A Lei Anticrime, que altera uma série de dispositivos legais e gera novidades no ordenamento jurídico, entra em vigor nesta quinta-feira em meio a questionamento de diversos artigos e risco de sofrer mudanças significativas ao ser analisada pelo Supremo Tribunal Federal. Um dos artigos de maior relevância, o que cria a figura do juiz das garantias — que atua apenas na fase de investigação —teve sua aplicação adiada por 180 dias, por decisão do ministro Dias Toffoli, presidente do STF. No entanto, outros pontos, que também suscitam dúvidas, começam a valer imediatamente. Um dos principais é a extensão do tempo-limite para prisão, que passa de 30 para 40 anos.
Outros trechos da lei geraram reações e controvérsias. Um deles é a obrigatoriedade de que condenados cedam material genético para um banco voltado para investigações, a fim de comprovar a autoria de delitos. O governo mantém um arquivo de perfis genéticos, com o código de DNA de pessoas que já foram condenadas por crimes contra a vida e sexuais. Assim, as autoridades podem comparar os registros humanos com o material encontrado em cenas de crime.
Até então, não existia punição para quem se recusasse a ceder o material. Mas, agora, a partir da nova lei, a recusa em colaborar será considerada falta grave, que pode gerar punições, como o impedimento ou uma maior dificuldade em progredir de regime penal.
Outro item polêmico é o que se refere à perda de bens. O artigo 91-A da nova lei determina que sejam confiscados “os bens correspondentes à diferença entre o valor do patrimônio do condenado e aquele que seja compatível com o seu rendimento lícito”. Ou seja, a Justiça poderá confiscar parte do patrimônio de um condenado, mesmo que não haja a ligação daquele bem com o crime cometido. Este trecho é alvo de uma ação no Supremo movida pela Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas (Abracrim) — a entidade pede que seja considerado inconstitucional.
Subjetividade
A legítima defesa também sofre alterações. A partir de agora, o agente da lei que entender que existe risco para um terceiro — como, por exemplo, a vítima de um sequestro — poderá agir para neutralizar o agressor. A advogada criminalista Anamaria Prates Barroso afirma que esse trecho pode ser alvo de questionamento. “Isso é uma polêmica muito grande, pois o policial tem que analisar se existe risco de que o agressor vá matar a vítima. Quando isso for feito, e o policial agir, teremos que ter um desenrolar de provas para caracterizar que era necessário que o policial atuasse”, explicou.
Ana Maria lembra ainda que, a partir de agora, fica instituído no direito o acordo de persecução penal. Por meio deste dispositivo, o réu que confessar o crime poderá firmar um acordo com o Ministério Público, caso atenda a algumas condições, como não ser reincidente.
“A pena mínima não pode ser superior a quatro anos e o investigado tem que ter confessado. (O acusado) tem que cumprir uma série de regras firmadas com o Ministério Público. Existem crimes que o acordo não será permitido, como o de violência contra a mulher”, completa.
Já a prisão preventiva continua sem tempo-limite, mas terá de ser revisada a cada 90 dias. E terá que ter fundamentação clara para ser mantida.
Em entrevista, segunda-feira, ao programa Roda Viva, da TV Cultura, o ministro da Justiça, Sergio Moro, criticou partes do texto aprovado. A Lei Anticrime reúne trechos enviados ao Congresso por ele, pelo ministro Alexandre de Moraes, do STF, e artigos incluídos pelos próprios parlamentares. “Quando nós vamos analisar o texto da lei que foi aprovada, nós identificamos uma série de questões bastante polêmicas (…). Foi feita (a análise) de uma maneira, com todo respeito, apressada, sem que houvesse um estudo”, lamentou Moro.
O ponto mais criticado por ele, na entrevista, é o juiz das garantias. O ministro defende que todo o texto seja revisto pelo Legislativo. “São questões com as quais o legislador deveria ter se preocupado antes de aprovar. Seria melhor reputar tudo aquilo (como) inconstitucional, pela deficiência técnica (…). Nessas circunstâncias, é melhor voltar ao zero, discutir tecnicamente”, condenou.
O que muda
Tempo de prisão
Como é: o tempo máximo de cumprimento da pena restritiva de liberdade era de 30 anos;
Como vai ficar: a pessoa condenada poderá ficar presa por até 40 anos. Se a sentença passar desse período, as penas devem ser unificadas.
Legítima defesa
Como é: o policial poderia agir apenas na iminência de que o criminoso fosse atentar contra a vida da vítima;
Como vai ficar: o agente da lei pode agir caso entenda que a vida da vítima de um sequestro, por exemplo, está em risco.
Prisão preventiva
Como é: é decretada no curso da investigação ou processo, e não tem período de término;
Como vai ficar: permanece sem um prazo máximo, mas deve ser revisada a cada 90 dias. E deve ser fundamentada em fatos recentes.
Material genético
Como era: o suspeito ou condenado não era obrigado a ceder material para o banco genético;
Como fica: a não aceitação da coleta de material passa a constituir falta grave, o que pode gerar punições, como dificuldade para progredir de regime;
Lavagem de dinheiro
Como era: a investigação deveria se limitar à coleta de provas e depoimentos;
Como fica: nova lei permite a realização de ação controlada e da infiltração de agentes nas investigações do crime de lavagem de capitais.
Acordo de não persecução
Como é: não tem previsão legal;
Como será: acusado por crimes com pena inicial menor que quatro anos poderá fazer acordo, confessando o crime em troca de benefícios.
Informações do Jornal Correio Braziliense