Na América Latina e no Caribe, estimativas mostram que a pobreza pode chegar a atingir 215 milhões de pessoas em 2020, um aumento de quase 30 milhões de pessoas em relação a 2019, segundo dados da Comissão Econômica para América Latina e Caribe (Cepal). Como alternativas para o enfrentamento aos efeitos sociais da doença, a Cepal propõe a criação de uma renda básica de emergência por seis meses para as populações mais vulneráveis, além de outras medidas de mitigação destes impactos.
Alícia Bárcena, secretária executiva da Cepal, divulgou hoje (12) o 3º informe da instituição sobre as consequências da pandemia da covid – 19 na região. O documento, intitulado “O desafio social em tempos de coronavírus”, traz dados e análises sobre a fragilidade da América Latina e do Caribe diante da doença.
Segundo as estimativas do órgão, ligado às Nações Unidas, a região passaria de 30,3% de pessoas em situação de pobreza em 2019 para 34,7% em 2020, caso não sejam tomadas medidas econômicas de redução dos danos. Ou seja, a região passará de 186 milhões de pessoas para quase 215 milhões de pessoas na pobreza.
Para Bárcena, a proposta mais importante da Comissão para o atual momento é a criação de uma renda básica emergencial (ingresso básico emergencial – IBE, em espanhol), durante seis meses, para 215 milhões de pessoas em situação de pobreza. A ajuda consistiria em 143 dólares, alcançando 34,7% da população da região.
Segundo o documento, o investimento necessário para garantir o ingresso básico custaria aos governos um aporte de 3,4% do PIB. Atualmente, os governos têm injetado o equivalente a 0,7% do PIB em ajudas e apoio às populações mais vulneráveis.
Bárcena afirma que, apenas em evasões fiscais e sonegação de impostos, são consumidos cerca de 6,3% do PIB regional. “Nós acreditamos que há espaço para fazer isso na região (a criação do IBE). Poderíamos chegar na evasão fiscal, que nessa região custa 6,3% do PIB. Esse é um espaço imediato, que devemos ocupar o quanto antes e que é mais elevado do que o gasto médio dos governos com educação, que é 4% do PIB, e com saúde, 2,2% em saúde”.
A Cepal defende ainda, a longo prazo, a criação de uma renda básica universal, que pudesse abarcar todas as pessoas das classes mais pobres, permanentemente. Bárcena defende que a proposta fortaleceria o estado de bem-estar social e aumentaria a produtividade da região. “O que a renda básica traz para as pessoas é liberdade para não estar na sobrevivência, às vezes muito precária. Portanto, dá às pessoas a liberdade de incursionar em outros âmbitos mais produtivos e mais rentáveis”, afirmou a secretária, que ressalta que uma proteção social universal deve incluir a saúde, as aposentadorias, o seguro-desemprego.
A fragilidade histórica do estado de bem-estar, para Bárcena, limita as respostas à pandemia. “O acesso aos sistemas de saúde é fragmentado. Os grupos vulneráveis estão fora do sistema previdenciário. Mais da metade da população economicamente ativa é informal, de acordo com a OIT [Organização Internacional do Trabalho], e não tem proteção laboral, não tem acesso à saúde, a aposentadorias. 53% dos trabalhadores remunerados da região não estão registrados, regulados ou protegidos por nenhum marco legal ou normativo”.
O relatório aponta a proibição das demissões e a proteção dos empregos durante a pandemia como ações fundamentais, além do teletrabalho, segurança laboral, protocolos especiais para cada ramo de atividade, proteção de salários, concessão de licenças de saúde, e etc.
O informe afirma que, com a pandemia de covid-19, vai haver aumento não só da extrema pobreza, mas também da desigualdade na região da América Latina e Caribe. Bárcena cita Argentina, Brasil, Equador, México e Nicarágua como países que terão sua pobreza muito aumentada. No entanto, as medidas tomadas pelo Brasil, como o pagamento do auxílio emergencial a trabalhadores informais, foram citadas como uma importante ação na proteção social.
Além desse aumento na quantidade de pobres, o informe analisa ainda diversos efeitos sanitários e socioeconômicos, de acordo com os grupos populacionais e as capacidades de resposta diante da pandemia. “Há grupos que não podem trabalhar à distância, que lhes falta água, não há saneamento e portanto têm maiores riscos de infecção, sobretudo nas populações mais pobres e vulneráveis. E também há maior risco de morte para essas populações, pois têm doenças preexistentes, pulmonares, cardiovasculares, diabetes, e muitas vezes falta de atenção médica. Os mais afetados são os trabalhadores informais, especialmente as mulheres, os jovens, os indígenas, os afrodescendentes e os migrantes”, detalhou a secretária.
“Nos últimos anos, grandes grupos populacionais saíram da pobreza extrema e passaram para a pobreza ou para a classe média baixa. Houve uma mobilidade social nos anos 2000. Mas a partir da pandemia, haverá um retrocesso muito importante, onde vamos ver que os extratos extremamente pobres, que eram 67 milhões em 2019, aumentam para 88 milhões em 2020. Há uma espécie de movimento de pessoas em direção a pobreza novamente”, afirmou Bárcena.
“Não queremos voltar a ter outra década perdida. Nos anos 1980 perdemos muito. Levamos 25 anos para recuperar os níveis de pobreza, que não eram bons. Estamos falando de 40% da população na pobreza, mas chegamos a ter quase 50% da população na pobreza na década de 80. Levamos 14 anos para recuperar o PIB per capita que tínhamos no início da década. Esse retrocesso pode nos custar 13 anos. O que fizermos hoje nos permitirá não cair novamente em outra década perdida”, afirma Bárcena.
Para a secretária, é necessário mudar definitivamente a relação do estado, do mercado e da sociedade.”Precisamos de um futuro diferente, onde não predomine o mercado, também não predomine o estado, mas que tem haver um equilíbrio para gerar bens públicos e uma infraestrutura mais inclusiva, uma nova forma de viver e um novo estilo de desenvolvimento”.