 16 a 22/06, os casos confirmados subiram 15%, de 258 para 297, enquanto os óbitos tiveram um aumento de 11%, de 67 para 75 óbitos confirmados”, descreve o texto do boletim.
A Rocinha, na zona sul, é a segunda comunidade do Rio de Janeiro com mais casos e óbitos por covid-19, segundo o Painel Covid-19 nas Favelas, que contabiliza 284 diagnósticos e 61 vítimas. Já no balanço da SMS, foram 267 casos confirmados e 59 óbitos até ontem.
No painel municipal, o Jacaré, na zona norte, tem 281 casos, com mais confirmações que a Rocinha, e 35 mortes. Os números são os mesmos informados pelo Voz das Comunidades.
Operações policiais
O boletim da ONG Redes da Maré também traz dados sobre operações policiais nas comunidades do Complexo da Maré durante a pandemia. Segundo a Redes, foram realizadas quatro operações policiais desde o início do isolamento social, durante as quais uma pessoa foi morta. Os confrontos suspenderam as atividades de unidades de saúde locais em três dias.
A ONG compara que, no mesmo período do ano passado, aconteceram 16 operações policiais no complexo de favelas, durante as quais houve 15 mortes e 19 pessoas feridas. A suspensão de atividades nos serviços de saúde no mesmo período do ano passado ocorreu em nove dias.
Durante o isolamento social, o Complexo da Maré teve 35 tiroteios entre grupos de criminosos armados, que causaram três mortes e deixaram uma pessoa ferida. O número de confrontos foi maior que em 2019, quando ocorreram 22 tiroteios entre esses grupos. Apesar disso, o número de vítimas foi menor, já que, no ano passado, os confrontos entre grupos armados deixaram 11 mortos.
“A totalização do número de vítimas nas operações policiais e nas ações violentas entre os grupos armados mostra uma substancial redução da violência letal na Maré durante o isolamento social. Comparando o período de 16/03 a 20/06 de 2020 com o mesmo período de 2019, o número de mortos caiu de 26 para quatro e o de feridos, de 28 para oito”, diz a ONG, que avalia: “a redução do número de operações policiais nesse período contribuiu decisivamente para garantir, sobretudo, o direito à vida na Maré”.
Uma das quatro operações contabilizadas pelo boletim durante o isolamento social ocorreu depois da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que limitou a ocorrência de ações policiais em favelas do Rio de Janeiro durante a pandemia de covid-19. A decisão do STF afirma que as operações só podem ocorrer em casos excepcionais, que devem ser justificados por escrito pela autoridade competente e comunicadas ao Ministério Público estadual.
“Como resultado da ação, três pessoas ficaram feridas e precisaram ser socorridas em unidades de saúde da região, já sobrecarregadas em função da covid-19”, diz a ONG, que informa que a operação foi realizada no dia 17 de junho pelo Batalhão de Choque da Polícia Militar.
Procurada pela Agência Brasil, a Polícia Militar respondeu que “o policiamento ostensivo está atuando nas ruas, praias e outras áreas de lazer em todo Estado visando o distanciamento social para conter o avanço do novo coronavírus conforme os decretos estaduais e municipais em vigor”.
Ainda segundo a Secretaria Estadual de Polícia Militar, “há locais que podem vir a ter eventos não autorizados e com aglomeração, onde devido às características precisam de mobilização de recursos operacionais visando resguardar a vida da população local, policiais militares envolvidos e demais pessoas que circulam nestas regiões. Estas áreas com atuação de grupos criminosos demandam ações preventivas e planejamento prévio, que, quando constantes, frustram tal tipo de ocorrência, trabalho este que vem sendo limitado diante da decisão judicial do do Supremo Tribunal Federal vigente no Estado do Rio de Janeiro”.