Com a segurança pública em pauta, a bancada da bala do Congresso Nacional voltou a insistir na revogação do Estatuto do Desarmamento ou, ao menos, em uma flexibilização para facilitar o acesso da população a armas. Com o argumento de que é “praticamente impossível conseguir um registro de uma arma”, parlamentares armamentistas querem retirar a discricionariedade da Polícia Federal em determinar se a pessoa tem necessidade ou não de portar equipamentos desse tipo. Entretanto, levantamento feito pelo Correio, por meio da Lei de Acesso à Informação, mostra que, entre 2010 e 2017, o número de novas licenças no país praticamente triplicou, com uma média de 66 armas liberadas por dia para pessoas físicas.
Média de registros de arma a pessoas físicas triplica no país: 66 por dia
Bancada da bala do Congresso Nacional pressiona por facilita o acesso da população a armas
Atualmente, mais de 331 mil pessoas têm registros ativos no Sistema Nacional de Armas (Sinarm) — banco de dados da Polícia Federal que controla armas de fogo em poder da população em todo o país. Nos últimos oito anos, o número de novas licenças concedidas pela PF subiu de 12 mil para 33 mil, um aumento de 175%. Só no ano passado, a média de novas armas liberadas foi de 90 por dia. Em 2015, ano em que a Câmara dos Deputados aprovou em comissão especial o projeto de lei 3.722/12, que revoga o estatuto e muda as regras para aquisição, posse e porte de armas de fogo, a média chegou a 100 por dia, com 36.807 novas licenças.
Agora, a bancada da bala quer que a proposta vá ao plenário. Como o ano é eleitoral e os deputados têm evitado temas polêmicos, a chance de o projeto ser votado se torna pequena. Em contrapartida, um novo texto que flexibiliza a legislação está em negociação. A ideia, que conta com o apoio do presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), mantém as regras de porte e posse, mas retira da Polícia Federal a discricionariedade de determinar se a pessoa tem necessidade ou não de possuir um armamento.
Relator do projeto que cria o Sistema Único de Segurança Pública (Susp), o deputado Alberto Fraga (DEM-DF) negocia as mudanças com os líderes partidários e a bancada da bala. O parlamentar alega que é muito difícil, hoje, conseguir um registro de arma por causa da subjetividade do critério e que os números não mostram quantos pedidos foram negados. “Quando fizemos o referendo, em 2005, quase 60 milhões de brasileiros disseram ‘não’ à proibição do comércio de armas. Ora, se não está proibido o comércio, você tem o direito de comprar. Entretanto, houve um golpe em cima do brasileiro. Hoje, você precisa expressar uma necessidade para fundamentar a compra. E essa necessidade depende da subjetividade do delegado”, reclama.
O Correio também solicitou à Polícia Federal o número de pedidos de registros negados, mas a instituição alega que não tem relatórios com os dados. Entretanto, policiais federais, que preferem não ter os nomes divulgados, afirmam: se a pessoa cumprir todos os requisitos, o caminho natural da PF é aceitar. “Os números mostram que o discurso do descontrole, que defende a revogação do Estatuto, é míope e explora o medo da violência que hoje domina o Brasil. Temos que ter políticas de controle de armas eficientes e não dar vazão ao discurso de ódio e ressentimento”, acredita o diretor-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Renato Sérgio de Lima.
Controle
Para o diretor executivo do Instituto Sou da Paz, Ivan Marques, a percepção de que é difícil conseguir o registro de uma arma no Brasil é uma falácia, e os números das autorizações demonstram isso, principalmente, depois de 2014, quando o debate passou a ser mais acalorado. “Criou-se essa mística de que é impossível, mas tem gente conseguindo a licença para ter a segunda, a terceira e até mais armas. Dentro da nossa finada política de controle de armas, esse filtro tem sido bastante flexível e leniente”, afirma.
Autor de um estudo que analisou diversas microrregiões no país e concluiu que o aumento de 1% de armas de fogo eleva em até 2% a taxa de homicídio, o pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) Daniel Cerqueira comenta que, além do crescimento dos registros no Sinarm, os números também vêm crescendo no Sistema de Gerenciamento Militar de Armas (Sigma) — banco de dados controlado pelo Exército que regula as armas militares e emite licenças para atiradores desportivos, colecionadores e caçadores. Segundo Cerqueira, foram mais de 270 mil registros só em 2016. “Cerca de 30% dos homicídios no Brasil têm a ver com motivações interpessoais, marido que mata mulher, vizinho que atira no outro. É da pessoa que perde a cabeça. E, se a arma está ali, facilita. É consenso entre pesquisadores nacionais e internacionais que, quanto mais armas, mais violência”, diz Cerqueira.
Critérios
O Estatuto do Desarmamento define os critérios para posse de armas por pessoas físicas no país. Segundo o texto, para alguém adquirir arma de fogo, além de declarar a efetiva necessidade, é preciso comprovar a idoneidade, com certidões negativas de antecedentes criminais, apresentar documento comprobatório de ocupação lícita e de residência certa e provar capacidade técnica e de aptidão psicológica para o manuseio de arma de fogo.
Fonte: Portal Correio Braziliense