A saída do diretor-geral da Polícia Federal, Maurício Valeixo, já é dada como certa pela corporação. Nos bastidores, a PF avalia que o ministro da Justiça, Sérgio Moro, foi “emparedado” pelo presidente Jair Bolsonaro, vem sofrendo sucessivas derrotas no governo e perderá de vez o poder de comando se não tiver carta branca para indicar o substituto de Valeixo. A troca está sendo vista na PF como uma “capitulação” do ministro a interesses políticos.
Moro silenciou nesta quarta-feira, 4, diante de repórteres quando questionado se pretendia dispensar Valeixo. Em menos de três minutos, ele encerrou a entrevista, alegando ter outros compromissos. A atitude foi considerada “ridícula” por um integrante da cúpula da PF. O ministro conversou com Valeixo, por telefone.
O Estado apurou que só o que falta, agora, é acertar a data da dispensa do diretor-geral, que tem férias de dez dias marcadas para a próxima segunda-feira.
O nome mais cotado para substituir Valeixo é o do atual secretário de Segurança do Distrito Federal, Anderson Gustavo Torres. O delegado é amigo do titular da Secretaria-Geral da Presidência, Jorge Oliveira, desde a época em que o atual ministro era chefe de gabinete do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente. Torres, por sua vez, era assessor parlamentar de Fernando Francischini, hoje deputado estadual pelo PSL do Paraná. Alinhado com a pauta de segurança pública de Bolsonaro, o delegado representaria uma mudança de perfil no cargo.
“É um nome natural e de total confiança do presidente, que nós apoiamos”, afirmou o deputado Felipe Francischini (PSL-PR), filho de Fernando e presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara. Torres já atuou em áreas como inteligência e combate ao crime organizado.
A insistência de Bolsonaro em mudar o diretor-geral da PF desencadeou uma crise na corporação e se tornou novo foco de desgaste para Moro, que já perdeu o comando do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf). Além do Coaf, o ministrou sofreu outros reveses, como o “desconvite” que foi obrigado a fazer à cientista política Ilona Szabó e o fato de Bolsonaro ter ignorado suas sugestões para o decreto de armas.
Em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo, na terça-feira, Bolsonaro disse que estava “tudo acertado” com o ministro sobre a substituição de Valeixo.
Na prática, a cúpula da PF está alarmada com a interferência do presidente nos trabalhos internos desde que ele anunciou a saída do superintendente da corporação no Rio, Ricardo Saadi, no dia 15 de agosto.
Na época, a resistência de Valeixo em aceitar o nome sugerido por Bolsonaro, o do delegado superintendente da PF no Amazonas, Alexandre Saraiva, acabou por colocá-lo na mira do presidente. “Se eu não posso trocar o superintendente, posso trocar o diretor-geral”, afirmou Bolsonaro, na ocasião.
Em sua equipe, Valeixo se cercou de nomes que trabalharam com a Lava Jato, entre eles o de Igor Romário de Paula, ex-titular da operação no Paraná. Igor foi nomeado diretor de Investigação e Combate ao Crime Organizado (Dicor) da Polícia Federal, posto já ocupado por Valeixo. Além dele, foi indicado como diretor executivo Disney Rosseti, ex-superintendente da PF em São Paulo entre 2015 e 2018.
“Essa história de arejar a PF é que não entendemos. Se era para arejar, por que não se falou nisso em janeiro, quando foi trocada a administração da PF? O que deu errado de janeiro para cá? Por que esse movimento agora?”, criticou o presidente da Associação Nacional de Delegados da Polícia Federal, Edvandir Paiva, em referência à declaração de Bolsonaro de que era preciso dar uma “arejada” no comando da PF.
Bolsonaro nega que sua interferência na PF tenha ligação com a investigações envolvendo o senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), seu filho primogênito. Flávio é suspeito de ter se beneficiado, quando era deputado estadual, em esquema de “rachadinha” na Assembleia Legislativa do Rio – irregularidade que consiste em fazer o servidor devolver parte do salário ao parlamentar.
No Planalto, auxiliares do presidente afirmam que a relação entre ele e Moro melhorou, mas os dois já tiveram conversas muito duras. Um dos momentos mais tensos ocorreu em 23 de agosto, antes da cerimônia do Dia do Soldado. Seis dias depois, momentos antes de descer a rampa que dá acesso ao Salão Nobre do Palácio do Planalto, ao lado do ministro, Bolsonaro e ele haviam tido um diálogo ríspido por causa da insistência do presidente em mudar a direção da PF. Naquele dia, Moro quase deixou o cargo.
Em um gesto de reaproximação, Bolsonaro o chamou de “patrimônio nacional” em cerimônia no Planalto.
Ex-superintendente da PF no Paraná por duas vezes, Valeixo trabalhou com Moro na investigação do caso Banestado, há 15 anos. O atual diretor-geral da PF ficou à frente da diretoria de Combate ao Crime Organizado durante três anos na gestão de Leandro Daiello, o mais longevo comandante da corporação.
A intenção de Bolsonaro não é só mexer na Polícia Federal. O presidente já sinalizou que vai fazer mudanças também na Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e na Receita Federal.
Informações do Jornal O Estado de São Paulo/Estadão