Normalmente não escrevo aos Domingos, mas hoje senti um “ardor” em meu coração, uma vontade de expor meus pensamentos, gritar como um louco, declamar poesias como um apaixonado. Deu vontade de compartilhar com os leitores minhas angústias, medos e frustrações, mas como esse espaço é para bem mais que isso, deixarei apenas um poema que “mexe” comigo.
“Vi um homem chorar porque lhe negaram o direito de usar três letras do alfabeto para fins políticos.
Vi uma mulher beber champanha porque lhe deram esse direito negado ao outro.
Vi um homem rasgar o papel em que estavam escritos as três letras, que ele tanto amava. Como já vi amantes rasgarem retratos de suas amadas, na impossibilidade de rasgarem as próprias amadas.
Vi homicídios que não se praticaram mas que foram autênticos homicídios: o gesto no ar, sem consequências, testemunha a intenção. Vi o poder dos dedos. Mesmo sem puxar o gatilho, mesmo sem gatilho a puxar, eles consumaram a morte em pensamento.
Vi a paixão e todas as suas cores. Envolta em diferentes vestes, adornada de complementos distintos, era o mesmo núcleo desesperado, a carne viva;
E vi danças festejando a derrota do adversário, e cantos e jogos. Vi o sentido ambíguo de toda festa. Há sempre uma antifesta ao lado, que não se faz sentir, e dói para dentro.
Vi os empregos da política recobrindo sua pureza teórica. Ou o contrário. Se ela é jogo, como pode ser pura…? Se ela visa o bem geral, por que se nutre de combinações e até de fraudes?
Vi discursos…”
Carlos Drummond de Andrade (Jornal do Brasil (JB), 15/08/80 – Caderno Cidades).