Seis medalhas paralímpicas, 11 em Mundiais e oito em Jogos Parapan-Americanos, ao longo de 15 anos. Um retrospecto que, por si só, mostra o tamanho de Yohansson Nascimento no paradesporto brasileiro. No fim de semana, ele anunciou que estava encerrando a carreira nas pistas. Foram várias as mensagens em redes sociais publicadas por companheiros do atletismo e até outras modalidades (paralímpicas ou não), que dirimiram qualquer dúvida que pudesse existir sobre o que representa o alagoano de 33 anos para o movimento.

Não significa que Yo, como é chamado pelos amigos, esteja dando adeus ao esporte. No próximo dia 30, o alagoano será candidato à vice-presidência do Comitê Paralímpico Brasileiro (CPB), em disputa com o atual vice, Ivaldo Brandão Vieira. Em condições normais, ele até teria conseguido se despedir na Paralimpíada de Tóquio (Japão) – para a qual já tinha índice – mas o adiamento dos Jogos, devido à pandemia do novo coronavírus (covid-19), antecipou os planos do atleta.

“A próxima eleição só seria em quatro anos. Vi que seria a melhor hora para tomar essa decisão. Ela é difícil para qualquer atleta, independente do rumo. Não foi algo do dia para noite. Essa decisão foi tomada aos poucos, muito pensada”, explica Yo. A minha intenção era terminar a carreira em uma Paralimpíada. De qualquer forma, fico feliz porque, no ano passado, fui para meu sexto Mundial, em Dubai [Emirados Árabes], consegui outra medalha [bronze nos 100m] e fiz o melhor resultado da minha vida [10s69]”, completa.

 

Yohansson nasceu sem as duas mãos. Natural de Maceió (AL), abraçou o atletismo paralímpico em 2005, aos 17 anos. Dois anos depois, representou o país no Parapan do Rio de Janeiro e arrebatou três medalhas de ouro, nos 100m, 200m e 400m. Em 2008, na primeira Paralimpíada da vida, não se intimidou com o estádio de Pequim (China) lotado, com cerca de 80 mil pessoas, e subiu duas vezes ao pódio, com o bronze nos 100m e a prata no revezamento 4 x 100 metros. Já na edição seguinte, em Londres (Reino Unido), a glória máxima: ouro nos 200m e recorde mundial.

A conquista na capital britânica veio acompanhada do pedido de casamento à então namorada Thalita. Desse amor, nasceu Yan, que comemora dois anos nesta terça-feira (20) e foi presentado com as duas últimas medalhas do pai – antes do bronze em Dubai, teve a prata dos 100m no Parapan de Lima (Peru). “Acho que consegui ser totalmente realizado na minha carreira”, afirma Yohansson, que, a julgar pela disposição do filho, terá que manter o preparo físico em dia, mesmo aposentado.

“Ele tem muita energia. Nunca vi um menino que gosta tanto de correr [risos]. Com certeza, vou incentivá-lo à prática esportiva. O esporte é muito transformador. Não sei se ele seguirá a vida de atleta, mas tem muito do meu DNA. Quando ele corre, eu tenho que estar preparado para correr atrás dele”, brinca o agora ex-velocista da classe T-46 (amputados de membros superiores).

Legado e referência

“Apesar de ter uma tristezinha no coração de todo mundo, pois teve muito atleta que chorou sabendo da notícia, eu sei que fica muita gratidão, muita energia boa. O Yo é muito além de medalhas” afirma Verônica Hipólito.

O que a velocista fala do amigo resume muitas das mensagens direcionadas a Yohansson após o anúncio da aposentadoria. Várias das postagens foram de atletas agradecendo pelo apoio em algum momento das respectivas carreiras. A própria Verônica guarda, com carinho, o auxílio antes da prova de 200m que a consagrou campeã mundial em Lyon (França), há sete anos, na classe T-38 (paralisia cerebral).

 

 

22/07/2013. . . . Há exatos 7 anos e 1 dia eu me tornei campeã mundial. Para muitos é somente mais uma página na minha vida, mas para mim foi um divisor de mares. E a parte mais irônica disso tudo é que eu queria desistir. Na final dos 200 metros, na câmara de chamada, eu estava me tremendo de medo. E foi aí que chegou o cara mais mal encarado que eu já tinha conhecido : Yohansson. Senhor Yohansson. Eu nem o conhecia e já não gostava dele. A prova dele ,também final dos 200 metros, seria uns 5-10 minutinhos após a minha. Ele perguntou na lata “Tá com medo do que?” quando me viu, e me encorajou, talvez até sem saber disso, e quando eu estava indo correr, gritou “VERÔNICA, SE DIVIRTA”. . . . Eu não sei o que teria acontecido se eu tivesse desistido. Na verdade, nem penso nisso. Eu sei que eu corri a final. Foi um dos momentos mais loucos e divertidos da minha vida. Até hoje, quando me lembro, me dá forças. E foi após ter ganho esse mundial que minha vida – e de toda a minha família, mudou: assinei com a Nike, Petrobras, Nissan, Coca Cola, Ajinomoto, Nescau, passei a receber Bolsa Pódio, fazer palestras e receber por isso, matérias na Folha, Estadao, Veja, Uol, Vogue, OTD, Globo; conheci o mundo, ganhei amigos, aprendi muito entre tantas outras coisas. . . . E foi aí que o Senhor Yohansson virou o Yo. O cara que bato no peito e falo que é meu melhor amigo. E desde então tivemos risadas e brigas. Você me ensinou muito, estava ao meu lado quando gritei aos céus “ POR QUE COMIGO??” quando descobri que iria operar em 2017, e quando perdi o chão por saber que iria operar em 2018 novamente. Você estava me esperando no banheiro feminino enquanto eu chorava escondida, e me acalmou todas as vezes que eu iria fazer besteira. Ligou para mim para contar que teu sonho de ser pai se tornou realidade, e até para me contar ações que estavam descontadas 😂♥️ . . . @yohanssonf, você me disse há muito tempo sobre realidade e ilusão. Que a realidade era meu pai, minha mãe e meu irmão. E hoje eu discordo completamente de você. Você é realidade também. . . . Obrigada por tudo, irmão.

Uma publicação compartilhada por Verônica Hipólito (@vehipolito) em 23 de Jul, 2020 às 3:39 PDT

Sucessor, de certa forma, da trajetória do alagoano, o campeão (e recordista) mundial e paralímpico Petrúcio Ferreira também fez reverência ao amigo, com quem dividiu muitos pódios internacionais. O último deles exatamente no Mundial de Dubai, quando a dupla – Petrúcio ouro, Yohansson bronze – ainda teve a companhia de Washington Júnior, em uma premiação 100% brasileira.

Outro que manifestou gratidão foi Fabrício Ferreira. Medalhista de bronze nos 100m do Mundial do ano passado, na classe T-12 (baixa visão), o velocista teve auxílio do alagoano para adquirir uma sapatilha própria para corrida, no início da carreira. “Meu ídolo e grande amigo. Você sempre foi e sempre vai ser minha referência”, comentou Fabrício, na postagem em que Yohansson anunciou a despedida das pistas.

Campeonato Mundial de Atletismo em Dubai, Emirados Árabes - 100m T47 - Yohansson Nascimento no meio, com  Petrúcio Ferreira à esquerda, e Washington Júnior à direita.
Campeonato Mundial de Atletismo em Dubai, Emirados Árabes - 100m T47 - Yohansson Nascimento no meio, com  Petrúcio Ferreira à esquerda, e Washington Júnior à direita.

Yohansson Nascimento no Mundial de Atletismo em Dubai ( Emirados Árabes):  atleta no meio, entre Petrúcio Ferreira à esquerda, e Washington Júnior à direita. – Daniel Zappe/Exemplus/CPB/Direitos Reservados

“As pessoas me auxiliaram tanto no meu início que eu também queria poder fazer isso com o que recebi. Quando se chega ao auge, o atleta se torna uma inspiração a novos atletas. Essa foi sempre uma responsabilidade que carreguei. Não como uma pressão, mas como gratidão”, conta Yo, fazendo menção a duas referências que teve no atletismo paralímpico.

“A Rosinha [Roseane Ferreira dos Santos, arremessadora], que conquistou dois ouros nos Jogos de Sydney [Austrália, em 2000], foi uma pessoa com quem aprendi muito sobre o que é ser atleta, o que é ganhar uma medalha, ser exemplo. Outro foi o Antônio Delfino [velocista], que ganhou dois ouros em 2004, em Atenas [Grécia]. Lembro uma vez, em uma competição em Porto Alegre. Eu não tinha um bloco de partida [onde o atleta se posiciona para a largada] e ele me deu um. Fiquei pensando: que coração bom o dele. Ele sabe que sou da mesma categoria, que vou competir contra ele, e está me dando um material esportivo para que eu melhorar minhas marcas. Fiquei com aquilo no coração e carrego até hoje”, conclui.