Com o crescimento desmedido da criminalidade nas grandes cidades e a ineficiência dos organismos de segurança estatal que, desamparados de políticas públicas eficazes e inteligentes, não conseguem acompanhar o crescimento da violência e deixam os cidadãos entregues à marginalidade, tem aumentado de sobremaneira o surgimento da figura do agente segurança privada.
O surgimento deste tipo de serviço no Brasil se confunde com a criação do próprio estado, quando barões contratavam seguranças privados para ficar à disposição destes e das suas famílias, como forma de demonstração de status e também de proteção pessoal em tempo integral.
No entanto, apenas com o surgimento dos grandes conglomerados urbanos, a partir da década de 50, os serviços de segurança privada começaram a tomar outras proporções, sendo utilizados por bancos e grandes empresas como força auxiliar da segurança pública.
Hoje em dia, prédios, associações de condomínios, agrupamentos de moradores, shoppings centers, órgãos públicos, empresas de todo porte, e também pessoas físicas contratam seguranças privados, sendo, atualmente, uma das atividades mais rentáveis no Brasil, já que há, em cima do medo, do pânico e dos indicadores da violência, uma venda da imagem de proteção que este serviço particular pode oferecer.
Ocorre que, como todo serviço que se populariza, as nuances jurídicas entram em pauta, e normas surgem como forma de estabelecer os limites da atividade.
O primeiro ponto a ser abordado é que, diante da permissão do Código Penal da atuação de qualquer pessoa em legítima defesa própria ou de terceiro, o agente privado contratado para prestar segurança a pessoas ou estabelecimentos comerciais pode, na iminência de um crime, atuar para defender a vida ou a incolumidade de quem o contratou. Mas tal conduta deve ocorrer estritamente sob o regramento do art. 25 do Código Penal, que prega que:
Legítima defesa
Art. 25 – Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem.
Ou seja, qualquer cidadão (e não somente o segurança privado) que, atuando de forma moderada (proporcional), repele ilegítima agressão a si ou a outra pessoa, está amparado pela excludente de ilicitude da legítima defesa.
No entanto, não tão clara quanto à questão da repulsa à agressão imediata, é o problema da prevenção à agressão ou a proteção ao patrimônio do contratante da segurança privada (como no caso de seguranças de lojas, shoppings centers e de empresas diversas).
E a maior das dúvidas sobre este tema é justamente sobre a possibilidade ou não do agente de segurança privada realizar a busca pessoal – também conhecida como “revista” – num cidadão comum.
Vale lembrar que a busca pessoal, como regra, por constituir violação à privacidade e à intimidade da pessoa, protegidas pelo art. 5°, X da Constituição Federal, é ato vedado pelo nosso ordenamento jurídico, exceto quando há permissão da própria pessoa ou nos casos em que a lei ampare a busca pessoal contra a vontade do agente.
E a principal norma que rege o assunto é o Código de Processo Penal. Dispõe o referido diploma que:
Art. 240. A busca será domiciliar ou pessoal.
(…)
§ 2º Proceder-se-á à busca pessoal quando houver fundada suspeita de que alguém oculte consigo arma proibida ou objetos mencionados nas letras b a f e letra h do parágrafo anterior.
Art. 241. Quando a própria autoridade policial ou judiciária não a realizar pessoalmente, a busca domiciliar deverá ser precedida da expedição de mandado.
Art. 242. A busca poderá ser determinada de ofício ou a requerimento de qualquer das partes.
(…)
Art. 244. A busca pessoal independerá de mandado, no caso de prisão ou quando houver fundada suspeita de que a pessoa esteja na posse de arma proibida ou de objetos ou papéis que constituam corpo de delito, ou quando a medida for determinada no curso de busca domiciliar.
Pelo que podemos observar, o CPP consagra que a busca pessoal involuntária somente será permitida quando houver fundada suspeita de que alguém oculte consigo arma proibida ou objetos oriundos de crime/infração ou necessários a instrução de processo penal.
Outro aspecto importante, é que o referido diploma prevê tanto a busca pessoal quando a busca domiciliar involuntárias como ações exclusivamente estatais, a serem realizadas através das autoridades judiciárias ou policiais. E as forças policiais são unicamente aquelas que constam do art. 144 da Constituição Federal:
Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:
I – polícia federal;
II – polícia rodoviária federal;
III – polícia ferroviária federal;
IV – polícias civis;
V – polícias militares e corpos de bombeiros militares.
Até mesmo as Guardas Municipais, que são organismos criados para a proteção do patrimônio público (art. 144 § 8° da CF) – e que não têm função de segurança pública – não podem realizar busca pessoal, mas tão somente zelar pelo patrimônio público através da sua presença ostensiva e, sendo o caso, demandando a Polícia Militar para reprimir alguma ação criminosa.
Desta forma, podemos concluir que a revista preventiva feita por seguranças de shows, casas noturnas, ou mesmo as revistas repressivas feitas nas saídas de lojas de departamento são ilegais, eis que realizadas por agentes não estatais, que não detém poder de polícia ou mesmo qualquer delegação estatal para o exercício da atividade policial, esta que é ação típica de estado e, por isso, indelegável.
Entretanto, alguns mecanismos lícitos podem ser utilizados pelos agentes de segurança privada, como forma de proteção do patrimônio do seu contratante. Veremos.
No caso das festas em casas noturnas ou shows particulares, estamos diante de eventos privados. E a compra de um ingresso ocorre tal qual um contrato de prestação de serviços: a pessoa paga pelo ingresso e tem direito a entrar para consumir bebidas, alimentos e a assistir o espetáculo.
Se, no ato da compra do ingresso, de forma verbal ou escrita, for posta como condição para acesso ao estabelecimento o consentimento do consumidor de que seja realizada uma verificação dos seus pertences pessoais, com o fim de evitar a entrada de armas, drogas e produtos não desejados pelo dono do estabelecimento (como, por exemplo, bebidas), tal negociação se dá no âmbito privado e tem validade, desde que o segurança privado não exceda o que foi acordado no ato da compra do ingresso. Havendo recusa do cliente em ter seus pertences verificados, tem o dono do estabelecimento o direito de negar sua entrada, mas jamais revistá-lo contra a sua vontade.
Já no caso da prevenção de furtos em lojas de departamentos, não pode o dono do estabelecimento determinar a “revista forçada” de um consumidor que suspeita ter furtado alguma mercadoria, o que ele pode fazer é, diante de um flagrante delito, impedir a saída do cliente trancando as portas, e chamar imediatamente a polícia. Essa faculdade, aliás, é dada a qualquer cidadão pois, em resumo, os atos permitidos aos seguranças privados são exatamente aqueles permitidos a qualquer cidadão. Assim, vale citar o art. 301 do Código de Processo Penal:
Art. 301. Qualquer do povo poderá e as autoridades policiais e seus agentes deverão prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito.
Vale lembrar ainda que, tanto os organizadores de festas e eventos, como os donos de lojas, podem utilizar de mecanismos de controle e vigilância eficazes, tais como portais de raios-X, portas giratórias com detector de metal, câmeras de segurança, selos magnetizados embutidos nos produtos – para que estes emitam sinal sonoro quando da saída sem passar pelo caixa -, etc. Enfim, vários são os meios de tornar eficiente o trabalho do segurança privado, de forma que não seja necessária a busca pessoal privada que, como dito, é ato ilegal e pode configurar até mesmo o crime de constrangimento ilegal. Vide o art. 146 do CP, que versa o seguinte:
Art. 146 – Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, ou depois de lhe haver reduzido, por qualquer outro meio, a capacidade de resistência, a não fazer o que a lei permite, ou a fazer o que ela não manda:
Pena – detenção, de três meses a um ano, ou multa.
Portanto, levando-se em consideração as disposições do CPP, do CP, combinadas com a proteção ao direito da privacidade e da intimidade (art. 5°, X da CF) e o que versa a Carta Magna sobre as forças de segurança pública (art. 144 da CF), podemos concluir que:
a) não há absolutamente nada que a segurança privada possa fazer que não seja facultado a qualquer cidadão comum;
b) a segurança pública deve ser prestada exclusivamente pelo estado, sendo esta atividade indelegável;
c) a busca pessoal (revista) involuntária realizada fora dos termos do art. 240 de seguintes do CPP (nas hipóteses definidas e pelas pessoas definidas pela lei) é ilegal e pode configurar o crime do art. 146 do CP;
d) as forças auxiliares da segurança pública ou os agentes de segurança privada podem, com o fim de otimizar sua atividade, utilizar de mecanismos como a revista consentida, câmeras filmadoras, portais de raios-X, portas giratórias, dispositivos de alarme embutidos em produtos, etc. Todos estes são meios legítimos de proteção do patrimônio e da integridade física das pessoas e não possuem vedação legal para o seu uso.
Assim, concluímos nossa breve análise acerca do tema, ressaltando, como já dito, que o presente artigo representa nosso ponto de vista pessoal, amparado nos dispositivos legais mais importantes relacionados com o assunto.