A ostentação com que vivam alguns dos alvos da segunda fase da Operação 404, deflagrada hoje (5), em dez unidades da federação, para combater crimes na internet, surpreendeu até mesmo a alguns investigadores experientes. Segundo o coordenador do Laboratório de Operações Cibernéticos, do Ministério da Justiça e Segurança Pública, Alesandro Barreto, alguns dos investigados moravam em casas de alto padrão, dirigiam carros de luxo e faturavam, ilegalmente, milhares de reais mensais.
“Um dos investigados faturou mais de R$ 94 milhões em um ano”, declarou Barreto a jornalistas, referindo-se ao responsável por uma plataforma de compartilhamento de produtos digitais (filmes, séries, programas de TV, músicas, imagens ou livros) que contava com 775 mil usuários cadastrados. O acesso à plataforma cujo nome não foi divulgado, bem como a outros 64 aplicativos de streaming e 252 sites estão sendo bloqueados por determinação judicial.
Coordenada pela Secretaria de Operações Integradas do Ministério da Justiça e Segurança Pública, a segunda fase da Operação 404 ocorre em dez estados (Bahia, Ceará, Goiás, Mato Grosso, Minas Gerais, Paraná, Pernambuco, Rio Grande do Norte, Santa Catarina e São Paulo) e conta com o apoio de órgãos de investigação dos Estados Unidos e da Grã-Bretanha. Além dos bloqueios de sites e aplicativos para celular, estão sendo cumpridos 25 mandados de busca e apreensão.
De acordo com Barreto, ao menos dois alvos da investigação tinham sido detidos em flagrante até as 11h30. Um por porte de drogas, outro por ter sido flagrado cometendo um crime cibernético não detalhado pelo coordenador. Duas armas e ao menos uma moto aquática foram apreendidas.
Segundo Barreto, há indícios de que alguns dos investigados agiam em conjunto. Estes deverão responder à Justiça por suposta associação criminosa. Além disso, todos os alvos da operação são suspeitos de envolvimento com a prática de crimes contra a propriedade intelectual na Internet e lavagem de dinheiro.
“O foco da operação não é o usuário. São as pessoas que estavam disponibilizando o serviço de forma ilegal”, garantiu o coordenador, explicando que além de causar prejuízos à economia formal, a prática de crimes contra a propriedade intelectual no ambiente digital coloca em risco a segurança dos dados pessoais dos internautas em geral.
“O usuário às vezes pensa estar comprando um serviço mais barato, mas que acaba por lhe custar mais caro, pois traz junto um malware [abreviatura da expressão em inglês malicious software, ou programa de computador malicioso] que captura dados de sua conta ou outras informações pessoais”, disse Barreto, citando ainda a existência de estudos que, segundo ele, estimam que os crimes cibernéticos contra a propriedade intelectual causam um prejuízo anual da ordem de R$ 800 milhões para a economia brasileira.
“Este tipo de crime afeta a arrecadação e o mercado formal de empregos, pois prejudica a indústria consideravelmente”, enfatizou o coordenador, sustentando, embora sem citar números, que os crimes cibernéticos aumentaram durante os meses em que as pessoas passaram mais tempo em suas casas para se proteger do novo coronavírus. “Os criminosos viram um cenário [favorável] à busca de mais vítimas.”
Presente na coletiva de imprensa em que detalhes preliminares da Operação 404.2 foram divulgados, a adida de Propriedade Intelectual do Governo Britânico, Angélica Garcia, reforçou o argumento de Barreto para demonstrar a importância da luta contra a criminalidade no espaço cibernético. Segundo ela, ao longo de 2018, a chamada economia criativa movimentou o correspondente a cerca de R$ 84 milhões por hora. “A indústria criativa é extremamente importante. E a efetiva proteção e observância dos direitos de propriedade intelectual tem que ser levada a sério”, disse Angélica, defendendo a realização de outras ações conjuntas como a de hoje. “A infração de propriedade intelectual é um problema global. Principalmente na internet, onde não há fronteiras. E que precisa ser enfrentada conjunta e colaborativamente, com a ajuda de vários países interessados.”
O ministro André Gonçalves também falou sobre a importância da ação conjunta com os estados – apesar da operação ser coordenada pelo ministério, cada uma das suspeitas foi investigada no âmbito estadual, em inquéritos instaurados pelas respectivas polícias civis.
“Esta operação só foi possível graças à ação integrada com os Estados Unidos, com a Grã-Bretanha, como com as secretarias de segurança pública, as polícias civis, o Ministério Público e o Poder Judiciário dos dez estados”, disse Gonçalves. “Se a criminalidade ultrapassa as fronteiras entre os países, sendo transnacional, a atuação dos órgãos [públicos] deve se refletir no contexto internacional. Hoje, o que estamos vendo com esta operação é a aplicação prática de uma atuação que respeita tanto a cooperação interna como internacional.”