Sabe aquela imagem do policial dedicado, respeitado e admirado pela sociedade, mas temido pelos bandidos? Infelizmente está ficando apenas na memória dos mais saudosistas.
A instituição Polícia Militar de São Paulo passa pela mais grave crise de identidade de sua história e o momento é oportuno para que haja uma profunda reflexão deste cenário.
Questionada pela imprensa, subvalorizada pelo poder público, desamparada pela Justiça, algumas vezes ridicularizada por bandidos e desmotivada para exercer seu real papel na sociedade, infelizmente a nossa Polícia lentamente está se acovardando.
Inúmeros fatos poderiam explicar este “fenômeno”, como a falta de investimentos, baixos salários, equipamentos sucateados, conflitos internos, dentre outros, mas é preciso buscar as raízes dos problemas e, principalmente, o que os fomenta.
Uma das raízes está na formação dos Policiais, e é possível afirmar que o Curso de Formação de Oficiais (CFO), berço da formação das doutrinas e planejamento da PM, vem ganhando um viés acadêmico e buscando perfis mais sociais e não combativos, em que o intelecto se sobrepõe a valores seculares como lealdade, constância, honestidade e coragem.
A Academia de Polícia Militar do Barro Branco, de ensino superior, está se direcionando para formar gestores de serviços e não comandantes. Exceto por vários abnegados combatentes, alguns Policiais até se perderam em como atuar de forma adequada, perdendo tempo com procedimentos que engessam a atividade. E isto se multiplica nas formações de Sargentos e Soldados.
Há uma política predatória que parece perseguir o Policial combativo e com opinião, e estes acabam vistos quase como células cancerígenas que precisam ser extirpadas. Acabaram com o moral dos verdadeiros caçadores de bandidos, transferindo-os, prendendo-os, colocando-os na Guarda, na faxina e em obras dos Batalhões ou mesmo expulsando-os. Em tempos passados, muitas das justificativas hoje apresentadas para expulsar um Policial Militar eram motivos para homenageá-los.
A raiz “podre” do problema encontra-se no espectro político, onde alguns Oficiais aceitaram ser comandados por governos corruptos, deixando um legado de submissão quase intransponível. Os políticos, por sua vez, entenderam que a significativa parte dos Comandantes quer é um cargo ao aposentar, dominando muitos deles com pequenas e medíocres promessas.
O 22° pior salário do país é aceito com benevolência, deixando a tropa refém de bicos institucionais, como a DEJEM – Diária Especial por Jornada Extraordinária de Trabalho Policial Militar -, que corresponde a 8 horas contínuas de serviço, para complementar a renda obsoleta e depreciada, em um serviço barato e útil para o Estado.
Na parte pessoal, boa parte da tropa não é cobrada como deveria pelos Oficiais e apenas precisam cumprir o regulamento. Parar a viatura no local correto é mais importante que prender bandidos. Enquanto os fiscalizadores se preocupam com área de patrulhamento, os “Billy’s” (gíria para designar os “verdadeiros” policiais) dos batalhões estão encostados, justo eles que traziam respeito às ruas e levavam medo aos marginais e, em consequência, admiração às pessoas de bem.
E, por fim, no âmbito jurídico, os Policiais são obrigados a aceitar as ordens e se submetem aos anseios de alguns juízes, promotores militantes, aos direitos humanos e ouvidorias de toda e qualquer espécie, sem contar humilhações sofridas nas Audiências de Custódia.
Exceto por uma minoria, não há defesa para a tropa, mesmo que estejam certos. Os Policiais vão para audiências sem orientação e apoio jurídico, sem contar as escalas extras e noites sem fim passadas à mercê do Delegado e da estrutura da Polícia Civil.
Fato é que a própria Polícia os pune, mesmo sem embasamentos. Policial Militar é a única profissão em que se é punido pela ação, pela omissão e pela simples condição de serem Policiais Militares.
A humilhação e o sentimento de insignificância são tão latentes que abrem margem para casos como o que aconteceu recentemente, quando o Governador João Doria se pronunciou publicamente, durante evento gastronômico na cidade de Taubaté/SP, xingando policiais aposentados de “vagabundos”, sendo que eles estavam lá simplesmente exercendo seus direitos individuais de manifestação e cobrando um pouco mais de dignidade para suas famílias.
A Polícia está cansada de políticos que utilizam a instituição como plataforma política em planos de governo. É preciso acabar com isso, já que existem representantes e organizações à altura para enfrentar bandidos de todas as classes, inclusive e principalmente a política.
Assim, é possível concluir que a PM está se tornando uma ótima empresa pública para quem busca uma mesa e um salário. Idealismo e essência combativa? Talvez um dia, quando tudo ruir, sentirão saudades dos tempos em que ser Polícia era literalmente ser Polícia, na simplicidade quase infantil de caçar, prender e derrubar bandidos em defesa da sociedade.
Tenente Santini – Policial Militar da Reserva e atualmente Vereador de Campinas
Informações do Jornal Estadão