Mãos Dadas é a oportunidade de transformação do preso

Secretário de Administração Penitenciária detalha projeto de ressocialização, que oferece capacitação e redução de pena

 

 

FLÁVIO BOTELHO, DA AGÊNCIA BRASÍLIA | EDIÇÃO: CHICO NETO

Antes subordinado à Secretaria de Segurança Pública, o sistema carcerário do DF passou a ter independência em maio do ano passado, com a criação da Secretaria de Administração Penitenciária (Seape), por meio de decreto do governador Ibaneis Rocha. A pasta, que tem como titular Agnaldo Curado, gerencia cerca de 1,9 mil servidores e aproximadamente 16 mil presos nas sete unidades prisionais do DF: as unidades I e II do Centro de Detenção Provisória, Centro de Progressão Penitenciária (CPP), Penitenciária do Distrito Federal I e II (Papuda), Centro de Internamento e Reeducação (CIR) e Penitenciária Feminina do Distrito Federal (Colmeia).

O sistema também trabalha para ampliar as ações de ressocialização dos internos. Em entrevista à Agência Brasília, Agnaldo Curado, apresenta detalhes do Mãos Dadas, projeto focado na capacitação de presos com a oportunidade de trabalho em troca da redução da pena.

“Começamos com 65 internos nesses trabalhos, mas podemos chegar a 700”, explica. Segundo o secretário, participam do programa apenas os sentenciados em regime semiaberto. Cada três dias trabalhados, informa ele, correspondem a um dia a menos da pena.

O secretário relembra os protocolos rígidos que o sistema penitenciário está adotando para prevenir a infecção por coronavírus, anuncia reformas e obras nas unidades e prevê, ainda este ano, novo concurso para policiais penais.

 

Acompanhe, a seguir, os principais trechos da entrevista.

 

Foto: Joel Rodrigues/Agência Brasília

 

 

Como o senhor definiria o Projeto Mãos Dadas?

É a oportunidade de transformação do preso. Damos a oportunidade de ele reduzir a pena e também adquirir uma qualificação profissional. Quando sair do sistema penitenciário, ele terá uma função já definida e, assim, vai facilitar a reinserção dele na sociedade.

 

Então, o foco é a busca pela reinserção social?

Sim, de criar mais oportunidades. Hoje, o sistema penitenciário tem 2,8 mil presos no regime semiaberto que estão aptos a trabalhar. Por meio da Funap [Fundação de Amparo ao Trabalhador Preso, ligada à Secretaria de Justiça e Cidadania], temos em torno de 800 presos com um trabalho. Com isso, precisamos dar vazão ao restante de presos, que não têm a mesma oportunidade.

 

Qual a contrapartida para os reeducandos?

Com o Projeto Mãos Dadas, os internos podem reduzir sua pena. Cada três dias trabalhados diminuem um dia da pena. Só podem participar presos do regime semiaberto.

 

Qual o balanço de ações até o momento? Quantos reeducandos já participaram?

Os internos que participam do projeto possuem uniforme próprio, também atuam com EPI [Equipamento de Proteção Individual, obrigatório para o período de pandemia]. Já passamos por Ceilândia, Candangolândia, Lago Norte e Cruzeiro. Começamos com 65 internos nesses trabalhos, mas podemos chegar a 700.

 

Foto: Orisley Guedes – Ascom/Seape

Há intenção de expandir o projeto?

Sim, queremos levar o Mãos Dadas para todas as regiões administrativas. A administração que estiver interessada tem que fazer um pedido oficial, e a gente disponibiliza a mão de obra para os trabalhos.

 

Quais outras ações estimulam a reabilitação e reinserção da população carcerária?

Contamos também com o projeto de remissão penal pela leitura, que é um projeto do Ministério da Justiça e do Conselho Nacional de Justiça que estimula o hábito da leitura entre os presos para que eles possam diminuir a pena.

 

O trabalho é acompanhado por agentes penitenciários?

Mesmo trabalhando, o preso tem que ter o acompanhamento de um policial penal, para segurança e escolta. E, para os trabalhos, temos servidores aqui que têm especialidade em artesanato, em costura… Então, voluntariamente, eles vão se colocando à disposição para trabalhar e ensinar os presos.

 

O sistema prisional do DF sofreu no início da pandemia do Covid-19 com o registro de vários casos. Como está a situação atual?

Esperava-se uma situação muito pior, justamente em função do número da população carcerária. Mas, graças a Deus e ao trabalho desenvolvido pelos servidores da Seape e da Secretaria de Saúde, isso pôde ser controlado. Hoje, temos, em cada unidade prisional, uma Unidade Básica de Saúde [UBS]. Então, pudemos fazer uma testagem muito grande dentro do sistema, e foi possível controlar o surto. Infelizmente, tivemos a morte de quatro internos e de um policial penal. O trabalho de controle teve êxito. De lá para cá, viemos mantendo toda a parte de biossegurança, de acompanhamento em relação a qualquer interno que venha a apresentar sintomas. Por exemplo, todos os presos que entram no sistema penitenciário hoje, obrigatoriamente, passam por uma quarentena de 14 dias separados de todos, e só vão para a população carcerária depois desse período, devidamente testados.

 

A visitação presencial foi retomada em setembro. Quais são os protocolos e procedimentos para que não ocorra outro surto?

A visita é um fator essencial dentro do sistema penitenciário; a população carcerária se tranquiliza e conseguimos controlar melhor a situação dos presos, dando a oportunidade de poder ver a mãe, o pai, filho, esposa. Com a suspensão das visitas no início da pandemia, ficamos muito preocupados, porque ia movimentar muito essa massa, mas uma das coisas mais importantes foi que os presos entenderam a gravidade da doença. Eles poderiam transmitir uns para os outros e também para seus familiares. Então, não tivemos nenhum problema durante esse período em que as visitas estiveram suspensas, foi um comportamento exemplar dos presos do sistema carcerário do DF.
Conversando com a VEP [Vara de Execuções Penais], o Ministério Público e a Defensoria Pública, quando a situação da Covid-19 ficou controlada, decidimos voltar gradativamente com as visitas. Hoje, elas são feitas da seguinte forma: o preso pode ter a visita de apenas uma pessoa, devidamente cadastrada junto à Seape, e somente essa pessoa pode ir até o presídio. Mantivemos todo o sistema de segurança: distanciamento social, não podendo haver contato físico; exigimos que usem máscara, álcool gel, todos os procedimentos comuns. Para as pessoas que possuem comorbidades, maiores de 60 anos e crianças, disponibilizamos a visita virtual por meio de videoconferências em tablets. Tudo agendado pela Secretaria [de Administração Penitenciária].

 

Então o sistema de videoconferência ainda está sendo utilizado pelos presos?

Ele veio para ficar; não vamos descontinuá-lo após a pandemia, porque vimos o efeito positivo. Além das visitas, esse sistema também é utilizado para audiências com o Tribunal de Justiça, com os advogados, com a OAB [Ordem dos Advogados do Brasil], com a Defensoria Pública, e estamos implementando isso cada vez mais, inclusive agora com oitivas com a Polícia Civil. Não são todos os casos, mas, nas situações em que se faz possível o uso da videoconferência, estamos mantendo e vamos aumentar cada vez mais.

Foto: Orisley Guedes – Ascom/Seape

 

O volume de ocupação carcerária é algo que preocupa o Brasil. Como estamos lidando com isso?

Para mantermos a tranquilidade e o controle no sistema, temos investido em algumas frentes. Primeiro, na construção de novas unidades. Estamos iniciando a licitação para construir a terceira penitenciária [PDF III] e, em fevereiro, vamos receber dois novos centros de detenção provisória, para 3.200 presos. Também estamos investindo na qualificação dos nossos servidores. O policial penal do DF, hoje, é um servidor que tem curso superior; investimos na formação deles, em treinamento. Temos uma Diretoria de Operações Especiais muito treinada e atuante, para qualquer tipo de intervenção. Também investimos na aquisição de armamentos com munição não letal, em novas viaturas e outros equipamentos. Temos procurado priorizar a questão do concurso público. Vamos inclusive soltar um esse ano; já foi autorizado pelo governador, para mais 400 vagas e 900 de reserva.
Além disso, distribuímos a massa carcerária para dar uma melhor qualidade de vida para o interno, conservando seus direitos humanos, que é algo que podemos destacar aqui no DF. Levamos essa questão a sério, a manutenção de todos os direitos possíveis do interno, como saúde, educação, alimentação. Trabalhamos com as unidades de direitos humanos da Câmara Legislativa, da Câmara Federal, grupos e associações de família. Qualquer denúncia que chega, apuramos e investigamos, para que os presos tenham as suas garantias conservadas. Além da entrega de novas unidades, estamos trabalhando para a reforma de unidades bem antigas, o CDP I e o CIR.

 

É correto afirmar que o DF apresenta um baixo índice de rebeliões comparado a outras unidades da Federação?

Sim. A última que ocorreu foi em 2001. Atribuo isso à qualificação dos policiais penais, que trabalham no dia a dia a questão da disciplina junto ao preso. Além disso, a vigilância e o sistema de inteligência, que a gente mantém dentro de cada unidade, são muito importantes. Com isso, conseguimos antecipar situações de risco. Por tudo isso aí, o nível de rebeliões está bem controlado no DF, e trabalhamos para que não ocorra outra tão cedo.

 

Como a Seape administra o índice de evasão do sistema semiaberto?

Esse tipo de evasão aqui no DF é bem baixo, gira em torno de 2%. Algumas evasões acontecem quando tem os “saidões”, pois todo preso do sistema semiaberto tem direito a sete saídas de cinco dias cada, totalizando 35 dias. Os que não retornam são recapturados; temos um serviço de vigilância a postos, a nossa fiscalização e inteligência trabalham e a maioria é recuperada. Temos uma gerência que fica 24 horas por dia fiscalizando os presos que saem, seja no local de trabalho, caso ele trabalhe, seja em casa, caso ele esteja no regime domiciliar. Em qualquer quebra de regra, ele perde o benefício. Então, o preso tem muita consciência disso, pois ele não pode errar. Chegar ao semiaberto é o último passo antes de ir para o aberto. Se ele quebra a regra, ele retorna ao fechado.

 

Foto: Orisley Guedes – Ascom/Seape

Fonte: SEAP DF