Associação de delegados da PF critica projeto de “FBI brasileiro”

Para entidade, proposta de carreira única e ciclo completo de investigação não melhora problemas da segurança pública

Se a constatação de que a segurança pública no Brasil precisa melhorar é compartilhada por todas as forças de proteção, elas, por outro lado, divergem sobre os caminhos para fazê-lo. Em tramitação na Câmara dos Deputados, uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) toca em dois pontos que visam melhorar o combate ao crime e equiparar as forças policiais a outras pelo mundo – como o Federal Bureau of Investigation (FBI), uma espécie de Polícia Federal dos Estados Unidos. Um deles é o chamado ciclo completo de investigação. O outro, a carreira única para a Polícia Federal. Elas duas, no entanto, enfrentam resistência de parte das entidades classistas.

Apresentada pelo deputado federal e ex-secretário de Segurança Pública do Maranhão Aluísio Mendes (PSC-MA) na última quinta-feira (10/10/2019), a PEC 168/2019 estabelece, na prática, que todas as polícias possam investigar e prevenir crimes; e, em termos de carreira, que todos ingressem na mesma função e progridam gradativamente – hoje, são realizados concursos para cada um dos cargos, como delegados, agentes e escrivãos da PF.

O projeto tem apoio da Federação Nacional dos Policiais Federais (Fenapef), mas é criticado pela Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal (ADPF).

Em entrevista ao Metrópoles, o vice-presidente da ADPF, delegado federal Luciano Leiro, não poupou críticas às duas propostas. Para ele, a PEC pretende alterar um modelo que pode, sim, ser aperfeiçoado, mas que vem funcionando bem.

“A gente entende que é uma questão de marketing, em meio a essa discussão sobre a autonomia da PF, porque o tema já está em outras PECs”, criticou, lembrando que a proposta já foi inclusive apensada a outra, a PEC 412, que tramita desde 2009. “É muito mais [uma proposta] classista que uma coisa que vai resolver os problema da segurança pública.”

O delegado federal ressalta que, segundo um estudo encomendado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) no início do ano, 94% dos inquéritos de corrupção abertos pela PF tiveram conclusão.

“Desde 2015, a Polícia Federal (PF) divulga os índices de investigações que são elucidadas em todos os tipos de crime, entre casos de autoria comprovada e arquivados, e ele tem variado, de 2015 a 2018, entre 72% e 74%. Em 2018, nós fizemos 4.976 operações, que evitaram um prejuízo de R$ 11 bilhões. Aí eu falo: o modelo está errado? Qual é o sistema de investigação ‘caótico’?”

Em relação ao ciclo completo, o delegado avalia que, além do desperdício de recursos públicos com várias polícias investigando um mesmo caso, o modelo também prejudicaria a cooperação e integração entre diferentes órgãos.

“Não vai haver otimização dos recursos e a gente não consegue ver qual é o ganho que vamos ter com isso.”

“Um dos pilares do sistema único de Segurança Pública é a integração e cooperação. A Senasp (Secretaria Nacional de Segurança Pública) tem atuado nesse sentido, e se todas as polícias puderem investigar, isso vai criar uma competitividade. O que já é acirrado entre PM e Civil só vai piorar. Hoje você tem essa briga, mas um tem uma função e o outro tem outra, é bem definido.”

Leiro também destaca que a Constituição Federal (CF) prevê funções diferentes a cada força e que pode haver uma sobrecarga do sistema. Pelo artigo 144 da Carta Magna, as polícias militar e rodoviária têm como atribuição o patrulhamento ostensivo, sendo que a primeira também busca preservar a ordem; as civis, a competência de polícia judiciária e a apuração de infrações; e a PF, de apurar infrações penais.

“Você tem a PM, por exemplo, que faz a parte de prevenção e policiamento ostensivo e tem tido dificuldade, por falta de recursos e uma série de questões, de coibir os crimes. Se a gente pensar no ciclo completo, estamos pegando uma polícia que não está conseguindo fazer o seu papel e vamos dar mais uma função para ela. Vai aumentar o número de servidores? Não vai, não tem a menor chance, mas haverá mais funções”, critica.

Carreira

A respeito da carreira única, ele questiona: “Se está tão errado, por que a PF tem os índices que tem? Por que as polícias civis, que têm um investimento maior, mais autonomia, menos interferência do poder governamental estão funcionando melhor? Será só uma categoria que quer virar delegado sem um concurso público?”.

Segundo ele, órgãos como a PF e o Ministério Público têm “grandes cabeças” porque têm concursos “dificílimos” e, no caso dos policiais, passam por um curso de formação complexo e longo para capacitá-los. “E a função de delegado não é só operacional, é jurídico-operacional.”

Em vez dessas medidas, defende, há outras demandas mais urgentes para melhorar a segurança pública, como alterações no processo penal, compartilhamento de dados de inteligência, investimento em tecnologia e contratação de pessoal.

“Você vê uma relação muito grande entre o investimento que é feito em tecnologia, em capacitação, formação, em concursos, com o índice de solução em inquéritos”, sustentou.

“A questão da Segurança Pública é macro, mas um dos grandes problemas de você não ter tanta efetividade na investigação, é você não dar condição para que essas polícias atuem.”

Informações do Portal Metrópoles