Hamilton Mourão circula devagar pela arena com as mãos firmes nas rédeas de Ídolo do Rincão. Passa ao lado do obstáculo de barras e, em silêncio, faz o reconhecimento da área. Depois de quatro voltas, Mourão toma distância e, finalmente, para. Seu cavalo resfolega. Com um toque curto, o vice-presidente avança com o animal rumo às barras e salta. Um obstáculo a menos para Mourão, que sorri.
É terça-feira em Brasília, o relógio passa pouco das 7h da manhã e o 1.º Regimento de Cavalaria de Guardas, a 20 quilômetros do Palácio do Planalto, foi convertido na arena dos “Cavaleiros da República”. Aos poucos, sem combinação prévia, juntam-se ao vice-presidente outros homens de Bolsonaro. Com seu cavalo, o ministro-chefe da Secretaria de Governo, general Santos Cruz, aproxima-se. O comandante do Exército, general Édson Pujol, também traz seu animal. Aparecem ainda, montados em seus cavalos, o deputado-general Roberto Peternelli (PSL-SP), além do nonagenário general Paiva Chaves.
O encontro passou a ser rotina. Pelo menos duas vezes na semana, os generais mais influentes do governo se reúnem para treinar saltos. Eles madrugam para ficar ali por cerca de uma hora, período em que tentam ultrapassar obstáculos de até 1,10 metro de altura. “É o (grupo) Cavaleiros da República”, sugere Mourão, após uma primeira abordagem do Estado sobre o passatempo longe dos holofotes.
A reportagem acompanhou um dos treinos do general e dos demais cavaleiros de Bolsonaro. O treino começa mais devagar, “esquentando” os cavalos na arena para, só depois, começarem os saltos. Na última terça, pelos menos uns dez cavaleiros montavam. Mourão, que não abre mão dos treinos sobre Rincão, cavalo que o acompanha há cinco anos, frequenta o lugar três vezes por semana.
Santos Cruz, que foi alvejado pelos ataques digitais do escritor Olavo de Carvalho, mas ganhou mais poderes por meio de um decreto editado na última semana por Bolsonaro, treina com o cavalo Tempo. Já Pujol, outro integrante do clube fechado, cavalga o Sintonia, o Guri e o Soberbo.
Nos treinos, política é assunto proibido
Com seu estilo despojado, que frequentemente provoca irritação dos filhos do presidente Carlos e Eduardo, Mourão avisa que “política” é assunto proibido no grupo que treina na arena do Exército. Depois da cavalgada, eles seguem para um café na cantina do “Grêmio dos Dragões”. Ali, são servidos chimarrão, leite, bolachas de maisena e água e sal com Nutella.
Cavalos são temas recorrentes em histórias palacianas de Brasília. Mourão, que frequentemente provoca solavancos no governo por adotar um comportamento mais aberto à imprensa, movimentos sociais e setores da oposição, deixa claro que refuta comparações com figuras que ficaram conhecidas, durante o regime militar, por atos brutos cometidos sobre o lombo de um cavalo.
Em 1984, o ex-comandante Militar do Planalto general Newton Cruz, o Nini, montado num animal, nas vésperas das Diretas-Já, chegou a dar chicotadas em manifestantes e carros na Esplanada dos Ministérios. Antes dele, em 1978, o ex-presidente João Figueiredo afirmou que “o cheirinho dos cavalos é melhor (do que o cheiro do povo)”. “Quando ele falou do cheiro do cavalo? Eu não tenho nada com isso. O presidente Figueiredo já morreu”, desconversa Mourão.
Para o vice-presidente, cavalo não é “terapia”, mas um “esporte”. Perguntado se, durante a cavalgada, consegue se esquecer de provocações como os ataques frequentes que recebe de olavistas e, por vezes, dos filhos do presidente Jair Bolsonaro, Mourão responde que o cavalo não lhe permite desviar o foco. “É preciso muita concentração”, diz. Rincão, que é da raça “brasileiro de hipismo”, já rendeu prêmios em provas.
O vice, que costuma emprestar o animal para colegas competirem, monta desde criança. Lembra que já caiu do cavalo várias vezes. A última aconteceu em um sábado, um dia antes do segundo turno das eleições em que seria escolhido o vice-presidente da República, ao lado de Bolsonaro. “O cavalo refugou. Foi um tombo normal, sem consequências”, conta.
Para evitar acidentes, Santos Cruz é, de longe, o mais precavido. Usa o que parece ser uma armadura, com capacete azul e proteções de ombro e peito. O ministro, que pouco fala, costuma cavalgar no Búlgaro e no Seixo, além do Tempo. Conta à reportagem que foram “muitos” os tombos em seus treinos, daí a decisão de só sair todo paramentado. “Não esqueço aquelas cinco ou seis quedas, quando fui parar no hospital”, diz, rindo.
Do outro lado da arena, o general da reserva e deputado Roberto Peternelli conta que pratica hipismo por “terapia”. “Não penso em nada, só me concentro no que estou fazendo.”
Outras presenças constantes nos treinos da hípica são o general da reserva Paiva Chaves, de 92 anos, decano do grupo, e o general Paulo Chagas. No mês passado, Chagas foi alvo do ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes, que determinou busca e apreensão em sua casa por causa dos ataques que fez a decisões do STF, pelas redes sociais.
Os cavalos montados pelos generais do governo pertencem à unidade militar. Mas cabe aos oficiais da reserva prepará-los para o adestramento e pagar pelos gastos. Mourão desembolsa R$ 500 por mês. A Força usa os cavalos em competições, em escoltas, cerimônias da Presidência e, se for preciso, em situações de distúrbios e confusões nas ruas.
Passava das 8 horas da manhã quando os “cavaleiros da República” encerraram a montaria. Mourão seguiu para o Jaburu. Santos Cruz se virou por ali mesmo. Deixou a indumentária de lado, tomou banho no vestiário e colocou um terno, rumo ao Planalto. De carro.
Informações do Jornal O Estado de São Paulo/Estadão.