Pioneiro no monitoramento e prevenção de incêndios florestais no Cerrado por meio da inteligência artificial (IA), o Governo do Distrito Federal (GDF) investe em tecnologias para preservar áreas do bioma com a maior biodiversidade do mundo. A parceria com pesquisadores resultou na criação de um sistema de reconhecimento de imagens aéreas para a detecção precoce de fogo ativo ou fumaça.
“Com o investimento do Fundo de Apoio à Pesquisa do Distrito Federal [FAPDF], estamos aplicando tecnologia de ponta para fortalecer o trabalho essencial do nosso Corpo de Bombeiros. O Governo do Distrito Federal está comprometido com a preservação do Cerrado, incentivando pesquisas que resultam em avanços contínuos e significativos para a nossa população”, destaca a vice-governadora do DF, Celina Leão.
Um trabalho que antes era realizado apenas por imagens de satélite e rondas presenciais hoje conta com o reforço da tecnologia para evitar grandes incêndios nas áreas de Cerrado do DF. De acordo com a coordenadora do Plano de Prevenção e Combate a Incêndios Florestais (Ppcif) da Secretaria do Meio Ambiente e Proteção Animal (Sema), Carolina Schubart, é muito mais benéfico para o estado investir em tecnologias de prevenção.
“Um incêndio de grande proporção gera um gasto enorme para os cofres públicos, porque é necessário deslocar equipes, aeronaves e combustível, sem contar a fauna e flora afetadas; não há dinheiro capaz de comprar uma área recuperada de Cerrado após ser atingida por fogo. O benefício que nos traz essa tecnologia é muito maior do que o investimento necessário para erradicar um incêndio. Não tem preço preservar o nosso bioma”, defende Carolina Schubart.
Ao todo, são quatro câmeras instaladas em um ponto estratégico da Torre de TV Digital que monitoram as regiões administrativas 24 horas por dia, em um raio de até 25 km. Ao identificar um possível sinal de fumaça, as imagens reproduzidas são interpretadas pela inteligência artificial, que detecta se pode ser um princípio de incêndio florestal.
“A IA precisa de uma série de dados para que atenda às nossas necessidades. Precisamos criar um conjunto de dataset [bases de dados específicas que servem de amostras para treinamentos de algoritmos de inteligência artificial] para a tecnologia aprender. Depois de chegarmos a um grau aceitável de previsão, começamos a utilizar o sistema”, explica a coordenadora do projeto Sem Fogo-DF e professora do Departamento de Ciência da Computação da Universidade de Brasília (UnB), Priscila Solis Barreto.
“Esse modelo que estamos desenvolvendo é inédito porque a gente trabalha com detecção precoce de incêndio florestal por meio da inteligência artificial em uma região onde não existia base de dados, que é o Cerrado”
Priscila Solis Barreto, coordenadora do projeto Sem Fogo-DF e professora da UnB
Tudo começou após uma roda de conversas entre amigos e pesquisadores que fazem parte da Associação Giga Candanga — instituição científica, tecnológica e de inovação sem fins lucrativos que integra a equipe idealizadora do projeto. A parceria entre o GDF, a Universidade de Brasília (UnB) e a associação resultou no projeto Sem Fogo-DF. A iniciativa, que teve financiamento de R$ 700 mil da FAPDF, foi aprovada em 2021. Ao longo de 2022, a equipe se dedicou a tirar o projeto do papel e, em 2023, foi criado o primeiro protótipo para ser usado na estiagem.
Os desafios encontrados, oriundos das características do Cerrado, fizeram com que a equipe de pesquisadores implantasse uma nova camada de interpretação por meio da inteligência artificial. “Há muita poeira que pode ser confundida com fumaça. Além disso, temos neblina, nuvens baixas e um solo que dá um reflexo muito forte podendo confundir também, gerando uma interpretação equivocada”, afirmou Priscila Solis.
Os chamados falsos-positivos para incêndios foram reduzidos com mais uma etapa de verificação das imagens. “Primeiro, são feitas a identificação e a detecção do fogo. Após uma análise, as câmeras dão um zoom no ponto identificado para interpretar com mais precisão. Se de fato for fumaça, a tecnologia realiza uma classificação de risco, que envia todas as informações para o painel do sistema, ao qual o CBMDF tem acesso, para dar andamento às ações de combate”, completa.
Hoje, os pesquisadores calculam que apenas 4% dos chamados são identificados como falsos-positivos, o que classifica a iniciativa como um projeto pioneiro de sucesso. “Por dia, nós verificamos que há muitos sinistros nessa época do ano. Esse modelo que estamos desenvolvendo é inédito porque a gente trabalha com detecção precoce de incêndio florestal por meio da inteligência artificial em uma região onde não existia base de dados, que é o Cerrado”, conclui a pesquisadora Priscila.
A expectativa é que o projeto seja expandido, ainda neste ano, para a região Norte do Distrito Federal. Segundo a coordenadora da Sema, Carolina Schubart, a pasta aguarda por financiamento para dar continuidade às atividades e ampliar o monitoramento. “Essa é uma tecnologia muito bem aceita e, por isso, demonstramos interesse em instalar mais câmeras na Estação Ecológica de Águas Emendadas, em Planaltina, que é uma unidade de conservação própria do DF e de relevante importância pelo papel ambiental que desempenha”, anuncia.
Preservação do Cerrado
O reconhecimento de imagens aéreas para a detecção precoce de fogo ativo ou fumaça preserva uma maior área do Cerrado — bioma comumente afetado pelo fogo durante a estiagem —, uma vez que evita que esses focos evoluam para incêndios de grandes proporções.
Os resultados do monitoramento capturados pela tecnologia são simultaneamente compartilhados com o CBMDF, que conta com uma sala de gestão ambiental e três militares à disposição 24 horas por dia, responsáveis por analisar as imagens e fazer a gestão da ocorrência. O rápido tempo de resposta das equipes da corporação também são responsáveis por impedir o alastramento das chamas.
“Essa tecnologia otimiza bastante o nosso trabalho. Antes, nós fazíamos rondas pelo DF em busca de incêndios. Hoje, esse trabalho continua, mas as câmeras nos mostram em tempo real os possíveis focos. Dependendo do nível, se tiver com muita fumaça, nós empenhamos uma equipe imediatamente até o local, principalmente se for em uma área de preservação ambiental”, conta o tenente Ramon Alves, do Grupamento de Proteção Ambiental do CBMDF.
“As ocorrências chegam muito mais rápido porque elas são identificadas precocemente. A velocidade com que a gente recebe possíveis focos incide em uma maior área preservada de Cerrado, porque a nossa atuação efetiva impede que o fogo se alastre e queime mais áreas de preservação”, acrescenta o militar.
Operação Verde Vivo
De abril até outubro de todo ano, inicia-se a operação Verde Vivo. Coordenada pelo CBMDF desde 1999, o programa consiste no reforço das ações da corporação no sentido de conscientizar, prevenir e combater as queimadas florestais, visando à proteção do meio ambiente, dos animais e da população. Para a iniciativa, participam 500 bombeiros, 27 caminhonetes, 24 caminhões-tanque, 22 caminhões de transporte da tropa, dois aviões e dois helicópteros, além de instituições parceiras.
O DF dispõe de mais de 1.200 militares especialistas em combate de incêndios florestais que foram submetidos a treinamentos. Tais capacitações colocam o DF como referência no assunto, de acordo com o tenente Ramon: “Todo ano, é realizado o curso para formar militares especialistas nessa atuação. É um dos mais procurados da corporação, o que torna o DF referência na área de prevenção e combate a incêndios. Neste ano, foram 41 egressos”.
Entre maio e julho deste ano, a Operação Verde Vivo já contabilizou 3.368 ocorrências relacionadas a incêndios florestais. “Esse número está dentro de uma média esperada por nós. Já houve anos com mais de 10 mil ocorrências durante a temporada, então, para 2024 estamos dentro da normalidade até o momento”, explica o tenente Ramon.
Fonte: Agência Brasília