Toda crise traz junto com seus efeitos maléficos oportunidades e aprendizado. E não será diferente em relação à pandemia do coronavírus, que já provocou mortes em todo o mundo. Apesar da tragédia da perda de vidas humanas, o coronavírus vai passar. O que deve ficar após o arrefecimento dos casos de contaminação é a solidariedade entre as pessoas, que parece ter renascido nas janelas e varandas das principais cidades do mundo, e o aprendizado que a doença pode deixar sobre a necessidade de aprimorarmos nossos controles sanitários.
O Governo do Distrito Federal foi o primeiro a adotar medidas severas contra a disseminação da doença, suspendendo aulas, restringindo o comércio, adotando ponto facultativo ao funcionalismo. São ações que retardam a disseminação do vírus e que preservam vidas. Medidas duras, ninguém discorda, mas necessárias, como têm se provado a cada dia e que vêm sendo seguidas por outros estados.
Em meio a essa crise, o setor agropecuário do Distrito Federal, em especial o formado por pequenos produtores, tem se reinventado. Quase cem mil pessoas no DF vivem no campo, produzindo hortaliças, frutas, peixes, flores, grãos. O grande desafio tem sido a comercialização desses produtos que abastecem nossas casas no dia a dia. A solução tem sido construída por todos os envolvidos no setor.
“Em meio a essa crise, o setor agropecuário do Distrito Federal, em especial o formado por pequenos produtores, tem se reinventado”
Com o apoio da Emater, da Secretaria de Agricultura, da Ceasa e, ainda, de suas associações e cooperativas, os agricultores têm buscado soluções para a comercialização – por meio dos pontos de comercialização de produtos orgânicos e da agricultura familiar, do fornecimento de cestas ou por meio das comunidades que sustentam a agricultura, as CSAs.
O Governo do Distrito Federal já anunciou a ampliação de recursos para compras diretas pelo Programa de Aquisição da Produção da Agricultura (Papa), uma forma de reduzir o impacto da crise sobre os produtores rurais e garantir o abastecimento. Outras medidas estão sendo gestadas pela administração pública.
Mas, se há algo que essa crise nos obriga a repensar é o aprimoramento da rede de controle sanitário na produção de alimentos. Devemos nos preparar e usar todos os recursos disponíveis para prevenir o surgimento e a transmissão de doenças existentes ou novas por meio dos alimentos.
“Devemos nos preparar e usar todos os recursos disponíveis para prevenir o surgimento e a transmissão de doenças existentes ou novas por meio dos alimentos”
Nesse aspecto, já dispomos de ferramentas que ampliam o controle sobre boa parte dos produtos agropecuários que consumimos. O sistema de rastreabilidade, proposto pelo Ministério da Agricultura e em implantação no Distrito Federal, já é obrigatório para várias hortaliças e frutas, com previsão de punições pesadas para quem não se adaptar à legislação, como multas e até interdição da produção. Novamente, medidas duras, mas necessárias para prevenir doenças, que levam prejuízo à população e pressionam o sistema público de saúde.
Com a rastreabilidade, é possível identificar qualquer problema ao longo de toda a cadeia produtiva, do plantio ao transporte e à comercialização. Assim, é possível saber a origem do produto, como ele foi tratado desde o início e de que forma chega ao consumidor. Tanto quanto direito do consumidor, é dever de quem planta e de quem comercializa garantir a segurança do alimento que abastece a cidade e o campo. E é uma obrigação do Estado orientar os empreendedores rurais e fiscalizar a produção.
Como parte do Sistema de Agricultura do DF, que inclui a Secretaria de Agricultura e a Ceasa, a Emater tem incentivado e orientado os agricultores a se adequarem à essa legislação. Para facilitar a adesão dos pequenos agricultores, desenvolvemos um aplicativo gratuito, o DFRural, que permite o registro de tudo o que é plantado, de todas as atividades realizadas e de todos os insumos que foram utilizados. O objetivo é garantir saúde, prevenindo o adoecimento da população do Distrito Federal e do Entorno por contaminações químicas ou biológicas.
Outra iniciativa é o programa Brasília Qualidade no Campo, que busca incentivar a adoção das boas práticas agropecuárias por parte dos agricultores, também com o objetivo de reduzir as possíveis contaminações. Nesse programa, mais de 30 agricultores já estão certificados e centenas se encontram em processo de adequação.
Em algum tempo, o coronavírus vai ficar para trás, apesar do rastro de dor em tantas famílias pelo mundo e pelos seus impactos econômicos. Que ao menos o legado dessa crise seja o aprendizado, a tolerância e a solidariedade, itens tão em falta nos tempos em que vivemos.
* Denise Fonseca é presidente da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do DF (Emater-DF)