Desempenho do PIB de 2019 faz mercado rever previsões para este ano

Resultado das contas nacionais em 2019 mostra esfriamento do consumo e investimentos em queda. Expansão da produção foi a menor dos últimos três anos. Ministro da Economia, porém, vê atividade econômica em aceleração

O desempenho frustrante da economia brasileira em 2019 colocou em xeque a política econômica do governo Bolsonaro. Apesar da promessa, no início do ano passado, de uma expansão de 2,5% do Produto Interno Bruto (PIB) em relação a 2018, as contas nacionais, divulgadas nesta quarta-feira (4/3) pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), entregaram menos da metade: um crescimento tímido de 1,1%, o menor desde o início da recuperação da crise econômica. Tanto em 2017 quanto em 2018, a atividade econômica registrou altas de 1,3%. Para os especialistas, os números do IBGE acenderam um alerta, e várias instituições revisaram para baixo as projeções para 2020.

O ministro da Economia, Paulo Guedes, no entanto, minimizou o resultado. Disse não entender a “comoção” em torno do PIB de 1,1%. “O que eu havia dito no início do governo? Que, no primeiro ano, nós íamos crescer 1%. Saiu 1,1%. Então, está dentro do previsto. No segundo ano, seguindo as reformas, vamos crescer mais de 2%. Se olharem o segundo semestre do ano passado, foi o melhor desde 2013. No último trimestre de 2019, já estava crescendo 1,7%. Então, a economia está acelerando lentamente, esperando pelas reformas”, justificou.

Segundo Guedes, ao contrário do mercado, que vem revendo para baixo as estimativas de crescimento da economia, o governo continua acreditando em expansão acima de 2% em 2020. A projeção atual é de 2,4%. Integrantes da equipe econômica já avisaram que esse número será revisado na próxima semana e o ministro adiantou que a nova projeção não será tão drástica quanto a do mercado. Algumas instituições estimam PIB bem abaixo de 2% este ano. “A gente ainda acha que é acima de 2%, prosseguindo as reformas, mesmo com o coronavírus”, afirmou Guedes.

Bananas

Se o ministro negou as estimativas iniciais do governo e ainda não enxerga o mesmo cenário que a maioria dos economistas do país para 2020, o presidente Jair Bolsonaro foi mais drástico sobre o PIB pela manhã e, literalmente, jogou bananas para o desempenho da economia nacional, ao colocar um humorista para dar entrevistas em seu lugar. No fim da tarde, reconsiderou e decidiu comentar o PIB de 1,1%. “Baixou um pouquinho em relação ao Temer, mas nós estamos com o melhor semestre desde 2013”, disse. O presidente ainda sugeriu que a equipe econômica faça previsões mais moderadas daqui para frente.

O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), disse não acreditar que as reformas e os investimentos serão suficientes para organizar a economia do país. “São instrumentos importantes para ajudar o crescimento econômico brasileiro, mas só o setor privado não vai resolver. A gente não consegue organizar um país apenas fazendo reformas, cortando, cortando, cortando… A grande mensagem do PIB é que a participação do Estado será sempre importante para que o Brasil possa crescer e se desenvolver”, afirmou o parlamentar.

Os números do IBGE mostram queda nos investimentos e nas despesas públicas em 2019. O consumo do governo caiu 0,4% e a Formação Bruta de Capital Fixo passou de alta de 3,9%, em 2018, para 2,2% no ano passado, registrando, ainda, queda de 3,3% no quarto trimestre em relação ao terceiro. O desempenho da indústria foi pífio, com alta de 0,5%. A agropecuária devolveu um pouco dos ganhos nos trimestres anteriores e fechou o ano com alta de 1,3%.

“O PIB cresceu 1,1% em 2019, puxado, principalmente, no consumo das famílias e dos serviços”, explicou Rebeca Palis, coordenadora de Contas Nacionais do IBGE. “Os dados mostram que a economia é completamente ancorada no consumo das famílias, que pesa 65% da economia. Os serviços pesam três quartos e cresceram 1,3% no ano passado”, acrescentou.

A produção de riquezas do país atingiu R$ 7,3 trilhões em 2019 e o PIB per capita avançou 0,3% em termos reais, alcançando R$ 34.533. A taxa de investimento subiu de 15,2% em 2018 para 15,4% do PIB no ano passado, ainda distante dos 25% necessários para impulsionar um crescimento sustentável. Já a taxa de poupança caiu de 12,4% para 12,2% do PIB.

Os dados do quarto trimestre de 2019, com alta de 0,5% na margem, mostram desaceleração ante o período anterior, de 0,6%. No entanto, para a Secretaria de Política Econômica do Ministério da Economia, o país sofreu especialmente no primeiro trimestre de 2019, com choques negativos, como a tragédia de Brumadinho, a crise na Argentina e a guerra comercial entre China e Estados Unidos. “Houve aceleração no segundo semestre, com aquecimento do mercado de trabalho e do crédito livre.” No entender de Ricardo Balistiero, coordenador do curso de administração do Instituto Mauá de Tecnologia, quem salvou o consumo das famílias foi a liberação do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). “Uma política nada liberal, para um governo que se diz liberal”, comentou.

Analistas reveem projeções

Os dados fracos do PIB e o cenário adverso no setor externo por conta da epidemia do coronavírus provocaram revisões para baixo das estimativas de crescimento da economia em 2020. Algumas, para menos de 1,5%.

O economista William Jackson, da consultoria britânica Capital Economics, disse que a instituição mudou a projeção de 1,5% para 1,3%. “O número do quarto trimestre oculta uma desaceleração acentuada no final do ano. O indicador de atividade econômica do Banco Central aumentou acentuadamente em outubro, mas contraiu-se em novembro e dezembro”, explicou.

A XP Investimentos reduziu a projeção de 2020 de 2,3% para 1,8%. Para Newton Rosa, economista-chefe da SulAmérica Investimentos, a queda nos investimentos de um trimestre para o outro “projeta um quadro ruim para 2020”. “Nós revisamos de 2,4% para 1,7% a expansão do PIB este ano, por conta do coronavírus e do arrasto de 2019”, disse.

Mais otimista, Flavio Serrano, economista-chefe do Banco Haitong, destacou como ponto positivo a resiliência dos setores de serviços e o consumo das famílias. “Esperaria recuperação no início deste ano, com dados melhores de vendas. Em contrapartida, o consumo pode desacelerar ao perder o efeito do FGTS”, ponderou. Segundo ele, o primeiro semestre será afetado, mas deve haver recuperação no segundo. “A confiança está subindo há seis meses”, justificou. Ainda assim, o Haitong revisou de 2,3% para 2% o crescimento da economia em 2020. “Basicamente, por conta da incerteza do coronavírus na indústria”, explicou.

Surpresa

Luana Miranda, pesquisadora da área de Economia Aplicada do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre-FGV), considerou surpreendente a queda forte do investimento no quarto trimestre do ano passado. “O crescimento baseado no consumo e não no investimento não é sustentável, nem de fácil aceleração”, afirmou. O Ibre-FGV também revisou sua estimativa para 2020, de 2,2% para 2%. “Mas estamos sendo conservadores no tamanho da nossa revisão, porque é muito cedo”, acrescentou.

O economista-chefe da Infinity Asset, Jason Vieira, afirmou que os dados vieram um pouco abaixo da expectativa. “Houve algumas externalidades, mas, em termos internos, o governo queimou na largada com a política, tirando o ímpeto do ânimo que se desenhava”, observou. A Infinity mantém projeção de 2,2% para 2020. “O cenário do coronavírus ainda não se definiu. O nível de incertezas é muito alto para fazer nova projeção.”

Informações do Jornal Correio Braziliense