Em 2007 fiz um trabalho, não muito bom, mas que parece tão atual que às vezes me surpreendo!
Com a proximidade da Conferência Nacional de Segurança, que ocorrerá na próxima semana (de 27 a 30 de agosto), o deputado Cabo Patrício (PT) tem defendido mais ostensivamente a desmilitarização da Polícia Militar. Na quarta-feira (19), ele esteve na Secretaria Nacional de Segurança Pública, no Ministério da Justiça, onde tratou do tema com o secretário Ricardo Balestrelli. Na quinta-feira (20), fez a mesma defesa diante de prefeitos e vereadores de todo o Brasil durante palestra no auditório do Sebrae. “A existência de uma polícia única é uma arma forte contra o avanço da criminalidade”, afirmou.
fonte:http://http://blogs.maiscomunidade.com/blogdocallado/2009/08/21/cabo-patricio-defende-desmilitarizacao-na-senasp/
Particularmente não acredito em uma desmilitarização da forma que estão propondo…aliás QUE FORMA DE desMILITARIZAÇÃO ESTÃO PROPONDO?
Acredito em uma desmilitarização cultural! O que seria isso? O fim das deturpações existentes em nosso meio em decorrência do conhecimento adquirido por nós POLICIAIS militares!
Acredito em investimento em QUALIFICAÇÃO PROFISSIONAL!
Temos que compreender que existem dois modelos básicos dentro da polícia militar:
1 – Modelo de policiamento:
1.1 – Preventivo (Polícia Ostensiva) – Age antes do crime;
1.2 – Repressivo (Polícia Investigativa) – Age após o crime;
2 – Modelo administrativo de polícia:
2.1 – Civil (Polícia repressiva/investigativa);
2.2 – Militar (Polícia preventiva/ostensiva);
Tanto o modelo militar quanto o civil seguem as orientações do modelo de burocratização Weberiana, existente em todas as organizações em nossa sociedade!
Visando esclarecer algumas dúvidas sobre a proposta de desmilitarização que tramita no congresso, não citando a PEC 300, apresento a vocês o último capítulo da Monografia apresentada em 2007, no curso de direito, como resultado de um trabalho proposto pelo professor Sérgio Della Sávia, na disciplina Metodologia Científica.
Como já disse antes, na época, eu não tinha conhecimento necessário para realizá-la, mas foi um grande desafio. Foi com o conhecimento adquirido nesse trabalho que consegui entrar para a Especialização em Segurança Pública da Universidade de Brasília e mudar alguns conceitos que foram introjetados em meu pensamento durante o curso de formação de soldados.
Muita coisa desse capítulo já foi apresentada aqui no blog, mas não de forma direta, pois ele é um dos mais críticos apresentado até aqui…
Ao ler a afirmação e analisar o discurso de alguns candidatos percebi que havia chegado a hora de publicá-lo nesse espaço!
4 – Desmilitarização: uma utopia ou o início de grandes resultados?
Uma reflexão sobre a Pec 21
O Brasil vive nos bastidores da política uma verdadeira luta de classes entre oficiais e praças, em especial cabos e soldados, das policias militares de todo país. Está em discussão no Senado Federal uma proposta que pode mudar radicalmente a cultura de segurança pública em todos os estados da federação e aqui no Distrito Federal. Esse assunto não é novo e já gerou muita discussão no meio policial. Sobre o tema, BROCHADO, coronel reformado do Exército e ex-secretário de Segurança Pública do Distrito Federal afirma que:
Sempre tramitam no Congresso Nacional idéias e propostas de mudança na situação atual que acenam ora para desmilitarização da polícia administrativa, ora para sua unificação com a polícia judiciária. O debate é estimulado por interesse eleitoral e dirigido com mais vigor para cabos e soldados das corporações militares, eleitores recentemente obrigados ao alistamento e ao voto por comando constitucional de 1988 (a exclusão dessa obrigação, explícita desde a Constituição de 1891, deveria ser interpretada como um instrumento de proteção da organização militar). Confunde-se tudo. Manipula-se a desinformação. Cria-se a falsa perspectiva de melhoria salarial. Apresenta-se para um corpo de profissionais voluntários o argumento falacioso da libertação do jugo militar. Instala-se a discórdia entre oficiais e praças. (1997:234)
A proposta de emenda constitucional, doravante PEC 21, que está sendo discutida no Congresso Nacional, pode influenciar a cultura policial, principalmente a militar, pois cria a possibilidade de desmilitarização das polícias estaduais, desvinculando-as do Exército Brasileiro. Essa proposta coloca de um lado as praças, em sua maioria, a favor da desmilitarização e do outro a maioria de oficiais que lutam pela manutenção do sistema atual. BROCHADO ao descrever um cenário de caos reforça ainda mais sua idéia sobre a desmilitarização ao dizer que:
Além de tudo a discussão é inoportuna. A desmilitarização das polícias militares acrescentaria ao processo crítico brasileiro um ingrediente calamitoso. A mudança acarretaria expectativas de toda a ordem e a grande massa de soldados, cabos e demais graduados, instantaneamente encaminhados para uma nova situação, despreparados, seria envolvida por pressões, interferências e disputas políticas capazes de anular a capacidade operacional dessas corporações, transformando em caos o já debilitado organismo de segurança pública no Brasil. (1997:235)
Contrapondo ao pensamento de BROCHADO, apresenta-se a idéia de AMARAL, advogado e professor da Faculdade de Direito da Universidade Católica de Brasília, que diz:
Bem se vê que tanto a atual Constituição Federal como as leis regentes da matéria carecem de firme decisão política de caráter tecnorreorganizacional, que não se pode deixar influir por interesses corporativos (neste caso sempre muito fortes). Não há razão (sensata razão), senão argumentos só aparentemente úteis, para a estratégia militar interferir no âmago da estratégia policial, a ponto de determinar a existência de uma “polícia” militar. Em regime democrático, sob o império do Estado de Direito, não há espaço para este desvio profissional, ainda tão sedimentado entre nós, agora já mais por incúria administrativa que por razões políticas. (2003:48)
A proximidade entre o aparato policial e os militares tem influenciado a política de segurança pública, pois em sua maioria as secretarias de segurança, quando existem, são ocupadas por Generais ou Coronéis reformados do Exército, tal prática foi fortalecida no governo Vargas e persiste mesmo após a redemocratização. Esse fato pode ser explicado conforme explanação de Benevides (1976) que diz que “o sistema político brasileiro para funcionar necessita da colaboração castrense”. Segundo Mathias
“Fazem parte do processo político mecanismos de cooptação desses atores para que haja alguma estabilidade do sistema. E assim que os períodos críticos da história brasileira correspondem também à união militar em torno de determinadas idéias. As fases de estabilidade, ao contrário, implicam a manutenção de algum grau de divisão interna às Forças Armadas, ao mesmo tempo que se assegura a participação de militares em cargos governamentais – parece uma medida compensatória para as Forças Armadas -, de forma a preservar a normalidade no processo político pela garantia de ‘fiéis da balança’ dada ao ator fardado”. (2004:14)
Essa explicação é coerente, pois analisando de forma crítica perguntamos: o que um general de exército entende de segurança pública, se ele é treinado a vida inteira para a guerra? Analogamente poderíamos perguntar: o que um delegado de polícia entende de guerra?
A segurança pública tem sido dominada pelos militares do exército desde seus primórdios. Os limites impostos de modo exacerbado às praças, que muitas vezes são tratadas como jovens recrutas do exército, obrigados a servir a pátria, e não como profissionais de segurança pública, concursados, geram um estresse que será refletido na sociedade de várias maneiras. A violência policial, a falta de estímulo profissional e a formação deficitária são um reflexo do militarismo arraigado, que limita cabos e soldados à condição de meros elementos de execução, o que faz com que muitos policiais não busquem o aperfeiçoamento necessário à carreira, gerando graves problemas na execução dos serviços de segurança pública.
No decorrer deste trabalho procurou-se discorrer sobre vários pontos relacionados à influência militar na segurança pública para melhor subsidiar-nos neste capítulo. Como foi discutido, a militarização do Estado, principalmente a policial ocorreu durante um longo período da nossa história. E mesmo com a redemocratização do país no início da década de 1990 ainda falta muito para a desmilitarização do aparato criado em tempos de ditadura. Não podemos deixar de recordar que as polícias estaduais se tornaram militares no início do século XX e que se tornaram reserva do exército por meio da Constituição de 1934, com o objetivo de centralização política de Vargas que passava pelo desmantelamento da capacidade militar dos estados, permanecendo nessa condição no auge da Ditadura Militar em 1969, sendo esse feito ratificado na Constituição Federal de 1988 em vigor até hoje.
As lições de 1932, quando a Força Pública de São Paulo enfrentou o Exército, foram logo assimiladas. A Constituição Federal de 1934 em seu art. 167 declarou que as polícias militares eram forças de reserva do Exército e assegurou a competência privativa da União para legislar sobre a organização, instrução, justiça e garantias das forças policiais dos estados. Tais medidas vieram atender a um velho anseio dos militares do Exército de se consolidarem como força militar hegemônica no plano nacional. (COSTA, 2004:96)
As informações introjetadas em nosso coletivo social por meio do adestramento que sofremos nesse período ditatorial foram tão intensos que nos dificulta aceitar, ou até mesmo visualizar, outro modelo para as polícias que não seja o militar.
Nos cegamos a tal ponto que não enxergamos como funcionam as polícias em outros países que não são militares e que possuem o ciclo completo de policiamento . Temos dificuldade em perceber que as forças armadas têm por missão a defesa externa do país, enquanto a polícia cabe a defesa interna.
As polícias de cunho militar foram instituídas para garantir a “Segurança Interna” e a “Manutenção da Ordem” nos Estados, nos territórios e no Distrito Federal, além de serem consideradas Forças Auxiliares e reserva do Exército. No caso de serem mobilizadas a serviço da União em tempo de guerra externa ou civil, gozariam das mesmas vantagens atribuídas ao pessoal do Exército. (PEDROSO, 2005:61)
Etimologicamente o termo militar, do latim militare, significa de soldado, militar, da guerra, guerreiro, combatente de guerra, refere-se àquele que guerreia, ou seja, os militares são totalmente voltados para a guerra. Quando utilizamos o termo militar, muitas vezes, nos recordamos também da palavra bélico, do latim bellicum (de guerra, guerreiro). A formação do policial é antítese da formação do militar, uma vez que o militar é treinado para matar e o policial deve ser formado para educar, para civilizar, como agente do direito que é. Segundo AMARAL, “o policial é um profissional do Direito, tanto quanto o juiz, o advogado, o promotor de justiça, jamais um profissional da guerra” (2003:47). Ainda segundo ele, “o mister do policial é prevenir e reprimir, não o cidadão, mas sim o crime praticado por ele”. “O militar tem a arma e a força como recurso primordial, enquanto o policial tem a arma e o uso da força como o último recurso a ser utilizado”.
Usualmente a atividade policial é descrita como uma guerra contra o crime. Mais recentemente esta guerra vem ganhando outras dimensões: guerra contra as drogas, guerra contra a delinqüência juvenil e mesmo guerra contra a corrupção. A analogia entre polícia e Exército é inadequada. Diferentemente dos soldados num campo de batalha, os policiais não têm a clara definição de quais são os seus inimigos; afinal, são todos cidadãos, mesmo os que infringem a lei. Tampouco esses policiais estão autorizados a usar o máximo de força para aniquilá-los. Essa analogia permite que as polícias elejam seus inimigos normalmente entre os segmentos política e economicamente desprivilegiados, além de também incentivar o uso da violência. (COSTA, 2004:55)
Para COSTA o problema gerado por essa analogia é que ela impõe às polícias uma guerra perdida inesgotável. Isso gera um sentimento de frustração e desmoralização entre os quadros da polícia, pois o controle social é função do Estado como um todo, e não uma tarefa exclusiva das polícias. Ao Estado cabe, portanto, como um todo impor normas, as crenças e os padrões de condutas desejados pelos grupos dominantes. É impossível realizar esse controle social exclusivamente por meio da repressão policial. Portanto não se pode combater ou eliminar o crime. Por outro lado, os mecanismos de controle social podem ser aperfeiçoados e estendidos a uma porção maior da sociedade.
A polícia reflete a ideologia do governo que ela tem, pois afinal os governadores são os verdadeiros comandantes . Um governo autoritário terá uma polícia autoritária e violenta, um governo que não respeita os direitos humanos terá uma polícia que mata, tortura e se corrompe facilmente. Portanto o Estado Democrático de Direito não tem mais espaço para o atual sistema de segurança pública que temos, forjado no auge da Ditadura Militar com um grande poder regenerativo com grandes chances de se perpetuar.
Um olhar sobre a história da polícia revela uma faceta da organização das políticas públicas e do gerenciamento do espaço público no Brasil. A questão da segurança e o discurso armamentista que o Estado prega hoje em dia nada mais é que uma artimanha para o controle da massa. Uma vez que a prevenção ao crime é secundária, investe-se no confronto “armado” contra os marginais; mantem-se a população amedrontada, quer por parte da força policial, quer por parte dos bandidos, também armados. (PEDROSO, 2005:49)
Alguns defensores da manutenção do sistema atual, quando confrontados sobre o fato do Brasil, África e alguns países Sul Americanos serem os únicos a possuírem polícias militares, dão como exemplo a Polícia Alemã, reestruturada por Hitler, e a Polícia Francesa (Géndarmerie), criada por Napoleão Bonaparte e transplantada pelo Regente D. João para Lisboa e Rio de Janeiro. Segundo BROCHADO,
No intricado sistema policial francês, centralizado, uma polícia militar, como versão policial das forças armadas, voltada para a manutenção da ordem pública – demonstrando bem a correta e sempre atual preocupação de Napoleão com a afinidade entre as ações de defesa pública, preventivas e repressivas, e sua possível evolução para ações de defesa nacional -, exerce funções investigatórias, e uma polícia civil matem forte contingente nas ruas das grandes cidades, uniformizado, para prevenção ostensiva dos delitos, não obstante ser fundamentalmente polícia judiciária. (1997:358)
Volta-se a idéia inicial de que a polícia reflete o pensamento político da época, ou seja, cada força policial reflete o governo que tem. Observa-se nas palavras do autor, que mesmo tendo polícia militar na França a polícia que faz o policiamento ostensivo é composta por civis, o que facilita a proximidade com a população, pois é o policiamento fardado que faz o primeiro contato entre a polícia (instituição) e a sociedade.
Refletindo sobre os pensamentos acima expostos, analisaram-se alguns pontos sobre a proposta de emenda constitucional, que pode alterar o cenário atual da segurança pública no Brasil. A PEC 21 surge não como a salvadora da pátria, mas sim como o início do diálogo sobre uma possível mudança de paradigma e quiçá a ruptura desse cenário ditatorial. O Brasil com sua dimensão continental possui suas particularidades, o que gera grandes dificuldades para administrá-lo.
Os problemas envolvendo violência e demais crimes estão por toda a parte e o município não está livre desse problema. Em decorrência da segurança pública ser controlada pelo o estado, em sua maioria mau administrado e sem recursos, os municípios são os que mais ficam a mercê dos criminosos. Segundo Paula Miraglia:
Ainda que no texto da Constituição Federal Brasileira a responsabilidade pela segurança pública apareça como tarefa a ser compartilhada, sabemos que as políticas públicas na área de segurança foram, historicamente, objeto de ação, sobretudo, dos governos estaduais. Eleger o município como mais um ator nesse panorama é resultado de um processo, mas também da percepção das potencialidades da ação do poder local nesse campo de atuação.(LIMA e PAULA, 2006:89)
O projeto de emenda a constituição teve início no ano de 1997 com o então Governador de São Paulo Mário Covas, que propunha a reestruturação dos órgãos de segurança pública, propondo a unificação das polícias, entre outras medidas de aprimoramento do sistema. A Câmara dos Deputados criou uma Comissão Permanente de Segurança Pública para estudar, entre outros temas, a estruturação dos órgãos policiais, no momento em que o debate passou a ganhar espaço na mídia e na sociedade.
A Comissão ouviu Governadores, policiais, sociólogos, formadores de opinião e especialistas no tema em geral, cuja conclusão, levando em consideração várias outras proposições legislativas, foi substantivada na proposta de emenda constitucional da Deputada Zulaiê Cobra, relatora dos trabalhos. Posteriormente o tema deixou de ser discutido retornando apenas a ser debatido em março de 2002, novamente voltou a ocupar lugar de destaque nos debates nacionais, em face da pressão da sociedade, desta vez, na comissão mista composta por Deputados e senadores, sob a Presidência do Senador Íris Resende, “destinada a levantar e diagnosticar as causas e efeitos da violência que assola o País”, criada sob o Requerimento número 1, de 2002-CN.
Tal Comissão requisitou cópia de todas as proposições legislativas de ambas as Casas do Parlamento sobre o tema de segurança pública – que somaram mais de duas centenas -, para consolidá-las em uma única proposta de emenda à Constituição e em um único projeto de lei, conforme o caso, com vistas a uma tramitação em ritmo acelerado, tanto na Câmara dos Deputados quanto no Senado Federal. As propostas em tramitação no Congresso Nacional foram analisadas e chegou-se ao final, em duas propostas de emenda à Constituição – sobre a unificação das polícias e sobre o financiamento da segurança pública -, que inspiraram a proposta que tramita atualmente no senado, consolidando essas duas propostas em uma única.
Alguns ajustes foram realizados, segundo a justificativa, no que concerne a uma maior liberdade e flexibilidade para os Estados – por meio da desconstitucionalização do tema, uma vez que não se impõe a unificação das polícias, deixando-se essa decisão para análise de conveniência e oportunidade de cada ente federado, em respeito às realidades locais – e outros , levando-se em consideração o desenvolvimento do tema nos últimos três anos, principalmente nos debates realizados no âmbito da Subcomissão de Segurança Pública do Senado Federal.
Os princípios que balizam a PEC 21 são a racionalização e a integração. Assim, inicialmente, a Polícia Federal passa a ser única (art. 144, § 1º, III), pois é totalmente desnecessário manter três corporações – a Polícia Federal propriamente dita, a Polícia Rodoviária Federal e a Polícia Ferroviária Federal – com comandos distintos e separados.
A polícia dos estados passa a ser matéria desconstitucionalizada (art. 144, § 2º). Cada estado terá competência para organizar livremente a sua polícia, podendo optar pela unificação ou por manter a estrutura atual de duas polícias (civil e militar), ou mesmo, se assim achar mais conveniente, criar mais estruturas policiais. Essa alteração é importante, dadas a extensão continental do território do País e as múltiplas diferenças e realidades regionais. No Brasil existem entre as regiões e os estados grandes diferenças socioeconômicas e culturais. E a segurança pública deve organizar-se e funcionar com base nessa realidade.
Apesar de se atribuir autonomia aos estados para organizar sua polícia, de acordo com a realidade estadual, um ponto de fundamental importância é que algumas condições devem ser respeitadas. O ciclo completo da atividade policial é uma delas. Mas da forma que está na letra da lei nos parece confuso, pois o legislador ainda parece estar preso ao nosso modelo atual (Polícia Civil e Polícia Militar), expressando um dualismo implícito. Segundo COSTA, “a existência de duas instituições policiais dificulta a integração das políticas de segurança pública. Geralmente, as instituições policiais atuam isoladamente, com fraca coordenação e controle”.
Outra condição importantíssima é a formação única dos policiais. O contato com universidades e centros de pesquisa (art. 144, § 4º) mostra-se indispensável, pois traz o policial para mais perto do humanismo acadêmico, das teses em discussão em universidades estrangeiras e do estudo de assuntos relevantes na área de segurança pública, principalmente os concernentes aos direitos humanos, o que contribui para tornar ainda mais qualificada a prestação de seu serviço à comunidade, minimizando assim, a divisão redutora de potencial que será denominada LIMITARISMO .
Não se pode deixar de mencionar que nas polícias está surgindo um novo pensamento, pois existem nos quadros destas instituições, policiais nascidos no início da redemocratização. A nova geração da PMDF é composta em sua maioria por pessoas que nasceram na década de oitenta e cresceram sob a luz da Democracia. Um fenômeno que merece atenção na Polícia Militar do Distrito Federal é o elevado índice de cabos e soldados que estão se especializando, em sua maioria, os mais novos possuem graduação em nível superior e alguns estão no mestrado ou em outros cursos de pós-graduação, esse fato é importante porque, enquanto os oficiais possuem plano de carreira definido e podem se dedicar exclusivamente na polícia, as praças têm que fazer vários concursos internos para serem promovidos.
Na expectativa de melhorias fora da corporação as praças estão buscando especialização em outras áreas, com isso, está surgindo um novo conflito dentro da instituição que é o poder versus o conhecimento. O poder no primeiro caso é institucional e o segundo é o poder do conhecimento que transforma as mentes, impondo um espírito crítico e criativo. O que isso pode gerar no militarismo? Afinal, estamos vivendo na era do conhecimento, e isso é sinônimo de poder.
Essas condições estipuladas aos estados na justificativa da PEC, provavelmente têm o objetivo de evitar as deturpações entre segurança nacional e segurança pública, geradora de uma polícia sem vocação policial e deturpada , segundo AMARAL (2003), “mais bélica e menos técnica, mais voltada à ciência militar do que à ciência criminológica”.
Outro fator importante para o combate ao crime é a autonomia que a PEC prevê aos órgãos de criminalística e de medicina legal (art. 144, § 5º) que vem reforçar as garantias da ampla defesa, do devido processo legal e da presunção da inocência, previstas constitucionalmente, imprescindíveis em um estado democrático de direito, impedindo a interferência da autoridade policial na análise técnica das provas.
A proposta também adota providências que reforçam as que vêm sendo hoje concretizadas com o Sistema Único de Segurança Pública (art. 144, § 6º), particularmente o banco de dados único (INFOSEG).
Os estados organizarão livremente seu corpo de bombeiros, que deverá ficar vinculado à defesa civil (art. 144, § 10º). As atividades inerentes ao combate ao incêndio e à defesa civil não pressupõem, para a sua melhor execução, uma organização policial, seja militar, seja civil. Em muitos municípios brasileiros, essas atividades são exercidas por cidadão voluntário sem nenhum treinamento policial ou militar.
Abre-se ainda a possibilidade das guardas municipais tornarem-se gestores da segurança pública em nível municipal, o que dependerá da política estadual (art. 144, § 13º). Mediante lei estadual, as guardas municipais poderão, em convênio com a polícia estadual, realizar, complementarmente, ações de polícia ostensiva e preventiva da ordem pública, assim como de defesa civil. O que nos parece contraditório, pois ao mesmo tempo em que a PEC afirma que as atividades de defesa civil não pressupõem as de uma organização policial, confere essa possibilidade às guardas municipais.
Por fim, os itens que estão gerando maior conflito. O primeiro é o que retira o direito de greve das atuais polícias civis e o segundo é o ponto que trata da questão previdenciária das atuais polícias, principalmente as militares. A PEC em seus artigos 3º e 7º aborda a preservação dos direitos de todos os servidores policiais envolvidos no processo de reestruturação e abre espaço para que os entes federados estabeleçam as normas de aposentadoria e pensões de seus policiais, segundo a proposta, com o fim de absorver os anseios de cada categoria e evitar injustiças, e, se for esta a opção adotada, garantir um processo mais eficiente de unificação. Esse ponto em particular está gerando conflito de interesse entre as atuais corporações, onde está prevalecendo o “lobby” militar e dos sindicatos envolvidos no processo.
Sobre esse assunto polêmico poder-se-ia aplicar o pensamento de AMARAL, levando-se em consideração o fato do governo já ter criado uma força semelhante aos moldes citados, conhecida atualmente como Força Nacional. Ele diz:
Eis aqui a necessidade de uma polícia nacional cujos agentes possam suprir as lacunas da segurança pública em todo o País, pelo menos até que se ajuste o exercício do direito de greve (ou outra denominação de despiste) para os servidores públicos policiais, fardados ou não, mas armados para defesa da ordem pública. Esses servidores não podem ser tratados como os demais, carecem de regime disciplinar e salarial próprios. A polícia, aliás, não devia precisar chegar ao cúmulo da greve, eis que serviço público é fundamento do Estado. Ademais, reivindicação armada soa muito mal! (2003:76)
Essa é a estrutura da proposta de emenda constitucional que está sendo debatida no Congresso Nacional e que pode quebrar o paradigma ditatorial nas polícias. Segundo AMARAL,
(…) é urgente, pois, acabar-se com a cultura militar da polícia, eis que todos os chamados atributos militares que devem estar no policial não são exclusividades do militar: hierarquia/denominação dos postos, disciplina, vigor físico, fardamento, mobilidade operacional/ordem unida (…). (2006:47).
Levando-se em consideração esse pensamento já é passada a hora de corrigirmos essa inércia administrativa que nos deixa permanecer com um modelo construído em regimes de exceção, baseado no controle político e social dos “inimigos” que coloca a polícia e a população em lados opostos da sociedade, muitas vezes, um vendo o outro como inimigo. Chegando ao ponto, como ocorreu no Distrito Federal em agosto de 2007da própria polícia ver seus integrantes como “inimigos” e “subversivos”, realizando patrulhamento ideológico nos sites de relacionamentos na Internet (ORKUT), fato divulgado na mídia local, principalmente nas comunidades de policiais que criticavam o Governador e os excessos cometidos dentro da instituição policial. No parecer da Corregedoria de uma das instituições policiais o corregedor coloca o termo liberdade de expressão entre aspas, dando a entender que tal direito constitucional não cabe aos agentes daquela corporação.
A cultura policial que envolve a população e os integrantes da força policial, deve ser revisada de forma que atenda as bases do Estado Democrático de Direito, tendo o cidadão como o principal ator nesse processo. Caso contrário, as polícias permaneceram como no passado, apenas temidas, nunca respeitadas.
Cardoso, Aderivaldo Martins – Desmilitarização das polícias – Uma mudança cultural ou uma questão de sobrevivência? – UCB (2007)
Desmilitarização: uma utopia ou o início de grandes resultados?
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