O uso de celular virou motivo de preocupação para as autoridades da segurança pública da capital federal. Mais de 80% dos latrocínios (roubos com morte) registrados no ano passado estão relacionados a roubos de celulares. Em 2018, foram 27 latrocínios e, no primeiro semestre deste ano, 12 no total. Em entrevista ao programa CB.Poder, o secretário de Segurança Pública, Anderson Torres, contou que o problema está na mira das equipes de inteligência. “Temos investigações em curso para acabar com essas quadrilhas”, revelou.
Na conversa, o secretário também comentou estatísticas de criminalidade no Distrito Federal e defendeu o reajuste salarial para policiais civis e militares e bombeiros. Para ele, é importante que a paridade da PCDF com a Polícia Federal saia do papel. “A Polícia Civil precisa disso. O salário está defasado, foram muitos anos sem reajuste”, argumentou. Anderson defendeu, ainda, campanhas de combate ao feminicídio e o projeto de escolas militarizadas. “Se tudo correr bem e conseguirmos o financiamento, vamos chegar ao final do governo com 40 escolas”, disse.
Os números do primeiro semestre foram muito bons. Mesmo enfrentando crise econômica, crises como efetivo das polícias muito baixo e deficit muito grande, acho que a gente conseguiu entender o que vinha acontecendo no DF. E é aquilo que eu sempre digo, polícia na rua é investigação forte. Isso a gente tem conseguido implementar no primeiro semestre. A ideia é continuar nesse ritmo para que traga a nossa cidade de volta para índices consideráveis e aceitáveis de vida.
Mas os casos de feminicídio preocupam.
O feminicídio é um crime muito grave, como todos os outros, mas nós pegamos um estudo da câmara técnica de homicídios e feminicídios da secretaria, intensificamos e estudamos todos os casos de feminicídio ocorridos no DF desde o advento da lei, em março de 2015, até fim de junho. Nós estudamos mesmo, capa a capa, folheamos todos os processos, olhamos todos os depoimentos e extraímos uma série de dados. Com base neles, chegamos a várias conclusões, mas resolvemos colocar luz em cima desse crime. A gente tem certeza de que não há uma explosão de crimes de feminicídio no DF. O que há é que colocamos luz em cima disso, e entendemos que, se a população não se juntar para prevenir esse crime, nós, Estado, não vamos prevenir.
Então, não é que tenha ocorrido mais feminicídios, é que agora as pessoas reportam mais à polícia, à Secretaria de Segurança, colocam holofote em cima e conseguem diferenciar um crime do outro, que antes era tratado tudo como homicídio?
Nós vimos que, aproximadamente, 90% dos casos de feminicídio no DF ocorreram dentro da residência das vítimas. São 50% com arma branca. Isso nos mostra que é um crime doméstico. Lendo os depoimentos, em todos os casos, o feminicídio não é um crime que nasce pronto, ele vem amadurecendo até culminar no resultado morte. Em todos os depoimentos, ou a vizinha sabia, ou filho sabia, ou a mãe tinha visto. As agressões ou as ameaças foram aumentando até chegar ao feminicídio. A gente não pode entrar em uma casa sem ter um informe, sem ter um flagrante, sem ter uma decisão judicial. Lançamos uma campanha. O que tem de ficar para trás é essa coisa de que em briga de marido e mulher ninguém mete a colher.
Desde o lançamento da campanha, o que vocês notaram nessa prevenção e nesse aumento de denúncias?
Sobre a motivação do crime. Ele é, geralmente, motivado por ciúme, posse. É um crime de gênero, não tem outra definição. É muito importante saber separar feminicídio e homicídio de mulher, que são duas coisas distintas. Às vezes, as pessoas misturam um pouco. O feminicídio é um crime de gênero, ela morreu pelo fato de ser mulher. No homicídio comum, ela morreu numa parada de ônibus qualquer, o cara tomou a bolsa e deu um tiro, latrocínio. A gente entendeu que a campanha é a única forma de a gente chegar.
Vendo o vídeo do caso de feminicídio no Cruzeiro, em que um oficial da Aeronáutica atirou na esposa e naquele que ele considerava que fosse o amante da mulher, que, na verdade, não era. A impressão que dá é que, se ele não tivesse armado com uma pistola, aquele crime não teria ocorrido. O aumento do porte de arma pode possibilitar mais crimes?
Na questão do feminicídio, acredito que não. Até porque a maioria dos crimes é com arma branca. A questão do armamento, da liberação do armamento para aquelas pessoas que acham que tem de ter uma arma, é uma questão delicada e que precisa ser bastante estudada. Acho que é uma nova mudança, uma nova política de armamento no Brasil, que precisa ser avaliada. Nós entendemos que não pode se liberar para todo mundo, os critérios precisam ser extremamente rigorosos. Mas aquele que atingir os critérios e precisar e mostrar essa necessidade, ele pode.
Houve uma redução de homicídios, que vem desde 2014, 2015, mas havia uma dificuldade em reduzir os números de crimes contra o patrimônio. A que o senhor atribui essas quedas recentes?
Vejo isso com muita clareza na questão da estratégia que nós adotamos. Primeiro, polícia na rua, isso traz uma sensação de segurança, encoraja as pessoas. Mesmo com baixo efetivo, nós criamos o serviço voluntário na Polícia Civil. Outra coisa que eu acho que foi muito relevante nesse primeiro semestre foi a retomada da Polícia Civil. Não sei o que vinha acontecendo no passado, mas nós herdamos uma Polícia Civil com série de dificuldades nas investigações. E, hoje, nós temos uma média de três operações por semana, que desmantela organizações criminosas, prende, apreende bens, dinheiro.
A gente vê que a Polícia Civil está mais calma e a paridade nem saiu ainda. Existe uma promessa do governador Ibaneis, ele mandou para o governo federal, mas não saiu ainda. Na sua opinião, o que fez com que eles passassem a ter relação menos tumultuada com o governo do DF?
Desde o primeiro momento, tratamos com muito respeito. Trouxemos para conversar, fizemos o que nos cabia naquele momento, criamos o serviço voluntário e, mesmo com o efetivo pequeno, conseguimos atender demandas que o governo anterior não conseguia. Acho que é respeito no trato, trabalho integrado. São portas abertas para tratarmos problemas do DF.
Para viabilizar a paridade, o governo depende do Planalto. Se essa paridade não for aprovada, essa lua de mel corre risco?
Acho que corre risco, porque hoje a Polícia Civil precisa disso. O salário está defasado, foram muitos anos sem reajuste, mas eu acredito muito no bom senso das autoridades do governo federal. Acho que o GDF enviou os cálculos dizendo que é viável esse aumento. Além disso, estamos trabalhando na questão da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros, que também precisam de recomposição salarial.
Quando o governador ganhou a eleição, disse que queria um secretário de Segurança com boa relação com o governo Bolsonaro e, na sequência, seu nome foi anunciado. Essa relação é próxima? Como isso pode ajudar o DF?
Acho que o relacionamento entre o DF e o governo federal precisa ser muito próximo. Nós somos quase que misturados nesse quadradinho. Aproximamo-nos muito durante esse tempo que estive no Congresso, os gabinetes eram próximos, a gente pensava muita coisa igual. O Eduardo (Bolsonaro) é policial federal, assim como eu, então, tinha uma afinidade por questões institucionais da Polícia Federal e do Congresso, e a gente foi criando uma amizade. Isso pode abrir espaço para a gente explicar as demandas do DF.
Como está a atuação da pasta em relação ao combate ao tráfico de drogas?
Eu tenho uma particularidade com esse crime, porque trabalhei seis anos na Coordenação-Geral de Repressão de Entorpecentes da Polícia Federal. A gente sabe que esse é o crime mãe de tudo o que ocorre por aí. A Coordenação de Repressão às Drogas da Polícia Civil tem feito várias operações, inclusive em outras unidades da Federação. O tráfico de drogas permeia toda a sociedade.
Qual tipo de droga preocupa hoje?
Todas. O crack, por exemplo, dizimou toda uma juventude brasileira que se encontra viciada nisso, por ser mais fácil, acessível, mais barata e mais suja, que arrebenta mais a saúde das pessoas. Mas as drogas sintéticas em festas, que têm custo mais elevado, a gente sabe que está dominando. Não sei se a sociedade brasileira está preparada para uma legalização, mas eu sou de uma linha da repressão, da prisão.
O senhor é contra a descriminalização de todo tipo de droga?
Sim. Não sei se porque trabalhei com isso e vi pessoas sofrendo com isso, famílias acabadas. Talvez para algumas pessoas seja uma simples maconha, mas para outras pessoas, não.
O governo anunciou o aumento das escolas militarizadas na volta das férias. Essa presença de policiais dentro das escolas tem surtido efeito?
Nós lançamos quatro escolas no começo do ano, num projeto piloto para a gente ver e entender melhor o que aconteceria. Vejo isso com muito bons olhos. A gente está organizando isso junto ao secretário (de Educação) Rafael (Parente), e a nossa ideia é chegar a 10 escolas até o fim do ano. Se tudo correr bem e conseguirmos o financiamento, porque é um projeto caro, acho que a gente consegue chegar ao fim do governo com 40 escolas. Estive com o ministro da Educação duas vezes mostrando para ele a necessidade. É um projeto do governo federal. Nas comunidades que acompanhei mais de perto, que foi em Ceilândia, eu vi um grande avanço, e na Estrutural, principalmente. Vai mudar a vida das pessoas.
E tem perspectiva de contratações para as forças de segurança?
Graças a Deus, nós estamos com a academia da PM lotada tanto de praças quanto de oficiais. A ideia é replicar isso o ano que vem, trazendo novos candidatos para a academia. O Corpo de Bombeiros também. Autorizamos mais 350 ingressos agora. O concurso da Polícia Civil está pronto tanto para escrivão quanto para agente. Basta uma pequena questão financeira que estamos acertando com a Secretaria de Fazenda.
Um dos temas que causou polêmica no primeiro semestre foi a transferência dos presos de São Paulo e de outras penitenciárias de segurança máxima para o DF. As forças de segurança do DF estão conseguindo resolver essa questão sem colocar em risco o cidadão?
Nós, do GDF, avaliamos como um erro estratégico. Não achamos que aqui seja lugar para presos faccionados, seja no presídio federal, seja onde for. Brasília é a cidade-sede dos poderes, dos tribunais superiores, do Congresso Nacional, cercada de autoridades, as embaixadas todas aqui. A segurança de Brasília é diferente. Ela não é especial, nem melhor. Tem outro foco, além do geral.
A gente viu uma reportagem da revista Veja na qual um grupo ameaça o presidente, quer cometer outro atentado. Essa é uma ameaça real? Acredita que é preciso tomar providências?
Acredito que seja ameaça real, principalmente depois do que ocorreu. Eu levaria isso muito a sério. Precisamos ter um trabalho de inteligência intensificado, além de investigação das pessoas que são citadas ali.
O senhor mencionou que, hoje, grande parte dos latrocínios (roubos com morte) estão relacionados a roubos de celular ou a tentativas de roubos de celular. De que forma isso pode ser combatido?
O crime nada mais é do que, muitas vezes, negócio. Quem está cometendo aquele crime precisa de dinheiro fácil e faz um assalto, um furto, um roubo e, muitas vezes, um latrocínio. No ano passado, 80% dos latrocínios ocorridos no Distrito Federal foram para roubar celulares. É um número que nos chama muito a atenção. Nós temos produzido vários relatórios de inteligência em relação aos roubos de celulares no DF. Aparelhos que podem custar R$ 8 mil. Isso realmente chama a atenção do mundo do crime. Temos políticas direcionadas para isso, principalmente de investigação para acabar com essas quadrilhas.
Informações do Jornal Correio Braziliense