Deputado, Temer defendeu gravações e ação controlada para obter provas contra impunidade

Em artigo de 1989, o então parlamentar propôs fortalecimento de mecanismos de investigação

“Impunidade. Eis a palavra que tem atormentado os brasileiros probos e trabalhadores. A impunidade leva à inversão do ditado popular segundo o qual o crime não compensa. Já começa a compensar dado que os responsáveis por ele, nos mais variáveis escalões delituosos, não sofrem a adequada punição.”

Assim começava o artigo ‘A respeito do crime organizado’do deputado Michel Temer, publicado 27 anos atrás no Estadão. Na ocasião, o parlamentar defendia a aprovação de vários mecanismos para fortalecimento de investigação e obtenção de provas com os quais agora está lidando nas denúncias contra ele no cargo de presidente:

“…o bom combate ao crime organizado começa pela produção de prova sólida na fase da investigação criminal. De fato. Quantas e quantas vezes estouram grandes escândalos financeiros, quadrilhas são desbaratadas. Mas, ao final, os envolvidos são absolvidos na fase judicial. Isto porque a prova mal construída durante inquérito policial é destruída, com facilidade, no Judiciário.”

Ao longo do texto, o futuro presidente menciona a necessidade de ser pemitida nas investigações o recurso da interceptação telefônica, sempre mediante ordem judicial, infiltração policial e ação controlada, esses dois últimos destacados com grifo do próprio autor. “Deve-se, portanto, fortalecer a prova na investigação policial… …dificultar a ação dos que usam ‘colarinho branco’ exige se saiba que tais crimes serão punidos. E tudo se inicia com a investigação.

 Leia a íntegra do artigo:

Estadão – 17 de outubro de 1989

A respeito do crime organizado

MICHEL TEMER

Impunidade. Eis a palavra que tem atormentado os brasileiros probos e trabalhadores. A impunidade leva à inversão do ditado popular segundo o qual o crime não compensa. Já começa a compensar dado que os responsáveis por ele, nos mais variáveis escalões delituosos, não sofrem a adequada punição.

O Congresso Nacional tem se preocupado com este fato. A Comissão de Constituição, Justiça e Redação decidiu, há três meses, criar grupo de trabalho destinado a aperfeiçoar a legislação penal de combate ao crime organizado. Reunimos juízes, promotores, delegados da Polícia Federal e da Polícia Civil, advogados e procuradores de Estado. Da discussão resultou uma primeira conclusão: a de que o bom combate ao crime organizado começa pela produção de prova sólida na fase da investigação criminal. De fato. Quantas e quantas vezes estouram grandes escândalos financeiros, quadrilhas são desbaratadas. Mas, ao final, os envolvidos são absolvidos na fase judicial. Isto porque a prova mal construída durante inquérito policial é destruída, com facilidade, no Judiciário.

Deve-se, portanto, fortalecer a prova na investigação policial. Para tanto, impõe-se conferir à polícia meios eficazes de atuação. Evitar sequestros, impedir ou reduzir o tráfico de entorpecentes, dificultar a ação dos que usam “colarinho branco” exige se saiba que tais crimes serão punidos. E tudo se inicia com a investigação.

Em que a nova Constituição facilita essa atividade? Num ponto fundamental: a possibilidade da interceptação telefônica mediante ordem judicial. Grifo esse ponto: por autorização judicial. Isto porque é tão grave a violação da intimidade das pessoas que só o controle judicial, cm casos especiais, pode autorizá-la. A Constituição determinou que a regulamentação se desse por lei para, só então, passar-se a utilizá-la. É o que faz um dos projetos de lei apresentados pelo Grupo de Trabalho, registrando ser admissível a interceptação telefônica durante a investigação policial nos casos de crimes de terrorismo, tráfico de entorpecentes, tráfico de mulheres, crimes contra a ordem econômica e financeira, sequestro, roubo seguido de morte. Preservou-se, tendo em vista o direito de defesa, a comunicação enlre o suspeito ou acusado e seu defensor/advogado, proibindo-se expressamente tais operações interceptadoras. Por outro lado, o juiz deverá receber relatórios referentes às gravações efetuadas tendo, portanto, o controle delas. Essa matéria, embora polêmica, foi tratada com cautela para preservar o direito à privacidade, compatibilizando-a, porém, com a necessidade urgente e ingente de combate a crimes intoleráveis.

Outros meios operacionais hão de ser fixados para a prevenção e repressão ao crime organizado. Assim, por exemplo, a infiltração policial, as ações controladas c o acesso a documentos e informações fiscais, bancárias, financeiras e eleitorais. Sempre mediante prévia autorização da autoridade judiciária.

Em que consistem? A infiltração policial significa o ingresso de agente em organização criminosa para investigação do crime organizado em quadrilhas ou bandos.

ação controlada significa a não interdição policial do transporte, guarda, remessa c entrega de mercadorias, objetos, documentos, valores, substâncias, materiais e equipamentos relacionados com a infração penal. Ou seja: autoriza-se o livre curso daquelas espécies conduzidas por um policial infiltrado até que se consigam todas as informações necessárias para o desbarate de uma quadrilha.

Por fim, o acesso a documentos c informações bancárias, financeiras, eleitorais é o que é. A novidade está cm que se poderá, a partir da aprovação do projeto de lei, realizá-la durante a investigação policial.

Convenhamos que tudo isto já vem sendo feito pelos setores policiais sem o adequado respaldo legal, o que tem dificultado essas ações c criado, muitas vezes, seriíssimos embaraços para os agentes que assim procedem. Além do que, provas assim obtidas não tem valor judicial.

Todas as hipóteses mencionadas dependem de prévia autorização judicial com a participação do Ministério Público. Evidentemente, autorizações guardadas pelo sigilo, tal como cuidado no projeto. Isto significa entrosamento permanente entre o Judiciário, o Ministério Público e os órgãos policiais encarregados da investigação.

Tudo isto, se aprovados os projetos de lei, deverá resultar na construção segura da prova feita na investigação policial, o que dificulta a sua destruição na fase judicial.

O tema é polemico e comporta discussões que estarão abertas durante tramitação dos projetos mencionados. E é importanlc que a sociedade delas participe. Fazendo-o, estarão todos tentando impedir que o crime organizado, no Brasil, assuma as proporções assustadoras conhecidas cm outros países da America Latina.

Michel Temer foi secretário de Segurança Pública, é professor de Direito Constitucional na PUC/SP e deputado federal

(artigo publicado originalmente na edição de 17/10/1989)

Informações do Jornal O Estado de São Paulo/Estadão (acervo).