Duas negociações chamam a atenção nesta terça-feira (10). Na Europa, o Barcelona abre mão de Messi, que é anunciado pelo PSG. No Brasil, o Atlético-MG, cheio de estrelas, trabalha para ter mais uma: o atacante Diego Costa, brasileiro naturalizado espanhol. O que uma coisa tem a ver com a outra? O Barcelona, em junho, admitiu uma dívida de pouco mais de 1 bilhão de euros, mas no encerramento da temporada 2019/2020 foi o clube, no mundo, que mais faturou – 715 milhões de euros, ou cerca de 70%. O Atlético, em abril, assumiu estar devendo R$ 1,2 bilhão; e segundo o Levantamento Financeiro dos Clubes Brasileiros 2020, divulgado pela consultoria EY em maio, faturou R$ 150 milhões – em direitos de transmissão e premiação (R$ 64 milhões), transferência de jogadores (R$ 28 milhões), matchday (R$ 11 milhões) e comerciais (R$ 21 milhões), entre outras receitas – ou cerca de 12%. Então, como pode um ter de vender e o outro ainda poder contratar? (Antes que os adeptos do Galo mineiro reclamem, não considerei, no valor acima, a venda do shopping Diamond Mall, que elevaria o faturamento do clube a R$ 418 milhões.)

A questão se chama “fair play financeiro”. Que nas principais ligas europeias está em vigor – se bem que a francesa ainda é mais liberal, mas que aqui no Brasil seria implantado no início desse ano, mas a pandemia adiou mais uma vez. Esse fair play não tem por objetivo punir, mas sim fazer com que haja equilíbrio entre os clubes, com administrações equilibradas entre gastos e faturamentos.

O Barcelona, por exemplo, só teria direito a gastar, na temporada 21/22, cerca de 200 milhões de euros, menos que os mais de 350 milhões da temporada anterior. E o salário do Messi, mesmo reduzido à metade, não permitiria ao clube contratar outros jogadores para se adequar às normas da La Liga, que administra o Campeonato Espanhol. Aí você pergunta: e o PSG? Na França, ao contrário da Espanha, ainda não há a restrição de não gastar mais de 70% do que se fatura. Isso só será implementado, por lá, na temporada 23/24, o que permite ao clube francês pagar cerca de 40 milhões de euros anuais a Messi e buscar novas receitas, sem contar com a ajuda do fundo de investimento do Catar, que é quem responde pelo controle do clube.

No Brasil, não existe essa ferramenta, mas a Fifa está atenta às negociações dos nossos clubes com os do exterior e com jogadores que vêm de fora do país. Athletico-PR, Santos e Cruzeiro já foram punidos, seja com a perda de pontos ou com a proibição de contratar reforços. No caso do Atlético-MG não chegou a haver restrições, mas o clube precisou pagar valores altos para evitar punições: R$ 7,9 milhões ao Junior Barranquilla (COL), R$ 5,8 milhões ao Rentistas (URU), R$ 5,19 milhões ao Independiente Santa Fe (COL) e R$ 12 milhões ao Sevilla (ESP). O clube admitiu ter pago à Fifa, este ano, em torno de R$ 35 milhões por dívidas antigas, de outras administrações.

Então, sem restrições, o clube mineiro consegue investir. É ilegal? Não, ninguém pode reclamar, ou buscar alguma ferramenta jurídica para impedir. Mas vamos convir que não é justo. Você pode alegar: azar dos que não têm torcedores mais ricos e dispostos a investir. É fato. Mas reafirmo achar que não é justo.

De onde, então, vem o dinheiro do Atlético-MG? O clube apresentou seus números em abril e o desejo de reduzir a tal dívida de R$ 1 bilhão para algo em torno de R$ 350 milhões até 2026. Uma das alternativas é a venda de patrimônio, que segundo o Galo é superior à dívida – e aí se inclui o valor dos jogadores. Além disso, a construção da arena, com a venda de cadeiras cativas, já permitiu ao Atlético faturar mais de R$ 22 milhões. Nada que se compare aos R$ 400 milhões investidos por um dos apoiadores, o empresário Rubens Menin, dono da MRV. Ele é um dos 4 R’s que ajudam nas finanças do clube – os outros são o filho dele, Rafael Menin, Renato Salvador, da Rede Mater Dei, e Ricardo Guimarães, do BMG. Com este último, por exemplo, a dívida supera os R$ 100 milhões, mas se fossem cobrados os juros e as correções de um empréstimo tradicional já passaria de R$ 250 milhões. Além disso, o valor total foi reduzido e parcelado em seis anos com a cessão do espaço principal na camisa do time profissional, a partir de janeiro de 2022. No campo, o clube pode contar, ainda, com as premiações do Brasileirão, da Copa do Brasil e da Copa Libertadores.

Haja matemática. O fato é que o Atlético chama a atenção. Ninguém nunca duvidou da força do Galo, que depois do título brasileiro de 71 enfrentou um rebaixamento em 2006 e só foi conquistar um título de primeira grandeza em 2013, e logo a Copa Libertadores. E sua torcida não parou de crescer, mesmo vendo o grande rival Cruzeiro ganhar duas Libertadores, quatro Copas do Brasil e um Brasileirão. Imaginem agora, com a situação radicalmente invertida – o Galo lidera a Série A, enquanto a Raposa tenta se afastar do rebaixamento para a Série C.

O futuro dirá se a atual administração atleticana está no caminho certo. A gente torce para que sim. Mas, ao mesmo tempo, fica na expectativa para que a legislação torne o futebol brasileiro mais equilibrado e justo, com os clubes investindo dentro de suas possibilidades, em razão do que arrecadam com o produto futebol.

 

*Sergio du Bocage é apresentador do programa No Mundo da Bola, da TV Brasil