Em entrevista exclusiva ao Correio, a reitora da Universidade de Brasília (UnB), Márcia Abrahão, reflete sobre os avanços e os desafios da instituição à luz dos resultados na última edição do ranking Times Higher Education (THE), divulgada na última semana, em que a UnB foi considerada a oitava melhor universidade do país. De acordo com a organização do THE, o ensino superior está se tornando um campo cada vez mais competitivo globalmente.
Portanto, até mesmo para se manter na mesma posição em que estava no ano anterior, uma universidade precisa estar constantemente evoluindo. Caso da UnB, que permaneceu em oitavo lugar na última e na mais atual edição do ranking, tendo apresentando avanço em quatro dos cinco critérios utilizados pelo estudo: ensino, pesquisa, citações e reconhecimento internacional. O único indicador em que o desempenho da Universidade de Brasília piorou foi o chamado de “renda com a indústria”. A reitora da UnB, Márcia Abrahão, pondera que, apesar do nome, esse quesito está relacionado à verba para pesquisa. Assim, a crise e a redução do orçamento podem ter impactado negativamente essa questão.
A nota final da UnB no ranking ficou na faixa entre 22,2 e 28,2 pontos, maior que a do ano passado (na faixa entre 19 e 25,9 pontos). A partir do bom desempenho, a dirigente espera mais reconhecimento e espaço para diálogo com o Ministério da Educação (MEC). Márcia comenta ainda o cenário das federais no país, preocupada com a ameaça à autonomia universitária, e faz comparativos com o setor particular.
O resultado da UnB no THE é motivo para comemorar?
Avançamos significativamente no score geral. É um motivo grande para comemorar e demonstra o que nós sabemos e vivenciamos: que é uma universidade de excelência. Um indicador muito bom em que crescemos foi o de citações. A UnB saiu de 25,8 pontos para 36,8 pontos. A cada vez que um artigo nosso é citado numa base de dados com credibilidade internacional, temos uma citação. E é muito difícil, primeiro, a gente publicar em língua estrangeira por causa da nossa barreira linguística.
Somos brasileiros e temos que publicar em inglês principalmente, mas também em francês e espanhol, e publicar nas principais revistas. Esse indicador mostra que temos conseguido fazer isso e que, além do mais, nossas publicações estão sendo referenciadas, estão sendo consideradas por pesquisadores do mundo todo. Isso demonstra a credibilidade internacional de nossas pesquisas.
O que faltou para a UnB avançar no indicador renda com a indústria?
A UnB tem dificuldade de mensurar esse último indicador porque nossos principais parceiros são do governo. Temos muitos projetos com o governo. O governo é nosso principal parceiro de pesquisa e projetos. E esse ranking, apesar de ter, no nome o ano de 2020, coletou dados de 2017 e de parte de 2018, que foi quando o governo começou a reduzir o investimento. E isso impacta diretamente os recursos que o governo destina para projetos de pesquisa com a universidade também. Então, essa é a avaliação que fazemos. Apesar de esse indicador falar de renda com a indústria, inclui outras rendas obtidas para pesquisa; então, é a interação com o setor produtivo. Nós também tínhamos muitos projetos com a Petrobras, que reduziu muito o financiamento de projetos na área de petróleo. Agora que está retomando. Então, isso impactou também.
A senhora avalia que a UnB precisa aumentar as parcerias com setor particular?
Em 2018, nós fizemos projetos no valor de R$ 78,5 milhões. Só com a Finatec (Fundação de Empreendimentos Científicos e Tecnológicos), foram 174 projetos. Mesmo em crise, a UnB continua, por causa da sua credibilidade, atraindo parceiros públicos e privados. Sempre temos espaço para aumentar, mas nós temos um número significativo de parcerias. Somos uma universidade que interage fortemente com o setor produtivo. Só que, pelo fato de estarmos aqui na capital e Brasília ter poucas indústrias de grande porte (diferentemente das universidades do Sudeste, que tem uma relação com a indústria privada muito forte), a nossa maior interação é com o governo. Nossa interação é muito essa. Então, quando o governo diminui o aporte, isso impacta nossa renda com pesquisa e nossa “renda com indústria” também.
Qual o escopo dessas parcerias com o governo?
Nós temos projetos com quase todos os ministérios, com o Legislativo, com o Judiciário, demandados por esses agentes até porque temos muitos ex-alunos que estão nesses locais. Inclusive, temos um projeto de machine learning com o Supremo (Tribunal Federal), em que estamos compilando todas as decisões feitas desde o início do STF para identificar as principais linhas de julgamento e, assim, orientar novas decisões. Foi uma demanda do Supremo. Também damos curso para vários órgãos nacionais, como Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal e Exército; e do GDF.
O MEC não entende a importância das universidades federais?
Não sei se o MEC não entende ou não concorda. Todas as observações feitas em relação às universidades federais são no sentido de que nós trabalhamos pouco — inclusive confundindo o que diz a LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional), de que o professor universitário precisa dar no mínimo oito horas de aula por semana. Mas é porque o professor universitário não dá só aula. Ele faz pesquisa, faz extensão, faz administração. Então, ele trabalha muito mais do que 40 horas semanais. Inclusive, ele precisa estar sempre publicando (artigos científicos), se não, não avança na carreira. O próprio THE olha a internacionalização, a citação, a relação com a indústria e o ensino. Não olha só o ensino. O ensino é um dos fatores. Acho que o olhar do MEC não corresponde ao que fazemos numa universidade do Brasil e de qualquer lugar do mundo. Em todo lugar do mundo é assim: o professor dá aula e também faz pesquisa.
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Informações do Jornal Correio Braziliense