O julgamento iniciado nesta segunda-feira (23/11) pela Primeira Turma do STF recoloca no centro do debate nacional uma questão fundamental: até que ponto o Supremo tem atuado dentro dos limites da proporcionalidade e do devido processo legal ao tratar do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL)?
Diferentemente da leitura predominante em parte da imprensa, o caso da tornozeleira — ainda que grave — não se sustenta sozinho como justificativa automática para uma prisão preventiva, sobretudo quando se trata de um ex-chefe de Estado com endereço fixo, família no Brasil, e trajetória pública conhecida.
A controvérsia da “destruição dolosa” da tornozeleira
Alexandre de Moraes afirma que Bolsonaro agiu de forma “dolosa e consciente”. Mas essa interpretação é contestada por apoiadores e por juristas que enxergam uma punição desproporcional baseada em um único episódio, ainda com explicação apresentada na audiência de custódia — a possibilidade de reação adversa a medicação controlada.
A própria defesa questiona a narrativa de “intenção de fuga”. Bolsonaro não foi encontrado escondido, tampouco tentou deixar o país. Estava em casa, em um condomínio conhecido, sob monitoramento. A conclusão de que ele planejava fugir parte mais de suposições do que de fatos concretos.
Vigília de apoiadores virou argumento jurídico — mas deveria?
Moraes citou a vigília convocada por Flávio Bolsonaro como fator que aumentaria o “risco de fuga”. Para os críticos dessa tese, é no mínimo preocupante que uma manifestação política pacífica — direito constitucional de qualquer cidadão — seja utilizada como argumento para manter alguém preso preventivamente.
Se manifestações públicas se transformam em indícios de crime, abre-se um precedente perigoso para qualquer liderança política, de qualquer espectro ideológico.
A ampliação do conceito de “periculosidade”
Flávio Dino adotou um discurso ainda mais abrangente, relacionando a situação atual à condenação do ex-presidente nos atos de 8 de janeiro e a fugas de outros investigados.
Essa generalização — que mistura casos distintos, com contextos distintos — tem sido alvo de críticas. Para garantistas, a prisão preventiva exige elementos objetivos e individualizados, não a soma de interpretações amplas sobre “ecossistemas” ou “redes organizadas”.
Bolsonaro não fugiu, não descumpriu intimações, não ameaçou testemunhas. O ponto central — a tornozeleira — deveria ser analisado isoladamente, e não como parte de uma narrativa ampliada para justificar uma detenção que já parece, para muitos, antecipação de pena.
O risco de transformar a prisão preventiva em instrumento político
Em um sistema democrático, prisão preventiva é medida excepcional. O STF, porém, tem sido acusado de reinterpretar essa exceção como regra no caso do ex-presidente. Ao incluir suposições sobre fuga, interpretações expansivas de periculosidade e até atos de terceiros (como carreatas e vigílias), a Corte cria um cenário que preocupa especialistas em direito constitucional.
Há quem veja, inclusive, a construção de uma jurisprudência que poderá futuramente atingir outros políticos — inclusive adversários de Bolsonaro.
Condições especiais não anulam fragilidades jurídicas
Bolsonaro está em cela especial, com banheiro privativo, cama e TV. Mas isso não resolve a questão de fundo: a legalidade da prisão. Não se trata de conforto, mas de critérios jurídicos.
Críticos afirmam que, mesmo para quem discorde politicamente do ex-presidente, é perigoso aceitar que o STF amplie tanto seu entendimento sobre prisão preventiva, sob pena de fragilizar direitos fundamentais de qualquer cidadão.
O contraponto necessário
Enquanto parte da imprensa afirma que “o STF perdeu a confiança em Bolsonaro”, há quem questione:
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É papel do Judiciário “confiar” em investigados ou julgar fatos?
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Até que ponto a narrativa da “periculosidade” é construída mais politicamente do que juridicamente?
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O episódio da tornozeleira, isoladamente, justificaria a medida mais extrema antes da condenação definitiva?
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Que precedentes essa decisão abre para outros casos?
No debate público, não se trata apenas de defender Bolsonaro, mas de defender a saúde institucional do país. A forma como o STF conduz este processo terá impacto duradouro sobre os limites entre autoridade judicial, garantias individuais e o próprio equilíbrio democrático.
