O que acontece agora, depois que o STF resgatou o artigo 283 do Código de Processo Penal. Por Afrânio Silva Jardim

Como é público e notório, o Supremo Tribunal Federal, por maioria de votos, em recente sessão plenária, decidiu que o artigo 283 do Código de Processo Penal é constitucional, vale dizer, não contraria qualquer regra ou princípio da Constituição da República.

O citado dispositivo processual só admite as prisões cautelares e a prisão em decorrência de condenação TRANSITADA EM JULGADO. A toda evidência, esta regra está em consonância com o princípio da presunção de inocência, previsto no art.5, inc. LVII, da nossa Carta Magna.

Assim, não sendo inconstitucional, o artigo 283 tem de ser aplicado pelo Poder Judiciário. Ele veda a chamada execução provisória ou antecipada da pena de prisão. Vale dizer, prisão como efeito de uma condenação somente após o seu trânsito em julgado, ou seja, quando tal condenação penal não puder mais ser modificada em razão de algum recurso processual.

Não resta a menor dúvida de que as demais prisões processuais (cautelares) não são afetadas por esta decisão do S.T.F., pois o tão mencionado art. 283 expressamente prevê a prisão em flagrante, a prisão temporária e a prisão preventiva. Esta última pode ser decretada antes do processo penal e em quaisquer de suas fases procedimentais.

O que não mais se admite é a prisão como mero efeito de uma condenação de segundo grau, vale dizer, uma prisão imediata e automática, sem consideração de sua necessidade. Em outras palavras, não mais se admite começar o cumprimento de uma pena em decorrência de decisão judicial não definitiva.

Esclarecidas estas questões prévias e de ordem sistemática, vamos examinar as consequências desta correta decisão do Supremo Tribunal Federal. Por amor à brevidade e por preocupação didática, vamos dar ao nosso texto uma forma tópica e objetiva.

1) Como o artigo 283 do Código de Processo Penal não admite a chamada execução provisória da pena, todos os processos de execução de penal devem ser julgados extintos, por serem ilegais, determinando a liberdade daqueles que estavam cumprindo pena indevidamente.
Nada mais compete ao juízo da execuções. Extinta a ilegal execução provisória, carece este juízo de competência para a prática de qualquer outro ato jurisdicional;

2) No processo de conhecimento, onde tramitam ainda os recursos da defesa dos réus, poderão o Ministério Público ou eventual assistente da acusação (art.311 do CPP) requerer a decretação da prisão preventiva dos recorrentes, demonstrando o preenchimento dos requisitos do artigo 312 do Cod. Proc. Penal.
Evidentemente, o tribunal não poderá decretar a custódia cautelar “de ofício” e deve ouvir o réu antes de decidir fundamentadamente.

Se prevalecer o entendimento de que o juízo da execução penal não deve soltar o apenado, pois a prisão fora decretada pelo tribunal de segundo grau, ele deveria se limitar a prolatar uma sentença, decretando a extinção do ilegal processo de execução.
Não me parece este o melhor entendimento, pois o condenado ficaria preso “no limbo”, vale dizer, em razão de um título executivo ilegal e cumprindo uma pena que não estaria sendo executada. Bizarro.
De qualquer forma, apenas para argumentar, vamos sugerir um procedimento para resolver esta incômoda situação processual.

1) No caso aventado acima, caberia ao tribunal de segundo grau anular o título da prisão ilegal (execução provisória), expedindo o respectivo alvará de soltura, independentemente de qualquer provocação, vale dizer, desfazer a ilegal prisão “de ofício”.

2) Evidentemente, antes desta decisão de soltura do réu condenado, o Ministério Público (ou eventual assistente de acusação) poderá requerer a manutenção da prisão preventiva se preso estiver o réu, demonstrando a persistência dos motivos que justificaram a anterior custódia cautelar (requisitos do artigo 312 do Cod. Proc. Penal).
A toda evidência, já não mais cabe o requisito “por conveniência da instrução criminal”, pois não haverá mais atividade probatória.

3) Se o réu “respondeu” ao processo em liberdade ou já foi solto pelo tribunal em razão da inexistência da execução provisória, o Ministério Público (ou o eventual assistente da acusação) poderá requerer a prisão preventiva do réu, sempre com base no disposto no artigo 312 do Cod. Proc. Penal. Isto se o crime permitir esta espécie de prisão, segundo dispõe a aludida lei processual.

Atenção: a situação do ex-presidente Lula é muito peculiar e suscita um procedimento diferente. A juíza federal da execução de sua pena, da cidade de Curitiba, declinou de sua competência para a segunda-turma do S.T.F., tendo em vista que anterior decisão plenária deste tribunal decidiu que o ex-presidente deveria cumprir a pena na Polícia Federal de Curitiba. Ela entendeu que não mais tinha competência para decidir sobre a progressão de seu regime de pena.

Desta forma, entendo que caberá ao ministro Edson Fachin decretar a extinção de tal execução provisória e expedir o alvará de soltura do ex-presidente Lula, salvo se decretar a sua improvável prisão preventiva, cabendo sempre recurso para o colegiado.

O problema que surge com a vedação da execução provisória é que o réu que está recorrendo não mais terá, em princípio, os direitos previstos na Lei de Execução Penal, pois agora o título de sua prisão será uma decisão de prisão preventiva.

Neste caso, o réu sai prejudicado, pois teria de desistir dos seus recursos para, com o trânsito em julgado da condenação, poder lograr um regime de pena mais benéfico do que a prisão meramente cautelar.

Em nome do princípio maior de justiça, a solução seria dar a este preso que está recorrendo o tratamento legal dos presos em cumprimento de pena de prisão, embora este entendimento não seja juridicamente o mais técnico. A Lei de Execução Penal tem dispositivo legal que autoriza este entendimento.

De qualquer forma, aplaudo a decisão do Supremo Tribunal Federal que prestigiou o nosso sistema jurídico claramente positivado, não mais se deixando levar pela sanha punitivista e voluntarista de alguns personagens de nosso sistema de justiça criminal.

Finalmente, o princípio constitucional da não presunção de culpa passa a ter sua eficácia plena reconhecida judicialmente.

Informações do Site DCM