Futebol frágil? Aqui não!

Em homenagem ao Dia da Mulher, reportagem fala com figuras importantes do esporte local

O Dia Internacional da Mulher é celebrado no próximo domingo, quando muitas mulheres que fazem parte do futebol no DF vão estar em campo trabalhando ou torcendo na arquibancada pelo time do coração. Mesmo com o reconhecimento do futebol feminino na Copa do Mundo da França, em 2019, quando foi transmitida na TV aberta pela primeira vez na história, muitas delas ainda passam por situações de machismo e assédio moral. Com isso, a reportagem ouviu mulheres que participam do futebol local em meio ao preconceito de gênero no esporte.

No campo, o DF pode se orgulhar de ter a primeira mulher no quadro de arbitragem da FIFA, a maior organização do futebol mundial, que conta com dez brasileiras inscritas no total. Árbitra assistente da Federação de Futebol do Distrito Federal (FFDF) desde 2013, Leila Cruz, 31 anos, comemorou a conquista em janeiro do ano passado. Moradora de Luziânia (GO), ela diz não se intimidar com os xingamentos e insultos dentro de campo. “São muitas situações, mas a maioria são reclamações de jogo mesmo. Nada que a firmeza e respeito não resolvam. Quando entro em campo fico focada o suficiente para não me distrair com coisas externas que não trás relevância ao jogo. O machismo não é motivo para que eu não siga minha carreira, o meu combustível é o amor e prazer que tenho ao fazer o que faço”, afirma Leila.

A árbitra já trabalhou em diversos campeonatos importantes, como Série B do Campeonato Brasileiro, final da Copa Verde de 2017; duas finais de Candangão, em 2015 e 2017; e Copa Libertadores Feminina no Equador, em 2019. “Me sinto à vontade em todos os lugares que exerço minha profissão. Trabalhar na Série A do Brasileiro seria meu auge no Brasil. Mas o meu sonho é participar de uma Copa do Mundo”, projeta.

Brasília possui cinco assistentes mulheres à disposição da Federação de Futebol do DF (FFDF), onde Leila faz parte do grupo.

“Há um curso de formação de árbitros em andamento com 23 alunos, sendo três mulheres matriculadas. Então, em maio, o quadro do DF terá oito mulheres”, adianta o vice-presidente da Comissão Distrital de Árbitros de Futebol (CDAF), Marrubson Freitas.

“O machismo sempre vai existir”

Torcedora fanática do Gama desde os 9 anos de idade, Stephanie Melo, atualmente com 34, conta que durante a juventude, ela recebia assédio moral nas arquibancadas. “Eu acompanho o Gama há 25 anos. Na minha adolescência, havia sim aqueles assobios e cantadas baratas. Hoje em dia, frequento constantemente estádios de futebol e posso dizer que esse quadro mudou completamente. Aqueles assédios que antigamente ocorriam, hoje já são fatos isolados. É muito raro, pelo menos comigo”, opina a torcedora do Periquito.

Enfermeira do Hospital das Forças Armadas (HFA), ela costuma assistir aos jogos do Gama com o pai, Newton, de 64 anos, e a filha Laura, de 4. “Ainda vou para desmistificar que estádio é local pra homem. Mulher também pode gostar e ser apaixonada por futebol. Pode querer gritar no alambrado, torcer e vibrar com o futebol”, protesta a torcedora do Gama, 12 vezes campeão do Candangão.

A pedagoga, Almenir Maria Paz, de 45 anos, mais conhecida como Negona, é presidente da torcida organizada do Santa Maria, Bonde da Águia. Ela apoia o time há oito anos, e acredita que o futebol tem um grande empecilho para garantir respeito às mulheres.

“O machismo sempre vai existir em todos os aspectos. Observo como é diferente uma partida apitada por uma mulher com jogadores homens. Eles crescem e, na sua maioria, vão para cima para intimidar”, comenta a líder de torcida do Santa Maria.

“Não é porque sou mulher que não posso jogar”

Jogadoras de futebol contam trajetória de carreira e desafios do esporte para mulheres atualmente. Foto: Vitor Mendonca/JBr

Jogadora mais jovem do Minas/Icesp, a meia Giulia Giovanna, de 15 anos, está no clube desde a metade de 2018, quando chegou ao clube. Ela conta que começou jogando futebol com garotos. “Algumas pessoas não me aceitavam, que mulheres não podem jogar, ainda mais com meninos. Às vezes, até pais de atletas ficavam receosos por ter uma mulher. No começo, os meus pais também ficaram receosos pelas coisas que eu pudesse passar. Mas sempre me apoiaram”, diz a atleta, que joga futebol desde os 6 anos de idade.

Colega de Giulia no Minas/Icesp, Rayane Rodrigues, de 24 anos, relata os insultos que já recebeu de torcedores. “Eu já escutei vários. Até pela minha cor, o preconceito quando me chamaram de macaca, bolinho queimado e macho-fêmea. Não é porque eu sou mulher, que o homem sabe tudo e eu não posso jogar futebol. A mulher pode fazer o que ela quiser”, protesta a jogadora.

Uma das veteranas do elenco, a meia-atacante Bárbara Chagas, de 37 anos, começou a jogar com 15 no Vasco da Gama, e tem passagens por Seleção Brasileira e Flamengo. Há três meses no Minas/Icesp, ela reconhece a melhora no futebol feminino. “Antes, mal se via mulher no estádio. Agora, o futebol feminino está tendo apoio da torcida. Nós conseguimos nosso espaço dentro de campo e na arquibancada. Eu aconselho as mais jovens a sempre trabalharem porque eu peguei uma época que não tinha investimento, e agora elas podem usufruir”, diz ela, que veio do Cresspom-DF, time do Campeonato Brasileiro Feminino Série A2.

A Federação de Futebol do Distrito Federal (FFDF) ainda não possui um programa ou ações de apoio ao futebol feminino na cidade. Mas o presidente Daniel Vasconcellos cita o suporte que já deu à categoria. “Nunca foi feita [ação de apoio], mas tentamos valorizar muito o futebol feminino. Ano passado mesmo, os clubes eram responsáveis por custear a arbitragem. Em 2019, a federação já pagou esses custos”, comenta o presidente da Federação.

O secretário de Esporte e Lazer do DF (SEL-DF), Leandro Cruz, disse à reportagem que tem feito fóruns com a participação de representantes do Minas/Icesp, Cresspom, da própria Federação de Futebol do DF, para discutir programas e ações voltadas para o futebol feminino.

“Com cerca de 60 pessoas, fizemos uma reunião no dia 22 de janeiro deste ano. O nosso objetivo é que Brasília se torne um celeiro do futebol feminino, com uma cadeia de formação de atletas, desde a base até o profissional. Queremos abrir vagas nos Centros Olímpicos de Brasília. São objetivos inclusivos, para que a cidade desponte nos próximos anos”, declara o secretário responsável pela pasta, Leandro Cruz.

Boleiros reconhecem respeito

Destaque do Ceilândia com 17 gols na temporada de 2017, o atual atacante do Brasiliense – com cinco gols no Candangão 2020 –, Romarinho conta que já viu insultos de adversários para árbitras.

“Eu não costumo falar com arbitragem, mas já presenciei alguns jogadores xingando as árbitras na hora da partida como acontece com os árbitros, com palavras de baixo calão”, relata.

O atacante do Jacaré apoia o respeito às mulheres no futebol do DF. “É como diz a frase que ‘lugar de mulher é onde ela quiser’. A gente tem que respeitá-las”, opina.

Dermival de Almeida Lima, atualmente com 41 anos, é mais conhecido como Baiano no meio do futebol. Com passagens pelo Gama, Brasiliense, Real Brasília, o ex-lateral-direito também jogou pelo Palmeiras, Santos e Boca Juniors (ARG).

Ele conta que presenciou casos de desrespeito às mulheres apenas quando jogou fora do Distrito Federal.

“Na Série D do Brasileiro, tanto pelo Luziânia como pelo Ceilândia, vi uma árbitra acalmar os ânimos dos treinadores. Mas ela teve mais trabalho com o treinador do Aparecidense. A verdade é que temos que nos adaptar porque as mulheres estão se capacitando, estudando, e preparadas para exercer funções, seja qual for. O trabalho em relação aos homens está se nivelando, porque nós temos que nos preparar cada vez mais. As mulheres são muito persistentes no que se propõe a fazer”, comenta Baiano, que atualmente é treinador em escolinhas de futebol no DF.

Informações do Jornal de Brasília