Se o basquete mundial é um castelo de cartas, ele começou a desmoronar a partir do ás. Há uma semana, a identificação do primeiro caso do novo coronavírus (Covid-19)na NBA causou a suspensão da temporada norte-americana. Desde então, cada uma no seu tempo, as outras ligas foram freando até parar. Em um momento de poucas certezas, os atletas não têm muito o que fazer a não ser esperar.
O pivô francês Rudy Gobert provavelmente não imaginava que a assumida falta de preocupação com os cuidados na prevenção – registrada inclusive em vídeo – desencadearia tamanha série de movimentos no basquete e, por que não, no esporte mundial. A NBA não é apenas o suprassumo do que há de mais atraente no entretenimento esportivo. É também um dos negócios mais gigantescos, com maior movimentação de dinheiro. O que acontece lá, inegavelmente, acaba se tornando um exemplo para outras ligas ao redor do mundo. A partir dali, ficou claro que não apenas o público deveria ser protegido, mas também os jogadores. Posteriormente, outros seis casos foram confirmados na NBA. Os testes não param.
Raul Neto, o Raulzinho, armador do Philadelphia 76ers, tem uma ligação mais do que forte com dois dos atletas infectados. Nos primeiros quatro anos na NBA, ele defendeu o Utah Jazz, time do próprio Rudy Gobert e de Donovan Mitchell. Gobert, aliás, já até esteve em um evento organizado por Raulzinho no Brasil, em 2017. O brasileiro conversou com o francês assim que a notícia da contaminação de Gobert foi divulgada.
“Quis saber como ele estava. Também falei com os outros jogadores enquanto eles estavam no vestiário, esperando para fazer os testes. O mundo caiu em cima do Rudy. Mas ele está bem, em casa, tomando as precauções que os médicos determinaram”, revela.
A principal recomendação, de distanciamento social, vem sendo adotada por todos os outros atletas. Segundo Raulzinho, após o último jogo, contra o Detroit Pistons, exatamente na noite da suspensão da temporada (11 de março), a equipe não fez mais treinos e todos os jogadores permaneceram em casa. O tempo livre vem sendo ocupado com exercícios, meditação, leitura e também com o contato com a família no Brasil, algo raro em meio à correria da temporada. Raulzinho, no entanto, se mantém alerta. Um dos casos confirmados do COVID-19 na NBA é do pivô Christian Wood, do Detroit Pistons. Os integrantes do Sixers aguardam pelos resultados dos testes. O brasileiro não entrou em quadra naquela partida, mas isso não significa que está completamente livre de suspeita de contaminação. Na noite desta terça-feira (17), foi revelado que um dos quatro casos de atletas infectados na equipe do Brooklyn Nets é o astro Kevin Durant, que, se recuperando de lesão, não atuou por um segundo sequer em toda a temporada.
“Estamos esperando esse resultado para saber como reagir”, conta.
Outras ligas demoraram um pouco mais a reagir
Na Europa, os principais campeonatos já foram paralisados no dia seguinte. O basquete universitário americano não apenas parou, como também cancelou a temporada corrente. Com a conclusão acontecendo no próprio mês de março, com uma sazonalidade diferente – alguns atletas acabam não retornando para as universidades, optando por se profissionalizarem – não haveria motivo para uma suspensão. No Brasil, a reação não foi imediata. No dia 12, tanto a Liga de Basquete Feminino (LBF) quanto o Novo Basquete Brasil (NBB) anunciaram a continuação do calendário com jogos sem público. A LBF, no entanto, oficializou a suspensão da recém-iniciada temporada – com apenas três jogos realizados – no dia seguinte, sexta-feira (13). O NBB prosseguiu, com cinco partidas sendo disputadas entre quinta(12) e domingo(15), quando a liga finalmente optou por paralisar as atividades.
O clima nas partidas que aconteceram sem a presença do público não poderia ser definido por outra palavra. Vazio. O Corinthians, que recebeu o Minas no sábado (14), nunca havia sequer jogado uma partida sem público por qualquer outro motivo, seja punição ou recomendações de segurança. Segundo o coordenador do basquete do clube, Antônio Ribeiro, a prioridade era seguir as normais globais de prevenção à disseminação do novo coronavírus. A imprensa foi instruída a não comparecer ao jogo. As habituais medidas para se evitar infecções comuns, como orientar atletas a não dividirem copos e garrafas, foram acompanhadas por novas determinações. Nada de cumprimentos de mãos. Cada atleta usou uma toalha individual, ao contrário do que costuma acontecer. Poucas coisas pareciam normais.
“Os protocolos de apresentação das equipes através do sistema de som foram mantidos. Mas no total, tivemos apenas 35 pessoas na Arena, sem contar os atletas. Desde sábado(14), estamos parados”, conta Ribeiro.
A excepcionalidade da situação, é claro, não passou despercebida pelos atletas. Gui Deodato, ala do Minas, viu o ginásio Wlamir Marques por um outro prisma.
“Foi realmente bem esquisito, ainda mais por ser contra uma equipe que tem uma torcida de respeito. Obviamente, antes do jogo, todos ficamos apreensivos pela exposição e depois houve a preocupação se ficaríamos bem. Mas eu particularmente consegui focar no jogo”, diz.
Concentrar-se foi um dos principais desafios para os jogadores, que são ao mesmo tempo os personagens do espetáculo e os mais vulneráveis em um esporte de tanto contato físico, com os adversários e com os fãs. Representante dos jogadores, o experiente armador Nezinho, de 39 anos, que defende o Brasília, esteve em constante comunicação com os colegas nos quatro dias em que o mundo parou, mas o NBB não.
“A maioria dos jogadores conversa o tempo todo. Havia qu
ase uma unanimidade total de que o certo era a paralisação, até por causa das viagens que fazemos”, relata.
A própria equipe de Nezinho esteve próxima de adotar uma medida drástica. O Brasília quase não jogou contra o Pinheiros, também no sábado (14).
“Tivemos uma reunião entre os atletas na quinta-feira(12) e chegamos a decidir que não iríamos viajar no dia seguinte. Depois conversamos novamente na sexta(13). Tanto a diretoria quanto os patrocinadores nos deram a liberdade para fazer o que nós achássemos conveniente. Acabamos viajando na manhã do jogo. Foi muito difícil, até a hora da partida. Também foi muito estranho ver tanta gente de máscara no aeroporto. Fomos jogar um pouco receosos, mas conseguimos”, diz. O Brasília acabou sendo derrotado por 35 pontos de diferença.
Nezinho foi parte integral da reunião que acabou por decretar a suspensão do NBB na segunda-feira (16). Uma nova reunião no dia 26 vai apontar as próximas diretrizes. Assim como a última, deve acontecer por videoconferência, o que possibilita uma participação de representantes de equipes de outros estados de forma segura. Um deles é Diego Gadelha, diretor do Unifacisa, de Campina Grande, na Paraíba. Diego é médico e foi um dos defensores da ideia de, desde o início, suspender não somente os jogos, mas também os treinos. A equipe acatou a decisão primária e inclusive foi mandante do último jogo antes da paralisação do campeonato, uma derrota por 106 a 103 para o São Paulo, no domingo (15).
“Até tentamos fazer algo inovador, colocando vídeos da torcida no telão para tentar substituir o incentivo da presença física. Mas não dá para negar. Foi uma experiência bem triste. Um grande jogo, talvez o melhor da temporada, sem público”, lamenta.
Ao redor do planeta, diversas ligas acreditam que a suspensão por 15 ou 30 dias pode ser suficiente, mas Diego oferece uma visão mais realista.
“Eu sou médico, então vou sempre atender a população. Mas se não fosse, estaria no meu canto, só saindo para comprar comida. Muito provavelmente esses 15 dias serão prorrogados. Até pela proliferação natural do vírus, a tendência é que daqui a duas semanas a situação esteja pior. Precisamos realmente adotar uma política séria de restrição em termos de isolamento, para evitar que se repita o que aconteceu na Itália”, opina.
Austrália foi a última das grandes ligas a parar
Com esse panorama, os atletas no Brasil agora se encontram na mesma etapa que Raulzinho nos Estados Unidos: procurando maneiras de não perder a forma. Com as recomendações de governos estaduais para o fechamento de academias, resta apenas o espaço de casa.
“Tenho feito minha corrida, dentro de casa também. Tenho equipamentos para musculação, mas a gente precisa da quadra. Em breve vou começar a sentir falta”, acredita Nezinho.
Alguns dos últimos a alcançarem esse estágio serão os atletas que atuam na NBL (National Basketball League), a liga australiana. Inexplicavelmente, a liga manteve a disputa da grande final entre Sydney Kings e Perth Wildcats – com o brasileiro Didi na disputa com o Kings. Os jogos 2 e 3 da série melhor de cinco foram disputados em arenas vazias, num desfecho insólito para a competição. O mandatário da NBL, Larry Kestelman, chegou a declarar que, em caso de algum atleta ou membro do staff testar positivo para o novo coronavírus, a série seria suspensa. Felizmente, não foi preciso acontecer isso para uma tomada de consciência. Nesta terça (17), a final foi suspensa, com o Wilcats liderando por 2 a 1.
Em breve, os jogadores das duas equipes vão descobrir o que o resto do mundo já concluiu: parar é ruim, mas correr riscos é muito pior.
Edição: Cláudia Soares Rodrigues