Durante 18 anos, o trabalho de Maria Aparecida Veras foi desvendar crimes. No auge dos anos 1990, ela comandou grandes investigações com recursos tecnológicos mínimos da época. Dentro de delegacias do Distrito Federal, trabalhava dias e virava noites em cima de papéis que reuniam provas e depoimentos. Os inquéritos terminavam, quase sempre, com a prisão de estupradores, homicidas e assaltantes. Quase duas décadas depois, ela organizou um livro que conta 24 histórias policiais resolvidas por mulheres. Com o título Vida de delegada, a obra reúne crônicas sobre o trabalho de investigação.

Em 120 páginas, o livro conta o dia a dia de mulheres policiais. Em dois textos, Maria Aparecida lembra a atuação que exerceu durante um ano e meio como chefe adjunta na Delegacia Especial de Atendimento à Mulher (Deam). Em uma das investigações, ela prendeu um homem que estuprava a filha e a enteada. Ele era vigilante e usava da força para cometer os abusos. “A ex-mulher do criminoso contou que o marido dormia com a arma na cintura. Acostumado a se valer do mal, ele se sentia superior”, relembra. Em um dos estupros, a enteada de 11 anos engravidou. Depois disso, a filha, que era abusada boa parte da adolescência, teve coragem de denunciar o pai.
Para manter distância do envolvimento emocional, Maria Aparecida recorria ao autodomínio. “A profissão é um constante desafio, porque você precisa se manter atualizada, ter o feeling policial e capacidade de investigação, mas, ao mesmo tempo, separar as histórias para não chorar junto com a vítima”, destaca. Entre as realizações de um trabalho bem-feito, estava a punição dos acusados. “É como um problema matemático a ser solucionado. Quando chegamos ao autor, é uma grande satisfação. Um ápice. A coroação de todo o esforço”, ressalta.

Maria Aparecida Veras: o livro mostra o dia a dia de mulheres policiais, seus sacrifícios e vitórias (foto: Arthur Menescal/Esp. CB/D.A Press )
Maria Aparecida Veras: o livro mostra o dia a dia de mulheres policiais, seus sacrifícios e vitórias(foto: Arthur Menescal/Esp. CB/D.A Press )


Atuação
O livro será lançado dia 15. Entre os contos, há, ainda, relatos de histórias comuns. Sem qualquer envolvimento com violência, a delegada destaca episódios curiosos ou emocionantes que enfrentou ao longo da atuação profissional. É o caso de uma mulher da alta sociedade de Brasília. Casada e mãe de uma filha advogada, ela procurou Deam para desabafar. “A senhora tinha sido diagnosticada com metástase por causa de um câncer e só queria ser ouvida. Sem ter atenção em casa, ela ia para lá pela vontade de ser escutada”, destaca Maria Aparecida.
O prefácio da obra é assinado pelo delegado Luiz Juliao Ribeiro. Ele é o responsável por desvendar o caso Pedrinho. Também atuou em um dos episódios de repercussão de um psiquiatra que matou a ex-mulher em 1990.
 
Trabalho
Na obra,12 delegadas contam, ainda, os desafios da profissão. Além da preocupação com a vítima, os esforços também se concentram na busca pelos acusados. “Muitas das vezes atuamos no sentido de orientação, mas buscamos com muita vontade a responsabilização dos autores. Por isso, também mostramos no livro a competência da investigação de nós, mulheres, e o excelente trabalho exercido pela polícia”, diz Maria Aparecida.
Em uma área culturalmente marcada pela presença masculina, se destacar nas investigações também exigia esforço das investigadoras. Além da Deam, Maria Aparecida passou pela 12ª Delegacia de Polícia (Taguatinga Centro) e pela atual Coordenação de Homicídios e Coordenação de Repressão às Drogas (Deam).
Antes de se aposentar, atuou na Comissão Permanente Disciplinar. “As dificuldades são as mesmas, mas, em uma área que prioriza o masculino, se encontrava muita discriminação e preconceito”, lamenta.
Por essa razão, a delegada repreende colegas que repassam ataques contra mulheres. Na opinião dela, algumas mensagens se tornaram tão banalizadas que poucos percebem o machismo atrelado aos textos. “Hoje, quando recebo pelo WhatsApp algum texto que se desfaz da mulher ou que a menospreze, eu logo peço que a pessoa evite esse tipo de coisa. Muitas das vezes, o filho ouve e o neto, também. É importante que esse desprezo acabe”, ressalta.
A delegada enfatiza que, em 1990, a quantidade de mulheres na Polícia Civil era menor. Mesmo assim, ela observa que os cargos mais importantes ainda são ocupados pelos homens. “São poucas as mulheres chefes, mesmo elas estando no mesmo patamar que o policial homem”, conta.

“A profissão é um constante desafio, porque você precisa se manter atualizada, ter o feeling policial e capacidade de investigação, mas, ao mesmo tempo, separar as histórias para não chorar junto com a vítima”
Maria Aparecida Veras, delegada aposentada

120 

Número de páginas do livro Vida de delegada
Vida de Delegada
Quando: 15 de março, próxima quinta-feira
Onde: restaurante Carpe Diem, na 104 Sul
Hora: a partir das 18h30
Preço do livro: R$ 35
Fonte: Portal Correio Braziliense