Ao anular uma condenação proferida pelo ex-juiz Sérgio Moro no âmbito da Lava Jato – a que atingia o ex-presidente da Petrobrás Aldemir Bendine –, a Segunda Turma do STF apenas deu uma mãozinha no que já é uma tempestade perfeita para os principais expoentes da campanha anticorrupção.
A primeira anulação de uma sentença de Moro abre possivelmente caminho para outras contestações jurídicas, embora prever resultados de disputas no campo do Direito no Brasil seja tão difícil quanto prever a política – a determinante em boa parte do que se decidiu nesse grande embate simbolizado pela Lava Jato. Ocorre que a atmosfera atual tem marcada presença da noção de que se tornou necessário fiscalizar o fiscal, controlar o controlador, frear os procuradores.
Portanto, é um momento claramente contrário à Lava Jato entendida aqui como a capacidade de atuação coordenada de um grupo de juízes, procuradores, delegados e investigadores para manter o ímpeto e a eficácia de suas ações POLÍTICAS (não quer dizer que tenham perdido a capacidade operacional de investigar, prender e punir corruptos).
Moro já entrou num paradoxo relativamente comum na política: o de que excelentes resultados relativos de popularidade nas pesquisas não garantem resultados práticos à mesma altura dessa popularidade. No campo escorregadio da política Moro não tem sido capaz de ditar agenda, peitar adversários ou levar adiante o que considera essencial, como seu pacote anticrime, por exemplo.
Pior ainda, é uma espécie de refém do presidente da República, que, por razões pessoais e familiares, está empenhado em cortar as asas de órgãos de investigação e controle – exatamente os mesmos que Moro sempre considerou essenciais para combater os crimes de colarinho-branco.
As manifestações do último fim de semana contra a lei que pune abuso de autoridade deram aos políticos no Legislativo e a vários ministros no Supremo a clara ideia de que a “indignação popular” não é tão grande assim, e começa a padecer do cansaço trazido pela incessante efervescência de redes sociais.
Há uma clara convergência entre parte dos seguidores de Bolsonaro e as forças políticas no Legislativo e no Judiciário, empenhadas em colocar freios e impor limites à atuação sobretudo POLÍTICA dos expoentes da Lava Jato – uma disputa que, nunca é demais repetir, tem natureza jurídica apenas superficialmente. Juristas respeitados dizem, por exemplo, que o formalismo (correto) ao qual se recorreu para anular a sentença de Moro contra Bendine mal disfarça o intuito da “freada de arrumação” dada pelo STF (que, por sinal, ninguém controla).
Moro está diante de uma trilha complicada. É impossível para ele acusar abertamente o governo Bolsonaro de prejudicar a Lava Jato (dependendo do que Jair Bolsonaro NÃO vetar na Lei de Abuso de Autoridade) e continuar fazendo parte desse mesmo governo. Há claros sinais de mal-estar entre outros seguidores de Bolsonaro e existe por parte deles uma cobrança explícita dirigida ao presidente, de quem se exige postura inequívoca em favor do lavajatismo, do qual foi um dos grandes beneficiados.
É uma atmosfera volátil na qual Moro tem tido dificuldades em se movimentar. Ela espelha em boa medida o fato de que forças que convergiram para liquidar um adversário – o PT, mas não só – e que fizeram parte da onda disruptiva das eleições de 2018 hoje estão entrando em choque numa luta pelo poder dentro do poder. Quaisquer que sejam os motivos do presidente (instinto político ou interesse pessoal), Bolsonaro parece hoje achar que o lavajatismo rendeu o que podia e, como ele mesmo declarou, “Moro não esteve comigo na campanha” eleitoral.
A pergunta é: em qual campanha política Moro estará em 2022?
Texto de William Waack, O Estado de S. Paulo