O presidente de El Salvador, Nayib Bukele, vem sendo acusado de autoritarismo após decretar, além da quarentena domiciliar obrigatória, que quem viole o isolamento seja levado para centros de reclusão por 30 dias. A Procuradoria de Defesa dos Direitos Humanos do país registrou mais de 300 denúncias de violações de direitos e mais de 280 detenções ilegais desde o início da quarentena, há pouco mais de um mês.
Em sua defesa, Bukele argumenta que está protegendo a vida dos salvadorenhos. Na sexta-feira (17) passada, ele sancionou a lei de extensão de emergência aprovada pela Assembleia Legislativa, que prorrogou, até o dia 1º de maio, a quarentena obrigatória no país. A medida está vigente desde o dia 21 de março, para evitar a propagação do novo coronavírus.
O problema é que o Decreto Presidencial 19, assinado por Bukele, entre outras medidas, autoriza a Polícia e as Forças Armadas a deter cidadãos que saírem de casa e a levá-los a centros de reclusão.
O Supremo Tribunal de Justiça do país (TSJ) deu uma sentença, no dia 8 de abril, que obriga o presidente Bukele, as Forças Armadas e a Polícia Civil Nacional a proteger os direitos humanos e proíbe, em qualquer circunstância, a privação da liberdade daqueles que não cumprirem a ordem de isolamento doméstico. “O presidente da república, a Polícia Civil Nacional, as Forças Armadas e qualquer outra autoridade são constitucionalmente proibidos de privar as pessoas de liberdade sob a forma de confinamento ou detenção médica forçada”, afirmou a Corte.
O cabo-de-guerra entre o presidente e o Supremo Tribunal continuou quando Bukele afirmou que não cumpria a determinação. “Eu não entendo o desejo mórbido de que o nosso povo morra, mas jurei que cumprirei e aplicarei a Constituição. Assim como não aceitaria uma resolução ordenando que eu matasse salvadorenhos, também não posso cumprir uma resolução que ordena que eu os deixe morrer”, disse Bukele.
Violações de direitos
De acordo com a Alta Comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Michelle Bachelet, as pessoas estão sendo detidas e enviadas para sedes da polícia, centros de quarentena e instalações improvisadas, sem condições básicas de higiene e, frequentemente, superlotadas.
José Miguel Vivanco, diretor para as Américas da Human Rights Watch (HRW), afirmou ontem que Bukele “governa o país com tendências autocráticas e se comporta como um valentão”. Para Vivanco, Bukele insiste em uma abordagem militar da crise e, diante das críticas recebidas, reage com uma retórica de rivalidade e um desconhecimento dos outros poderes do Estado.
Para o diretor da HRW, o governo de El Salvador acumulou sinais suficientes de desobediência ao Estado de Direito e merece a aplicação imediata da Carta Interamericana da Organização dos Estados Americanos (OEA).
Além disso, um grupo de 16 organizações humanitárias em El Salvador pediu ao Secretário-Geral das Nações Unidas, Antonio Guterres, que ative os mecanismos existentes para preservar a democracia no país diante de uma série de medidas governamentais que eles consideram “autoritárias”.
A Fundação de Estudos para a Aplicação do Direito (FESPAD) de El Salvador também criticou o decreto obrigatório de confinamento. “Esta disposição gera arbitrariedade, uma vez que nos casos em que os detentos foram enviados à quarentena, não houve um exame pelos profissionais de saúde, mas foram os membros da polícia ou do exército que decidiram quem parar ou quem não; sabe-se que eles não possuem o conhecimento técnico mínimo a esse respeito”, diz o comunicado da Fespad.
A Procuradoria Geral da República do país afirmou que abriu investigações sobre as denúncias de supostas violações de direitos fundamentais dos detidos.
Cerco sanitário
Além dessas denúncias, Bukele também vem sendo duramente criticado pela ação que levou a cabo na sexta-feira passada, quando militares fizeram um cerco na cidade costeira Puerto de la Libertad para fechar todas os comércios e manter toda a população em casa. Foram registrados atos de violência policial na cidade, situada a 30 quilômetros (km) da capital, San Salvador.
A ação policial foi anunciada pelo presidente em sua página no Twitter. “Todas as pessoas terão que estar em casa e 100% das empresas ficarão fechadas até novo aviso”. A ordem veio após Bukele publicar um vídeo nas redes sociais que mostrava empresas abertas e muitas pessoas na rua. “Ninguém poderá sair de casa, nem por justa causa. Somente emergências de saúde serão atendidas”, escreveu o mandatário.
Neste contexto, o Ministério Público instou as autoridades a “respeitarem o sistema democrático, o Estado de Direito e, acima de tudo, os direitos fundamentais de cada salvadorenho”.
“É preocupante que uma medida como o cerco sanitário no município de La Libertad seja tomado como uma sanção punitiva pela não observância da quarentena das famílias sem atender a critérios técnicos ou atender aos requisitos de legalidade, necessidade e proporcionalidade, uma vez que pode implicar violação dos direitos humanos, especificamente de pessoas que não têm salário, pensão ou subsídio para satisfazer suas necessidades básicas”, afirmou Apolonio Tobar, procurador para a Defesa dos Direitos Humanos em El Salvador.
Ontem (22), o ministro da Defesa do país, o contraalmirante René Francis Merino Monroy, não se apresentou na Procuradoria para prestar esclarecimentos no âmbito da investigação sobre o cerco a Puerto da La Libertad. O militar, que foi citado na qualidade de testemunha, afirmou que tinha outros compromissos.
Números
El Salvador tem, até o momento, 250 casos confirmados da doença e oito mortos, de acordo com o mapa em tempo real da evolução da Covid – 19 no mundo, elaborado pelo Centro de Ciência e Engenharia de Sistemas (CSSE) da Universidade Johns Hopkins, nos Estados Unidos.